Edward “Ed” Zwick tem ótimas credenciais em Hollywood, ainda que ele não seja um cineasta de enorme fama, daqueles normalmente citados por aí, seja em eventos, seja por cinéfilos em geral. Sua carreira inclui a co-criação e produção da série de TV Thirtysomething, que foi ao ar entre 1987 e 1991, e a direção de filmes como Tempo de Glória, Lendas da Paixão, O Último Samurai (cujo roteiro também é dele, em coautoria) e Diamante de Sangue. Não são obras cheias de hype gigante hoje ou na época em que foram lançadas e nem são enormes sucessos de bilheteria, mas são inegavelmente de qualidade e consistência e que lhe permitiu, ao longo de algo como quatro décadas, trabalhar com uma gama grande de atores que são hoje superestrelas, mas que ainda não haviam chegado no ponto mais alto de seu sucesso (talvez, apenas, com exceção de Tom Cruise).
Como aconteceu com vários artistas durante a pandemia, ele aproveitou aqueles dias (anos?) complicados e, no alto de seus então quase 70, hoje 71 anos, escreveu sobre sua experiência em Hollywood em uma obra que é ao mesmo tempo autobiográfica e didática para aspirantes na arte do Cinema ou apenas para curiosos nela como eu. Em termos comparativos dentre as diversas outras obras do gênero que existem por aí, diria que a dele segue a escola de Sidney Lumet e seu ótimo Fazendo Filmes, ainda que Zwick tenha elegido um linguajar mais despojado e consideravelmente sem papas na língua, o que empresta aquele sempre bem-vindo sabor ácido a seus comentários sobre as engrenagens hollywoodianas e todos aqueles que dela se beneficiam, sejam produtores, diretores, roteiristas ou, claro, o elenco.
Seguindo uma abordagem simples e cronológica, com capítulos batizados a partir da obra mais significativa do período abordado, Zwick encontra seu ritmo narrativo imediatamente, criando empatia com o leitor ao prometer ser inclemente tanto com ele próprio quanto com aqueles com quem acha que deve ser inclemente, mas sempre tentando ao máximo se segurar para não ultrapassar certos limites. Os destaques iniciais vão para suas parcerias com o produtor Marshall Herskovitz, cuja conexão lhe valeu o efetivo início de sua carreira com Thirtysomething e com quem iniciou uma prolífica amizade que dura até os dias de hoje e com Lynn Liberty Godshall sua companheira de longa data e esposa desde 1982, além de seus processo educacional diante da prestigiosa American Film Institute (hoje em dia a escola de cinema número 1 nos EUA).
Se Thirtysomething não era exatamente como Zwick queria iniciar sua carreira no audiovisual – afinal, na época séries de TV não tinham o mesmo prestígio dos dias atuais – foi essa série que abriu as portas para aquilo que ele originalmente queria fazer e ele sabe muito bem disso e dá todos os créditos aos anos que passou a frente de sua cocriação, a ponto de referenciá-la no subtítulo de seu livro, My Fortysomething Years in Hollywood. Afinal, se Steven Spielberg, que é Steven Spielberg, começou na televisão (com um segmento do piloto de Galeria do Terror e com o célebre telefilme Encurralado), porque Edward Zwick não poderia começar da mesma forma, não é mesmo?
O que segue de sua série que o catapultou para os meandros de Hollywood é uma mais do que interessante narração sobre seus périplos em cada uma de suas principais produções. Talvez a história mais fascinante seja justamente a de seu primeiro grande longa metragem, o sensacional Tempo de Glória, que conta a história do primeiro batalhão de afro-americanos – escravizados libertados – na Guerra Civil Americana. Não só ele ainda não havia se provado como um diretor capaz de comandar um orçamento polpudo, recebendo toda a sorte de pressões e intervenções dos engravatados, como ele teve que enfrentar um extremamente problemático Matthew Broderick, ainda muito jovem e recém egresso de seu sucesso Curtindo a Vida Adoidado fazendo um papel completamente diferente de seu padrão, que se socorria não exatamente da ajuda de seu agente, mas sim, inusitadamente, de sua própria mãe, que exigiu diversas reuniões com Zwick e, claro, um sem-número de alterações no roteiro que atrapalharam e encareceram sobremaneira a produção.
Por outro lado, Zwick teve o enorme prazer de “descobrir” Denzel Washington no mesmo filme, então um ator relativamente inexperiente em longas – ainda que já com uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por seu papel em Um Grito de Liberdade – cujo papel mais consistente fora o do Dr. Philip Chandler, na série St. Elsewehere. De forma diametralmente oposta à Broderick, Washington não impôs nada e até assustou Zwick ao não mostrar que estava conseguindo “entrar” em seu papel nos ensaios, até o momento em que a câmera começou a rolar no primeiro dia de filmagem e Washington transformou-se completamente e iniciou de verdade a ilustre carreira que hoje conhecemos. Quando Zwick descreve a filmagem da pesada sequência em que o personagem de Washington recebe chicotadas e que, tenho certeza, foi o momento em que todo mundo da Academia lembrou quando estava para votar na categoria de Melhor Ator Coadjuvante na cerimônia do Oscar de 1990, é como ler sobre o nascimento de uma estrela, algo que Zwick, de maneira muito emocionante até, volta a abordar mais para a frente em seu livro, quando fala de seu trabalho com um agora já experiente Denzel Washington, em Coragem Sob Fogo.
Não é errado afirmar que o capítulo sobre Tempo de Glória dá o tom efetivo de Sucessos, Fracassos e Outras Ilusões. Tudo o que vem depois segue essa estrutura que reputo como vencedora e costumeiramente a mais acertada para obras do gênero. Os filmes e séries guiam a narrativa, com Zwick lidando com os aspectos positivos e negativos de sua experiência, seja por culpa de terceiros ou dele – que ele reputa como sendo sempre dele, vale dizer, sem fugir da responsabilidade que efetivamente recai sobre seus ombros -, como por exemplo o desaparecimento de uma já escalada Julia Roberts para viver o papel principal feminino em Shakespeare Apaixonado (filme cuja história de produção chega a ser aterradora e o que acabou chegando nas telas chegou anos depois do fim do envolvimento direto de Zwick), a intensidade que é trabalhar com Tom Cruise (segundo Zwick, tudo que falam do ator é verdade) e o profissionalismo de Leonardo DiCaprio.
Claro que essa escolha estrutural acaba levando a algumas repetições, mas é visível a tentativa de Zwick de focar em diferentes aspectos do trabalho envolvido em uma produção cinematográfica a cada capítulo, sem que ele se esqueça de falar na composição da trilha sonora, na fotografia, na montagem e, ainda bem, da enorme equipe pouco lembrada de assistentes de direção, operadores de câmera, iluminadores, set designers e assim por diante. O cineasta acha até espaço para assustar seus leitores quando diz que o célebre Alan Horn, então CEO da Warner, que produziu Diamante de Sangue, fala para ele com todas as letras que esse filme seria o “último de sua espécie” que sua empresa colocaria nas telonas por ter custado 100 milhões e “só” lucrado 40 milhões, em razão de seu público alvo ser adultos mais maduros. Há de tudo um pouco no livro, com a palavra operacional talvez sendo “pouco”, pois acredito que havia mais lições valiosas para Zwick dar em uma obra que muito facilmente poderia – deveria – ser mais longa em diversos momentos. Ele até tenta suprir esse “problema” ao oferecer listas de lições ao final de cada capítulo, mas essas listas, ao contrário, deixam evidente o quanto ainda faltava ele falar e chega até a frustrar um pouco o leitor.
Seja como for, Sucessos, Fracassos e Outras Ilusões é uma conversa franca sobre a tensa e intensa montanha-russa que é Hollywood e sobre o caminho complicado que o Cinema como fruto de um trabalho colegiado comandado por um diretor de visão vem tomando, caminho esse cada vez menos acessível e cada vez menos desejado nas duas pontas, a do estúdio e a do público. Sob diversos aspectos, o livro de Ed Zwick funciona como um canto do cisne um tanto quanto assustador da mesma maneira que ele é também capaz de exaltar as diversas profissões especializadas que fazem a engrenagem girar. E ele tem razão em dizer já no título que tudo não passa de ilusão…
Sucessos, Fracassos e Outras Ilusões (Hits, Flops, and Other Illusions: My Fortysomething Years in Hollywood – EUA, 2024)
Autor: Edward “Ed” Zwick
Editora original: Gallery Books
Data original de publicação: 13 de fevereiro de 2024
Páginas: 304