- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
- Por favor, evitem spoilers de episódios que ainda não foram exibidos no Brasil nos comentários.
Quem acompanha minhas críticas de Superman & Lois sabe que um de meus comentários negativos recorrentes sobre a série é sobre como Todd Helbing lida com a identidade secreta do Superman. Não há, nem nunca houve, por parte da produção, um mínimo de esforço para diferenciar Clark Kent de sua persona super-heroística, o que resulta em Tyler Hoechlin vivendo o repórter e o kryptoniano exatamente da mesma maneira, com a barba por fazer só tornando visualmente mais óbvia a conexão. E o resultado é que cada revelação do segredo para pessoas próximas do círculo pessoal de Clark seja inadvertidamente hilário.
Quando o corpo inerte do Superman foi jogado na rua principal (ou seria a única?) de Smallville por Apocalypse, com a família Lane-Kent basicamente dizendo a todos que ali jazia um marido e um pai, com os locais finalmente somando 2+2, confesso que comecei a gostar, pois parecia uma mudança de rumo na lógica de Helbing. Não havia mais como esconder que os dois eram a mesma pessoa, pelo menos não de maneira minimamente crível. E foi por isso que, quando li a breve sinopse do episódio na tela do serviço de streaming que dava a entender que Clark tentaria coloca o coelho de volta dentro da cartola, minha reação foi dar de ombros, soltar um suspiro de incredulidade e, em seguida, sem nenhuma real vontade, encarar o episódio. Eu sabia, tinha certeza, que Um Cara Comum tinha tudo para ser o pior da temporada, quiçá da série inteira.
Quando os créditos começaram a rolar no final, percebi que eu havia me enganado, que eu havia novamente subestimado o showrunner. Mas eu estava feliz com isso. Muito feliz em finalmente ver a questão da identidade secreta do Superman ser trabalhada exemplarmente na série, em um episódio que, muito ao contrário do que imaginava, passou a ser um dos melhores de todos até agora. A história, contada no presente e no passado, em que vemos pela primeira vez a amizade de Clark com Jimmy Olsen (Douglas Smith) como um comentário que reitera o preço cobrado pelo segredo, foi muito bem conduzida por Gregory Smith, diretor de, dentre outros, Uma Breve Reminiscência entre Eventos Cataclísmicos, com doses precisas de humor, descontração e seriedade dramática, com o roteiro de Katie Aldrin e George Kitson que, na única outra vez que trabalharam junto na série entregaram o magnífico Complications, recusando-se a se desviar da discussão central, tentação a que eles poderiam muito facilmente ter sucumbido, como mostrar o que Luthor estaria tramando ou coisas assim, resultando em algo enxuto, preciso e, como é todo o objetivo dessa série, fundamentalmente humano.
As sequências em que Clark Kent tenta desfazer a certeza de muitos habitantes de Smallville sobre ele ser Superman deram a Hoechlin a real oportunidade para ele efetivamente atuar com boa latitude, para mostrar que ele consegue ir além daquilo que estritamente precisa fazer constantemente na série (e que faz muito bem, eu sei). Nesses momentos é que realmente vemos “um cara superpoderoso” ser, apenas, “um cara comum” e há um misto de inocência, de atabalhoamento, de humor que o ator consegue equilibrar muito bem, repetindo a dose nos flashbacks para seu tempo de Planeta Diário em que aceita, depois de muita insistência por parte de Olsen, fazer parte do time de softball do jornal. Mas o que realmente faz o episódio funcionar é que vemos as consequências de um segredo desse tipo para a vida pessoal de Clark e o quanto isso foi quase que colocado como requisito para ele existir por seus pais adotivos, uma verdadeira lavagem cerebral benigna, digamos assim.
E isso fica particularmente claro no contraste com a forma como Jon e Jordan encaram o segredo, com o segundo já tendo sido diretamente afetado por ter que mentir para Sarah e, no processo, perdê-la. Clark tenta impor aos filhos sua visão de mundo, recusando-se a ouvir outros pontos de vista sobre algo tão importante para ele, algo que ele sequer cogita em mudar mesmo quando Jimmy Olsen esfrega em sua cara eventos que coincidiram com seus atrasos para o jogo, eventos esses – helicóptero caindo, trilho de trem estourado, elevador caindo na Torre Eiffel – que, claro, são inteligentes homenagens à sequências icônicas de Superman – O Filme e Superman II – A Aventura Continua. Toda essa relutância, toda essa tentativa vã de se agarrar a algo que foi imposto a ele de tal maneira que ele sequer consegue perceber, deságua na excelente cena em que Clark, confrontado por Emmitt, que efetivamente atira no herói, toma a drástica decisão de finalmente revelar sua identidade aos habitantes de Smallville, tudo no intervalo de tempo que uma bala leva para sair do cano da arma até atingir o símbolo em seu peito.
O que segue, daí, ou seja, a decisão em família de fazer a revelação para o mundo e a entrevista explosiva que se segue são consequências naturais do novo status quo que levaram, então, ao que realmente importa, que é Clark deixando seu óculos para trás e o incomparável momento em que ele reentra no restaurante e é recebido pela população de Smallville como “um cara comum”, em uma demonstração do que o Superman representa para as pessoas, levando-as a um acordo tácito e silencioso que toda a comunidade local assina por livre e espontânea para tratar Clark Kent como Clark Kent, não mais do um vizinho deles cuja única mudança visível é que, agora, ele não usa mais óculos. Um gesto aparentemente simples, mas que fala muito sobre a humanidade e a gratidão sentida por todos. Ainda bem que assisti esse episódio correndo na esteira, senão acharia que o líquido escorrendo em meu rosto nesse momento eram lágrimas, o que, claro, é impossível.
Com uma consistência de se tirar o chapéu, Helbing mostra que realmente entende a essência do mais importante super-herói dos quadrinhos e eleva o man sobre o super em uma série que, não tenho receio de afirmar, é o sarrafo moderno pelo qual todas as obras que gravitam ao redor do Superman de tempos recentes devem e deverão ser julgadas. Mesmo que inevitavelmente a série tenha que voltar à programação normal em seus três episódios finais, Um Cara Comum é o tipo de história que eleva Superman & Lois a algo realmente fora da curva, ao mesmo tempo que torna ainda mais doloroso seu cancelamento a destempo.
Superman & Lois – 4X07: Um Cara Comum (Superman & Lois – 4X07: A Regular Guy – EUA, 11 de novembro de 2024)
Data de exibição no Brasil: 21 de novembro de 2024
Showrunner: Todd Helbing
Direção: Gregory Smith
Roteiro: Katie Aldrin, George Kitson
Elenco: Tyler Hoechlin, Elizabeth Tulloch, Alex Garfin, Michael Bishop, Michael Cudlitz, Yvonne Chapman, Inde Navarrette, Erik Valdez, Sofia Hasmik, Adrian Glynn McMorran, Douglas Smith, Patricia Cullen, Zane Clifford, Danny Wattley, Yoshié Bancroft, Kelcey Mawema
Duração: 43 min.