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Crítica | Succession – 4X02: Rehearsal

Quem precisa de amor?

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas. 

É como em Tubarão, se todo mundo em Tubarão trabalhasse para o tubarão.
– Hirsch, Greg

A riqueza dos relacionamentos pessoais em Succession é sempre de se tirar o chapéu. Não tem um episódio em que isso não fique evidente e Rehearsal é um daqueles cada vez mais raros exemplares em que vemos os cinco Roys conversando em uma mesma sala, mesmo que a sala em questão seja de karaokê, com iluminação e decoração de gosto duvidoso, fazendo de Logan Roy, ali, um gigantesco peixe fora d’água. A pergunta que o espectador faz o tempo todo e que permanece mesmo depois que o embate acaba, é se há alguma verdade nos sentimentos em tese demonstrados ali, naquela espécie de vulcão prestes a entrar em erupção explosiva, pois o roteiro, mais uma vez, conecta profundamente o pessoal com o negocial de forma que fica impossível extrair o quanto de sinceridade há em um pedido de desculpas, mesmo que hesitante, equivocado e recebido com desdém e, ao mesmo tempo, aquele gostinho de vitória.

E, em meio a esse diálogo repleto de culpa, vingança, tino comercial, desprezo, talvez Connor Roy tenha tido seu momento mais marcante, com Alan Ruck, de quem eu reconheço que falo relativamente pouco, uma inegável injustiça, simplesmente arrasando em seu papel. Ao dizer que o “bom de ter uma família que não te ama é que você aprende a viver sem amor”, ele demonstra que erigiu – ou acha que erigiu – uma barreira emocional que lhe permite transitar naquele meio sem ser atingindo, algo que seus irmãos, sempre carentes de amor, não conseguem como ele também deixa evidente em seu monólogo. Em uma série que faz de tudo para detestarmos todos os seus personagens, Connor é alguém com quem uma conexão pode ser estabelecida não só pela clareza de seu raciocínio, como também pela melancólica e torturada força que ele faz para parecer aquilo que ele diz que é, um homem que não precisa de amor, enquanto que toda sua postura que gravita ao redor disso, especialmente em relação à Willa, indica outra coisa, como bem sabemos.

Mas Shiv, Ken e Roman realmente imploram pelo amor do pai e todo aquele desdém quando Logan pede suas “desculpas” – eu vejo sinceridade ali, mas sinceridade com objetivo, não apenas sinceridade do fundo do coração sem querer nada em troca -, o que os transforma em personagens trágicos, mais trágicos ainda do que Connor por não reconhecerem, em seus respectivos corações semi-petrificados, o que eles realmente querem. Aliás, uma correção. Shiv e Ken não reconhecem, pois Roman, por mais perturbado que possa parecer, tem um bom grau de inteligência emocional e sabe trabalhá-la de maneira a alcançar algum tipo de equilíbrio nesse mar de lama, algo que lhe vale um “assento” na ATN ao final, ao lado do pai, mesmo que isso signifique traição em relação a seus irmãos.

Falando em ATN e ecoando o que eu mencionei no início sobre Logan parecer um peixe fora d’água na sala de karaokê, é muito interessante ver o quanto o magnata parece também deslocado no salão aberto de sua empresa – a estrutura de vender grande parte da empresa e ficar com o lado jornalístico desavergonhadamente replica o que aconteceu com a venda da Fox para a Disney, com a família Murdoch permanecendo com a Fox News -, como se fosse apenas mais um ali no meio de tantos. Um gigante na cabeceira de uma mesa de uma sala envidraçada, mas uma “pessoa comum” na ciranda de profissionais do jornalismo que ele em tese comanda, sendo necessário ele subir em caixas para discursar feroz e genericamente sobre as mudanças que promete trazer para a divisão que permanece sob seu dedo (e, claro, o que dizer de Greg narrando o que vê para Tom, não é mesmo?). E isso porque eu nem falei da divertida “batalha de bastidores” sobre os inexistente dotes jornalísticos de Kerry que são alvo de chacota generalizada e de passagem de bastão de Logan para Tom e, finalmente, para Greg contar a má notícia de maneira a escudar o patriarca de qualquer problema pessoal.

Mas, claro, tudo tem chance de ir por água abaixo. Cheguei a vislumbrar a hipótese, na crítica anterior, de que o próprio Logan tentaria melar a venda da Waystar Royco para a GoJo de forma a impedir que seus filhos comprassem a PGN, mas não é isso que ocorre aqui. Shiv, como uma forma de se vingar do pai e do marido sobre a questão dos advogados de família que declaram conflito porque Tom entrou em contato com eles antes por sugestão de Logan, deflagra, perante Sandi, o arriscado jogo de atrasar a venda para forçar Lukas Matsson (Alexander Skarsgård) a desembolsar mais dinheiro, algo com que seus irmãos inicialmente não concordam, com Ken somente entrando nessa ciranda potencialmente autodestrutiva quando Lukas, claramente estressado pelo negócio, liga para ele dizendo que, se houver qualquer pressão, ele simplesmente abandonará o negócio, o que justamente pode ser uma indicação de que há mesmo espaço para manobra.

No entanto, sem GoJo, não há PGN e a batalha sucessória da Waystar Royco basicamente volta à estaca zero, potencialmente jogando a proverbial chave inglesa nessa frágil engrenagem multibilionária. Considerando a fragilidade emocional de Matsson e a fúria incontida de um Logan Roy que precisa de uma vitória nem que para isso tenha que manipular seu filho no momento mais facilmente manipulável, tudo pode acontecer no próximo episódio que se passará, pelo visto, no dia do casamento de Connor e Willa, o que certamente jogará ainda mais sal em uma ferida aberta que se recusa a fechar. Succession, nessa temporada talvez mais ainda que nas demais, tem se mostrado um primor narrativo que, porém, nem de longe facilita a vida para nós, pobres espectadores, jogando-nos sem remorso em um mar repleto de tubarões farejando sangue por todo o lado, pois nós, se no mínimo não trabalhamos para algum tubarão, somos facilmente comida para o voraz peixe.

Succession – 4X02: Rehearsal (EUA – 02 de abril de 2023)
Criação: Jesse Armstrong
Direção: Becky Martin
Roteiro: Tony Roche, Susan Soon He Stanton
Elenco: Brian Cox, Jeremy Strong, Sarah Snook, Kieran Culkin, Alan Ruck, Matthew Macfadyen, Nicholas Braun, J. Smith-Cameron, Peter Friedman, Cherry Jones, Jeannie Berlin, Alexander Skarsgård, Justine Lupe, Zoe Winters
Duração: 58 min.

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