Brian Michael Bendis: O Retorno à Casa das Trevas Superman: O Homem de Aço (2018) é uma minissérie que estabelece a base para um novo título medalhão da DC, capitaneado por Brian Michael Bendis, que faz aqui a sua real reestreia na editora. E digo “real” porque as pequenas histórias de DC Nation #0 (Office Space) e Action Comics #1000 (The Truth) foram aperitivos menores, apenas preparando o caminho para o que aconteceria aqui. No primeiro caso, temos a chegada de uma nova funcionária ao Planeta Diário, alguém com contatos imediatos bem estranhos e uma missão que, embora pareça bem forte no conto, está diluída em Man of Steel; e no segundo, a apresentação do vilão de nome ridículo Rogol Zaar (a.k.a. Apocalypse for Nostalgic Millennials and Noob Centennials), piadinhas sobre o cuecão vermelho por fora da calça e as falas com mescla de racismo e xenofobia de Rogol Zaar, dizendo que irá fazer uma “limpeza” no Universo, matando todos os kryptonianos que [ainda] existem. Ah sim, e tem uma linha narrativa que nos remete à destruição de Krypton também. Pois é. De novo.
Deixando a amargura de lado, o fato é que O Homem de Aço realmente consegue criar bons caminhos para uma nova Era do Superman, agora com uma abordagem mais madura e… um tanto séria demais se querem realmente saber. A trama começa com um flashback para o passado do planeta natal de Kal-El, com algumas coisas importantes acontecendo nos bastidores, coisas que a gente não conhecia e que, surpresa-surpresa, redefinem parte do que entendemos daquele planeta e de seu fim. Ao explorar um pouco mais a figura de Rogol Zaar, o autor começa com um bom trabalho — assim como a abordagem cósmica, que aos poucos definha — de representação dos sentimentos anti-imperialistas do vilão, que vê Krypton como uma ameaça de conquista nociva aos planetas do Setor e dominação de povos e culturas por meio de sua prosperidade agressiva. A sequência com O Círculo (formado por Appa Ali Apsa, Sardath, Myand’r e Lord Gandelo) é muito promissora, mas acaba não sendo usada em todo o seu potencial, servindo “apenas” como um delicioso prato de entrada que é retirado no momento em que a gente mais o aproveitava.
Nessa linha de encontro com o passado, o leitor mais pé no chão se pergunta francamente a respeito do que está lendo. Porque, vamos ser bastante sinceros em relação ao cerne do argumento de Bendis aqui: ele é pelo menos metade clichê. E a outra metade parece ter tido um notável pé atrás do autor, possivelmente para “não assustar muito” o público, o que talvez nos dê histórias mais instigantes no futuro, advindas do que ele apenas ensaiou aqui. No entanto — e isso vale para qualquer mídia — clichês não necessariamente são uma coisa ruim. Em sua estrutura, enjoam porque não impressionam. Mas podem nos fazer rir ou olhar com certa cumplicidade para um evento importante, o que os famosos prequels e sequels fazem a torto e a direito pelas artes a fora.
Se nós descontarmos a ação mais abrupta do roteiro, que é a chegada de Jor-El (não, isso não é spoiler dessa minissérie, para entender do que se trata, leia o arco O Efeito Oz, que compreende as edições #985 a 992 da Action Comics Vol.1) à casa de Kal, Lois e Jon, esbarrando numa justificativa que nunca se sustenta ou se revela de fato, estando apenas como uma “desculpa oportuna“, o texto avança em um território perfeitamente aceitável, colocando personagens nos momentos certos, abrindo algumas boas janelas de drama e relacionando personagens importantes para o Superman, como Lanterna Verde (Hal), Batman e Supergirl em separado e, mais adiante, a Liga da Justiça.
A arte da minissérie, assinada por diversos artistas (Reis, Fabok, Shaner, Rude, Sook, Maguire e Hughes), foi muito bem pensada para mudar quando o bloco narrativo se altera, exatamente como deve ser esse tipo de dinâmica de muitos artistas em um mesmo projeto. Particularmente tenho sérias implicâncias com os desenhos e com o roteiro da edição #5 da saga, que acho a pior de todas, nas duas áreas, mas ainda assim, o peso não foi o bastante para apagar a linha traçada por Bendis até aquele momento, ou seja, a colocação do Superman em mais uma Era de buscas, de ausências e separações… um pouco de trevas na luz, mas não como parte de mudança do personagem (ainda bem!), que continua esperançoso e radiante; e sim como uma forma de ele ter mais elementos sombrios e tristes ao seu redor.
Bendis não tem a presunção de querer inventar a roda. Seu Superman segura o estandarte que sempre deve segurar, o da esperança, e confronta os medos e as dores causadas pelo novo vilão com a força e medida tristeza necessárias e organicamente possíveis para um personagem como ele. A série não peca por melodramas bobos ou explosões passionais. A tristeza envolvida, as despedidas e algumas promessas feitas estão em um bom contexto, não apenas jogadas para impressionar ou arrancar lágrimas do público. Claro que o autor é atacado em algumas partes por um senso de megalomania que sempre termina do jeito que a gente conhece: apresentando algo realmente bom e inovador que acaba não sendo nada demais, porque o texto principal segue para o caminho do feijão-com-arroz. Todavia, ao menos nesse caso, o prato básico é bem servido e bem temperado. Claro que tudo seria melhor com alguns riscos tomados e sem a incursão “porque sim, é conveniente demais para eu perder essa oportunidade” de Jor-El na história, mas no fundo, mesmo esse pedregulho abre as portas para algo promissor. E lá vamos nós, mais uma vez, com o Superman em um novo capítulo de sua jornada.
The Man of Steel Vol.2 / Superman: O Homem de Aço (EUA, 2018)
Roteiro: Brian Michael Bendis
Arte: Ivan Reis, Jason Fabok, Evan Shaner, Steve Rude, Ryan Sook, Kevin Maguire, Adam Hughes
Arte-final: Joe Prado, Jason Fabok, Evan Shaner, Steve Rude, Ryan Sook, Ryan von Grawbader, Kevin Maguire, Adam Hughes
Cores: Alex Sinclair, Adam Hughes
Letras: Cory Petit, Josh Reed
Capas: Ivan Reis, Joe Prado, Alex Sinclair
Editoria: Brian Cunningham, Mike Cotton, Jessica Chen
24 páginas (cada edição)