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Crítica | Sujo (2024)

Uma herança.

por Luiz Santiago
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O que simboliza o nome e o sobrenome de uma pessoa? Que importância esse significado tem para um menino que cresce com um alvo estampado, por conta das atividades criminosas de seu pai? Em Sujo (2024), as diretoras Astrid Rondero e Fernanda Valadez seguem essa trilha de “busca pessoal” para narrar a trajetória do protagonista, que tem o pai assassinado pelo cartel. O menino ainda não tem a dimensão do que isso significa, mas percebe que tudo à sua volta muda. Com isso, nasce um medo silencioso, que o mergulha em uma constante confusão. Esses sentimentos são capturados com impressionante autenticidade pelo jovem ator que dá vida a Sujo em seus primeiros anos. A temática do isolamento é introduzida logo cedo, e terá uma importância muito grande para definir a personalidade calada e contemplativa do menino, que cresce à sombra da violência que permeia sua linhagem, criado pela tia nas montanhas, afastado da cidade. É uma história de amadurecimento e descobertas que fica no meio-termo entre romper ou seguir com o ciclo de vingança e “honra da família“. 

Em dois momentos diferentes da vida de Sujo (quando criança e quando jovem), vemos como as brigas entre os grupos armados de sua cidade alteram os passos e certamente facilitam a sua relação com o mesmo mundo violento que o fez órfão. Nesse ciclo de mortandades geracionais, não dá para não lembrar de O Rio e a Morte (1955), filme da fase mexicana de Luis Buñuel, centrando no conflito da terra o cerne das brigas. Em Sujo, o impasse agrário não é a questão, longe disso. Fica claro que o que está em jogo é o tráfico de drogas. Mas os mesmos elementos da tradicional sociedade mexicana se fazem presentes aqui, tanto na construção de um modelo específico de masculinidade, quanto nas condições sociais e ideológicas que fazem com que os homens sofram os horrores desse sistema. Ao mesmo tempo em que as diretoras indicam uma possibilidade de mudança para a vida do protagonista, a “luz no fim do túnel” parece artificial, carente de maior força para qualquer das possibilidades dadas a ela, falhando como mudança prática ou como pensamento de uma nova vida.

Em vez disso, vemos pincelados alguns momentos de realização, como os estudos de Sujo na cidade do México, por exemplo, mostrados apenas como um “acidente do caminho“, não havendo desenvolvimento do personagem nessa nova realidade. O espectador entende o motivo de seu silêncio e de sua postura em toda a primeira parte, mas a composição de Sujo, no momento em que ele muda de lugar, acaba fazendo pouco sentido para aquilo que as cineastas queriam explorar no novo espaço. É fato que, em algumas cenas, com destaque para os momentos com a professora, vemos nuances dessas mudanças, mas elas não avançam na narrativa, que já é longa demais e se limita a explorar a carência e os excessos, muitas vezes ressaltando estereótipos a respeito da sociedade que retrata. Dramaticamente, se era intenção criar uma realidade de “total condenação“, então que o roteiro assumisse isso com coragem e levasse Sujo abertamente para o destino mortal, fixado pela trajetória de seu pai. Mas nem isso o público consegue ter, de concreto. As diretoras utilizam de mais algumas indicações oníricas para sugerir um final aberto a maiores discussões, alinhando-se com o que vemos na cena inicial do filme. É um ciclo em repetição ou a demonstração de um momento que ainda não tínhamos visto?

Não estou certo de que a divisão em capítulos tenha sido a melhor escolha para o andamento da película, mas a abordagem mais próxima de um realismo fantástico que temos nos dois primeiros blocos é tão cativante, que o espectador consegue lidar com as quebras dramáticas. Ademais, o último capítulo, ligando Sujo à professora, combina bem com essa abordagem. É o ponto onde uma possível alteração na vida do jovem poderia acontecer (bem… começa, de fato, a aparecer), mas é logo abandonada ou diminuída pelo reforço que as diretoras fazem das trevas sociais que definem a vida do protagonista. Às vezes, dá a impressão que o filme reforça o senso comum ideológico ligado à permanência de uma pessoa num ciclo de crimes geracionais, mas nem isso se mantém por tempo o bastante em cena, pois vemos o longa voltar, em atmosfera, para o local onde começou. E todas as memórias sobre o nome, a identidade e a existência do indivíduo retornam. Dessa vez, porém, com o peso de várias vidas a tiracolo.

Sujo (EUA, México, França, 2024)
Direção: Astrid Rondero, Fernanda Valadez
Roteiro: Astrid Rondero, Fernanda Valadez
Elenco: Juan Jesús Varela, Yadira Pérez, Alexis Varela, Sandra Lorenzano, Jairo Hernandez, Kevin Aguilar, Karla Garrido
Duração: 126 min.

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