Home TVEpisódio Crítica | Succession – 4X08: America Decides

Crítica | Succession – 4X08: America Decides

A cizânia.

por Ritter Fan
5,1K views

  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas. 

Succession nasceu a partir de uma ideia de Jesse Armstrong de produzir um filme sobre a Fox News e a família Murdoch. Apesar de esse pareamento com o mundo real sempre ter ficado claro ao longo da série, America Decides é o primeiro episódio a arrancar completamente o véu e, portanto, qualquer resquício de discrição que ainda existia, pois o que vemos é quase uma recriação do que se imagina que deve ter acontecido nos bastidores do conglomerado jornalístico, só que, claro, com nomes e logotipos diferentes. E não estou dizendo que isso é ruim, vejam bem. Muito ao contrário até, pois o antepenúltimo episódio da série é o primeiro desde Kill List – não coincidentemente também dirigido por Andrij Parekh – que, na minha concepção, merece verdadeira e irrestritamente a nota máxima.

Sei que o sistema eleitoral dos Estados Unidos é complexo, mas é fascinante notar como o diretor navega bem, desta vez em ambiente fechado, pelo frenesi causado pelas decisões que têm que ser tomadas de minuto a minuto na ATN e pelo nada didático, mas incrivelmente elucidativo – e isso não é uma contradição em termos – do próprio showrunner da série que, aliás, escreveu também os textos dos dois episódios finais. Entre contagem de votos por estados-chave, atos terroristas enevoados (ma non troppo, claro), pressões dos candidatos principais, interferência do candidato independente e toda as linhas narrativas da série em franca convergência, o roteiro de America Decides é outra aula de como se fazer uma hora irretocável de televisão. Não há nada fora de lugar, não há uma palavra a mais ou a menos e, em meio a isso tudo, a câmera comandada por Parekh trafega daquela maneira nervosa que é marca da série, mas sempre abrindo espaço para algo que vem ficando cada vez mais evidente desde que o monstruoso Brian Cox saiu de Succession no inesquecível Connor’s Wedding: a impressionante qualidade dramática do restante do elenco, notadamente, claro, Jeremy Strong, Sarah Snook, Kieran Culkin e Alan Ruck no papel dos quatro Roys, além de Matthew Macfadyen como Tom Wambsgans e Nicholas Braun como Greg Hirsch.

O que torna o episódio particularmente brilhante é que as movimentações relacionadas com a eleição não ficam somente como pano de fundo. Seria muito mais fácil lidar com as brigas internas entre irmãos pelo controle do conglomerado Waystar-Royco se as eleições permanecessem em segundo plano, mas como já disse algumas vezes, Armstrong não só não faz o mais fácil, como ele escolhe justamente o que é mais difícil. Portanto, o que vemos são as oscilações e eventos conectados com o fechamento escalonado das votações e as pesquisas de boca de urna, além da apuração inicial ditando a tensão interna entre os três principais membros da família Roy, levando-os da falsa união para uma separação completa e possível jogatina de Ken com Shiv contra Rome e, finalmente, para o desmascaramento de Shiv e o recrudescimento da conexão de Ken com Rome e, pela primeira vez em muito tempo, a balança de poder absoluto pendendo para Rome.

Enquanto as forças entre os candidatos democrático e republicano estão equilibradas, pouco pode realmente ser feito de um lado ou de outro, mesmo que Roman sempre tenha se revelado a favor de Jeryd Mencken (o Donald Trump da série), algo fortalecido por sua percepção de que seu amigo bloqueará a aquisição de sua empresa pela GoJo. Na medida em que o terrorismo e o vandalismo pelos partidários de Mencken começam a chegar na superfície, Shiv ganha força, força essa que não vem apenas de sua preferência basicamente por qualquer candidato menos Mencken, mas também (ou principalmente, como diriam os mais cínicos como eu) por seu desejo de levar a negociata a cabo e, no processo, atropelar os irmãos no cargo de CEO. Ken, por seu turno, diante do que aconteceu com a filha e o medo de sua ex-esposa – e também diante do que ele bem lá no fundo pensa em termos político, mais alinhado com Shiv – demonstra dúvida e hesitação sobre o que fazer.

