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Crítica | Superman: A Era Espacial

A encarnação da esperança.

por Ritter Fan
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Superman: A Era Espacial é, sem dúvida alguma, uma HQ consideravelmente peculiar, mesmo levando em conta que ela é, em essência, um Elseworlds, ou seja, uma história que se passa em uma realidade alternativa à principal da DC Comics e que, por isso, tem um grau de liberdade muito grande com seus personagens e acontecimentos. O que Mark Russell cria, aqui, é algo ao mesmo tempo ousado e reverente ao material clássico, de escopo gigantesco, mas também diminuto, repleto de ação e também de poesia, com a peculiar arte de Mike Allred evocando toda a necessária sensação de estranheza familiar que seu trabalho invariavelmente evoca. Trata-se, portanto, de uma leitura altamente prazerosa por conseguir unir elementos antitéticos debaixo do guarda-chuva (ou seria capa?) da mitologia do Superman, que serve de homenagem, releitura, comentário sociopolítico e econômico e, claro, bem na linha do espírito de seu protagonista, um raio de esperança em meio à desesperança.

Usando fatos históricos como gatilhos narrativos, a história começa em 1963, depois que JFK decreta o começo da “Era Espacial” – a denominação positiva e consideravelmente inocente para a Era Nuclear ou Era da Guerra Fria – e é assassinato em Dallas em seguida. Isso faz com que Clark Kent, já adulto, mas ainda morando com seus pais em Smallville, decida finalmente, contra os desejos de Jonathan Kent, usar seus poderes para tentar mudar o mundo, uma vez que as tensões entre EUA e URSS recrudescem logo em seguida, ameaçando a destruição mútua, mas tudo o que ele consegue é descobrir a existência da Fortaleza da Solidão e compreender que ele ainda não sabe nada nem sobre seu planeta adotivo, nem sobre seu planeta natal, o que o leva, então, a ingressar na vida civil como jornalista do Planeta Diário de um lado e a começar seus estudos e treinamentos com o holograma de Jor-El no Ártico.

O que escrevi acima, na verdade, é uma sinopse “enganosa”, focada na humanidade do Superman, e não nos eventos com que ele lida ao longo da graphic novel, que vão desde a ameaça representada por Lex Luthor que quer se aproveitar da corrida armamentista e o pavor causado pela iminência do apocalipse nuclear até a formação da Liga da Justiça, passando, por incrível que possa parecer, por um fenomenal “outro enfoque” de nada menos do que Crise nas Infinitas Terras, a clássica saga definidora da DC. Mas tudo é feito no estilo Russell de escrever, ou seja, sem preocupação com detalhes excessivos, ou, talvez melhor dizendo, sem deixar que esses detalhes atrapalhem seu objetivo maior, que é recontar a história completa (sim, completa mesmo) desse seu Superman de sua maneira, realçando os valores clássicos e universais do herói que são por vezes esquecidos em quadrinhos e adaptações audiovisuais.

A arte de Mike Allred, novamente fazendo dupla com sua esposa Laura nas cores é fenomenal, ainda que eu tenha dúvidas que seu estilo seja universalmente apreciado por seus rostos muito característicos que fazem os personagens terem olhos marcantes, quase como se estivessem perpetuamente maquiados e pela forma como ele lida com figurinos, normalmente não muito “colados” ao corpo dos heróis e vilões como acabamos nos acostumando pela imposição de um padrão único há muitas décadas. Clark Kent/Superman encapsula bem a forma como a arte de Mike Allred é, pois vemos um personagem de olhar que posso até classificar como triste mesmo quando ele não está triste e uma enorme “cueca por cima das calças” que, mais parece, uma bermuda vermelha por cima de um collant azul. Pode ser estranho sobretudo para quem nunca viu o trabalho do artista ou desgosta dele, mas, para mim, ele encontra o equilíbrio perfeito entre o nostálgico e o moderno, entre o traço puramente cartunesco e aquele que carrega algum grau (mas bem pouco) de realismo. E as cores de Laura, como sempre, são vibrantes, conversando muito bem com o estilo esperançoso dessa abordagem do protagonista.

Mas Superman: A Era Espacial tem, para mim, um problema sério, que é a abordagem paralela do Batman, no que me parece ser muito mais uma exigência vinda da editoria da DC do que algo que Russell queria mesmo fazer. Não falo, aqui, da mera presença do Batman como membro da Liga da Justiça, pois há diversos outros personagens do grupo que têm participação importante, mas pequena no âmbito geral da história. No caso do Homem Morcego, porém, ele ganha toda uma história paralela que vai muito além de Bruce Wayne ser um concorrente de Lex Luthor na disputa por um contrato milionário de equipamentos militares com as Forças Armadas dos EUA, algo que conversa bem com toda a história sendo contada. Russell não se contenta (ou foi forçado a não se contentar) com a natureza subsidiária da presença do Batman na graphic novel e o Cruzado Encapuzado, então, ganha toda uma linha narrativa desconectada com a do Superman e que, ainda por cima, parece corrida, feita mesmo de má vontade para acabar o mais rapidamente possível.

Não é nem uma questão de que a história do Batman na HQ é ruim, pois ela definitivamente não é. No entanto, ela está deslocada, perdida e inserida na “força” no arco geral que tem o Superman como protagonista. Falta sentido lógico para a existência dessa história paralela dentro da narrativa, mesmo que seja perfeitamente visível que Russell esforçou-se para construir algo relevante e diferente para o Homem-Morcego e não apenas o que já vimos antes ou algo genérico e sem graça. Até mesmo a arte da dupla Allred fica à altura do personagem, mas isso não ajuda a inexorável conclusão de que tudo que se relaciona ao Batman em A Era Espacial que não esteja intrinsecamente conectado com Lex Luthor e/ou Superman e/ou Liga da Justiça não deveria estar aqui e sim em uma graphic novel própria que, aliás, a equipe toda trabalhou e publicou a partir de março de 2024.

Em circunstâncias normais, o “fator Batman” influenciaria mais incisivamente em minha impressão geral sobre Superman: A Era Espacial, mas a grande verdade é que o bojo da história criada por Mark Russell como uma bela homenagem ao Homem de Aço é simplesmente boa demais para ser afundada por algumas páginas que não deveriam existir. O roteirista cria algo que captura tão bem a essência do Superman, com a coragem de fazer algo realmente diferente, mas ao mesmo tempo tão familiar, com o casal Allred materializando essas ideias com uma arte tão bonita, que, quando a poeira assenta, ganhamos uma icônica história do mais importante super-herói dos quadrinhos que, proporcionalmente, tem poucas histórias desse nível de qualidade. E isso vale muito!

Superman: A Era Espacial (Superman: Space Age – EUA, 2022/23)
Contendo: Superman: Space Age #1 a 3
Roteiro: Mark Russell
Arte: Michael “Mike” Allred
Cores: Laura Allred
Letras: Dave Sharpe
Editoria: Jillian Grant, Brittany Holzherr, Paul Kaminski
Editora original: DC Comics
Datas originais de publicação: setembro e novembro de 2022; abril de 2023
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação no Brasil: julho de 2023
Páginas: 256

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