A divulgação de Superman (1978), dirigido por Richard Donner, utilizou como slogan a frase: “você vai acreditar que um homem pode voar”. Era importante todo tipo de estratégia para este projeto, visto que obras baseadas em quadrinhos não eram levadas a sério pelo público, seja por soarem infantis ou até bregas demais. Com o lançamento do filme, as pessoas saíram do cinema realmente acreditando que o homem podia voar. O sucesso foi imediato e absoluto. Mas o que os levou a crer que uma pessoas realmente poderia alçar voo. Claro que o mestre Richard Donner, junto de sua equipe de efeitos visuais, foram brilhantes e históricos na tecnologia que trouxeram. Só que de nada adianta tanta bugiganga se uma pessoa frágil for colocada para voar. Ela simplesmente não convenceria. Quando o Super-Homem levava Lois para voar em algumas cenas, ninguém imaginava que ela também voasse, mas sim que ele tinha esse poder para conduzi-la. Portanto, a resposta para esses questionamentos é: Christopher Reeve. Ele era capaz de fazer o mundo acreditar que o homem poderia voar, com seu olhar gentil, postura imponente e voz esperançosa.
Vinte anos após a morte do ator, a Warner decidiu homenageá-lo com um documentário, chamado Super/Man: A História de Christopher Reeve. que recebeu também o selo da DC Studios. Nada mais justo, visto que o imenso charme, talento e carisma de Reeves foram decisivos para levar respeito para o gênero de super-herói no cinema. A obra trafega pela ascensão meteórica de Christopher Reeve como estrela de cinema, passando por momentos de mudanças artísticas até chegar ao trágico acidente que o deixou tetrapégico. O que seria uma fatalidade na vida de qualquer astro hollywoodiano, significou para Reeve uma nova abordagem diante da vida.
Apesar de buscar homenagear Christopher Reeve, como a origem do projeto sugere, agrada muito que a dupla de diretores Ian Bonhôte e Peter Ettedgui saia do lugar comum e não promova uma narrativa linear com emoções óbvias. Inclusive, a escolha para a direção se mostra acertada por parte da Warner também pelos dois terem comandado Rising Phoenix, belo documentário sobre atletas paralímpicos. Ou seja, artistas com uma visão apurada, criativa e respeitosa para tratar e enaltecer pessoas com deficiência.
Após uma emotiva introdução que resgata a trilha de John Williams, despertando a nostalgia na audiência, surpreende que a obra comece justamente pelo acidente, pontuando como aconteceu e os dias tensos de indefinicaçao no hospital. É como se em questão de minutos, todo o sentimento de luto pelo o que aconteceu com ele retornasse. A estratégia serve não apenas para nos jogar com muita força na história, como demonstra sensibilidade para não definir a vida dele a um acidente. Afinal de contas, o Super-Homem descobre sua verdadeira força justamente diante da kriptonita.
Inclusive, é brilhante como a montagem executa paralelos entre a vida de Reeves e passagens dos quatro filmes do herói. Ao invés de pecar para a pura narração, o documentário cria esses momentos simbólicos para nos fazer sentir a vida de Reeves como sentíamos as aventuras de Kal-El. Nessa abordagem, é sútil mas genial como a obra busca justamente cenas de Superman III e IV para tratar de momentos mais infelizes da vida do ator, obras que nem mesmo Reeve se orgulhava, como o filme revela.
Portanto, antes de tudo, o documentário é um exercício de paralelismo entre o mito e o homem. A trajetória de Reeve, moldada tanto pela ficção quanto pela brutalidade da vida real, encontra na figura de Superman um espelho eloquente. Ao explorar esse diálogo simbiótico entre Reeve e Superman, o filme desafia as noções convencionais de heroísmo. Aqui, o herói não é apenas o produto de uma narrativa de superação, mas um questionamento constante sobre os limites da vontade humana diante da tragédia. A montagem não linear contribui decisivamente para esse efeito, fragmentando o tempo e embaralhando a cronologia em uma espécie de memória afetiva, que nos força a revisitar e reavaliar cada evento sob diferentes ângulos. Não há uma progressão simples do antes para o depois; o documentário nos convida a habitar um espaço de reflexão, onde a história pessoal e o mito se entrelaçam.
Essa estrutura, que brinca com a noção de tempo, reflete a própria condição de Reeve: a luta contra a inevitabilidade da decadência física e a tentativa incessante de transcender os limites do corpo. As escolhas técnicas, que mesclam entrevistas, imagens de arquivo da família e passagens em computação gráfica, não são meramente ilustrativas, mas atuam como dispositivos que amplificam a proposta visual do filme, gerando dinamismo e reforçando o paralelo entre vida e arte. Isso gera uma experiência mais filosófica sobre o que significa ser herói ou um protagonista na vida real. Enquanto Super-Homem, Reeve encantou e fez gerações sonharem, mas curiosamente foi após a tragédia que ele passou a dar esperança. Se na ficção Superman é representação da invulnerabilidade física, na vida real Reeve é o símbolo de uma luta infinitamente mais humana. O astro lutou pelo próprio bem-estar, com anos de fisioterapia e procedimentos, e para dar voz para pessoas com deficiência, que especialmente nos Estados Unidos poucos investimentos recebem.
O que o filme nos responde, afinal, que a força de um ícone não está em poderes extraordinários. O Superman não é o maior herói do planeta pelo seu leque de habilidades, mas por muitas vezes ver no humano um potencial diferente. Ele é prestativo, atencioso e bondoso. No final de Superman (1978), o protagonista move o mundo para impedir os planos de Luthor. De alguma forma, Christopher Reeve também moveu o mundo, com esperança e lançando holofote para quem estava silenciado até então.
Super/Man – A História de Christopher Reeve – EUA, 2024
Direção: Ian Bonhôte, Peter Ettedgui
Roteiro: Ian Bonhôte, Peter Ettedgui e Otto Burnham
Com: Christopher Reeve, Robin Williams, Glen Close, Susan Sarandon, Whoopi Goldberg, Jeff Daniels, Dana Reeve, Richard Donne
Duração: 104 min.