As reações dos três atores às demandas do roteiro são irretocáveis, mas diria que, se Strong e Snook já tiveram seus espaços para brilhar na temporada, agora foi a vez de Culkin transformar seu Rome em um rolo compressor em sua quase obsessão em colocar Mencken no poder para conseguir o que quer, pouco importando detalhes como seu país e democracia. O crescendo de Rome em America Decides é assustadoramente fenomenal. Assim com Ken inflou-se em sua defesa do projeto Living+ no episódio que leva o mesmo nome, Rome inchou o peito em seu uso desavergonhado do poder que sua conexão com Mencken lhe permite. Mas enquanto Ken parecia uma pavão orgulhoso, realmente achando que ele é o próximo Logan Roy, Rome tem um viés que, diria, é vingativo, saboreando de verdade ver que ele, neste momento, está por cima da carne-seca dentro de sua empresa.

Shiv, por seu turno, depois da conversa definitiva com seu marido ao final do episódio anterior e sua tentativa de pedir desculpas aqui sendo recebida com frieza absoluta, frieza essa que não se altera com a revelação da gravidez, começa a perder sua compostura e, com isso, a sutileza de sua manipulação, o que culmina com aquela famosa mentira de perna curta que leva Ken completamente para o lado de Mencken e Rome, mas não por qualquer convicção política, mas sim, unicamente, em razão de poder (não dinheiro, poder, ainda que não haja uma exata distinção entre esses dois instrumentos). Shiv perdeu essa batalha, mas ela sai da ATN resoluta em dar a volta por cima e, muito sinceramente, eu não gostaria de ficar no caminho dela…

É tanta coisa que acontece em America Decides que eu nem sei muito bem como Armstrong conseguiu manter tanto a dupla Tom e Greg quanto Connor como personagens relevantes em meio ao vai-e-vem de alianças e traições. Mas o fato é que o showrunner conseguiu, usando Tom e Greg como instrumentos para justamente emular de maneira mais precisa e detalhada os bastidores reais na Fox News em 2016 e Connor para ser aquele ser patético de sempre que aceita a esmola de Mencken intermediada por Rome que o leva a um discurso brilhantemente vergonhoso em que “concede derrota”. Acredito piamente que, se eu conseguisse segregar mentalmente os momentos com esses três personagens do restante do episódio – e isso é impossível dada a excelente costura narrativa – e só olhasse para eles para julgar o episódio, esquecendo-me de todo o restante, é bem possível que chegasse à mesma avaliação máxima, pois é invejável o tratamento que o texto e a direção dá aos coadjuvantes.

America Decides é o episódio que cria a cisão definitiva – enquanto durar, claro – entre Ken e Rome de um lado, e Shiv de outro, preparando o terreno para dois episódios finais que prometem muita sujeira, muita húbris, muita ganância e muitas traições, doa a quem doer, por parte do mais sensacional grupo de personagens que, quase que homogeneamente, amamos odiar. A ficção se aproxima da realidade, como a arte imita a vida, mas Succession parece estar em uma categoria própria em que essa divisão não parece mais importar. O que isso significa para o fim? Não tenho certeza, mas suspeito que tudo acabará bem… para os bilionários…

Succession – 4X08: America Decides (EUA – 14 de maio de 2023)
Criação: Jesse Armstrong
Direção: Andrij Parekh
Roteiro: Jesse Armstrong
Elenco: Brian Cox, Jeremy Strong, Sarah Snook, Kieran Culkin, Alan Ruck, Matthew Macfadyen, Nicholas Braun, J. Smith-Cameron, Peter Friedman, David Rasche, Fisher Stevens, Dagmara Dominczyk, Justine Lupe, Alexander Skarsgård, Ashley Zukerman, Justin Kirk, Elliot Villar
Duração: 65 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais