- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Sempre elogiei muito o lado humano de Superman & Lois e, dentre os diversos exemplos dessa abordagem rara de se ver em séries de super-herói, não me cansei de falar da forma como todo o processo do adultério de Kyle e a separação dele de Lana tem sido trabalhado de maneira completa, adulta, sem saídas fáceis e resoluções relâmpago, e com peso dramático verdadeiro, não algo meramente infanto-juvenil jogado de qualquer maneira, mesmo considerando os inevitáveis – e perfeitamente esperados – elementos infanto-juvenis que a série tem. Digo isso porque se a relação Kyle-Lana é alguma indicação, a linha narrativa do câncer de mama de Lois Lane pode ser, por si só, um espetáculo dramático sem precedentes em obras do mesmo naipe. Há muito a ser explorado e Uncontrollable Forces já dá um excelente pontapé inicial nesse assunto doloroso e difícil.
Afinal, temos que lembrar que não é fácil desenvolver um inimigo crível para o Superman. Sempre foi assim nos quadrinhos e, em grande parte, sempre foi assim nas obras audiovisuais do Azulão, sejam live-actions, sejam animações. Superman & Lois faz o Superman enfrentar, fundamentalmente, “ameaças” mundanas sob as quais ele não tem controle. E não falo de Tal-Rho, Bizarro ou da Parasita, pois isso é perfumaria. Falo da adolescência de seus filhos, casamento, paternidade e assim por diante, algo que ser “super” não faz diferença alguma ou, se faz, só complica mais as situações. Com Lois doente, abre-se uma larga avenida para a exploração da dor, da luta contra algo que socos, pontapés e visão de calor não podem resolver. O Superman é tão impotente quanto Clark Kent ou a própria Lois.
Sei bem que estou apostando no futuro, pois nada impede que uma cura milagrosa seja encontrada na Fortaleza da Solidão ou que algum inimigo do Superman ofereça em troca de algum favor escuso. Tudo pode acontecer em uma série baseada em 75 anos de quadrinhos e contando, mas o que eu espero é que esse drama ganhe o tipo de abordagem que algo mais “simples” na série – a destruição do casamento de Kyle e Lana – ganhou e vem ganhando, pois muita coisa pode ser feita com algo assim mesmo que seja extremamente improvável que Todd Helbing tenha coragem de matar Lois Lane.
Sob pena de estar muito enganado, não parece que o showrunner desperdiçará essa oportunidade. A maneira sóbria como o roteiro da veterana na série Katie Aldrin lida com o assunto é a prova mais contundente disso. Fica evidente para o espectador que há algo de muito errado e série com Lois logo no início sem que palavras sejam necessárias, apenas a mais do que elegante direção de Elizabeth Henstridge (a Jemma Simmons, de Agents of S.H.I.E.L.D.) trabalhando uma montagem que nos leva a uma Lois perdida em pensamentos, tentando fincar um pé no chão para decidir o que fazer. Elizabeth Tulloch é, lógico, o grande destaque aqui e a atriz tem ampla oportunidade, mais uma vez, em mostrar que ela é a escolha perfeita para viver essa versão da personagem. Graças à ela, o dramalhão que poderia descambar para um tom novelesco permanece potente, direto e, sobretudo, carregado de uma intensidade que não consigo classificar como menos do que perfeita.
É graças a essa trinca feminina que Uncontrollable Forces funciona tão bem e parece prenunciar uma temporada mais sombria e aflitiva, com um inimigo invisível que ninguém, nem o homem mais poderoso do mundo, pode enfrentar. Isso fica evidente pela maneira como Lois conta sobre sua doença: a sequência é uma de suicídio, em que uma juiza, pressionada por Lois e Clark, vê seu mundo desabar depois que ela libertou Henry Miller da prisão sem que ela possa oferecer uma explicação maior do que uma resposta ríspida marcada pelo orgulho ferido. O enfrentamento verbal entre Superman e Bruno Mannheim não passa do equivalente humano de dois galos marcando território perto do trabalho de convencimento de Lois para que a juíza não se jogue do prédio, trabalho esse que continua mesmo com o Superman ali, alerta para a situação e preparado para salvar Tara Reagen dela própria, cumprindo a função dupla de ser o grande momento em que Lois fala com Clark através – literalmente, diria – da juíza. E, mais do que isso, gostei muito que o episódio não enrolou e acabou com a revelação do novo status quo para os gêmeos.
Isso quer dizer, no final das contas, que as portas estão escancaradas para uma temporada diferenciada se, claro, Helbing não decidir seguir o caminho mais fácil. Superman e Lois nunca enfrentaram esse tipo de inimigo e será fantástico se a luta do casal contra essas forças incontroláveis mostrar-se mais relevante do que qualquer troca de socos entre seres superpoderosos.
Obs: Não falei nada do restante do episódio, notadamente da festa em Metrópolis para aonde os quatro adolescentes vão e os ataques de Onomatopeia ao ex-prefeito e à atual prefeita pois, muito sinceramente, esses foram apenas pequenos detalhes relacionadas com as tramas adolescente e super-heroica que me interessam infinitamente menos do que o câncer de Lois Lane. Mesmo assim, o resumo da ópera é que até esses elementos foram bem trabalhados no episódio, sem retirar o peso do drama central, o que mostra que Henstridge vem amadurecendo como diretora e que Helbing não parece estar para brincadeiras.
Superman & Lois – 3X02: Uncontrollable Forces (EUA, 21 de março de 2023 nos EUA e 30 de março de 2023 no Brasil)
Criação: Todd Helbing
Direção: Elizabeth Henstridge
Roteiro: Katie Aldrin
Elenco: Tyler Hoechlin, Elizabeth Tulloch, Alex Garfin, Michael Bishop, Erik Valdez, Inde Navarrette, Wolé Parks, Tayler Buck, Sofia Hasmik, Chad L. Coleman, Dylan Walsh, Emmanuelle Chriqui, Mariana Klaveno, Angel Parker, Karen Holness
Duração: 41 min.