- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Primeiro de dois episódios duplos desta temporada inaugural de Stargirl, Shiv Part One é quase que inteiramente focado na origem da personagem do título, vilã adolescente filha do Rei Dragão que é cheerleader e valentona de plantão da escola, Cindy Burman (Meg DeLacy), ou seja, todos os clichês do gênero encapsulados em uma só pessoa. Mas, diferente dos “episódios de origem” anteriores, este aqui sabe dar conta do recado por jogar o jogo que a série se mostra melhor: a vida adolescente em Blue Valley.
Chega a ser curioso que uma vilã seja merecedora não de um, mas de dois episódios só para ela, especialmente porque, com exceção obviamente de Stargirl/Sideral, somente a Pantera foi laureada com um inteiro, já que a Dra. Meia-Noite e o Homem-Hora tiveram que compartilhar 42 minutos de correria e conveniências quase mágicas para criar a nova Sociedade da Justiça a toque de caixa. Mas, como vilões são normalmente muito mais interessantes do que os mocinhos, nada a reclamar aqui, notadamente porque a divertida canastrice de Meg DeLacy, repleta de bicos, bateção de pezinhos e outros ataques típicos de adolescentes mimados e sem limites funciona exatamente como a série deveria funcionar constantemente: como Dawson’s Creek, Barrados no Baile ou até High School Musical, só que com uniformes coloridos e super-poderes.
E que fique bem claro que nem quando era adolescente eu gostava de séries adolescentes – alma velha é assim mesmo – mas a conexão desse tipo de série extremamente batida com as páginas dos quadrinhos é tudo o que funciona em Stargirl, com minha grande decepção sendo exatamente o quanto a série se esquiva justamente disso, tentando criar uma aura sombria e pesada ao mesmo tempo em que descamba para o pastelão, sem nunca encontrar o equilíbrio e fazendo tudo pela metade. E esse equilíbrio e essa sensação de completitude existe aqui em Shiv Part One, mesmo que ele nem de longe seja perfeito.
Não demora muito para ficar evidente o porquê de Shiv precisar de dois episódios. O roteiro de Evan Ball, além de oferecer uma razoavelmente boa origem que tem absolutamente tudo a ver com o “ser adolescente” – ela brigando com o pai encapuzado na masmorra ou sei lá o que é aquilo foi impagável – ainda é capaz de justamente costurar toda a super-secreta Sociedade da Injustiça que parece ter construído a cidade em cima de seu quartel-general, quase como se Blue Valley fosse a Disney World e a teia de corredores subterrâneos “misteriosos” os lugares onde transitam todo o staff que faz o parque funcionar. Shiv, portanto, parece ser o nexo que faz a conexão entre o mundo dos vilões debaixo da terra e o mundo colorido acima dela, algo que é bem representado pelo seu cabelo de duas cores.
Dessa maneira, tudo o que orbita Cindy acaba contribuindo para a narrativa, incluindo o afastamento – sim, sim, bem conveniente para variar, mas aí já é querer demais – de sua melhor amiga e a aproximação, ato contínuo, de Courtney que deságua na pancadaria final, desta vez bem melhor do que o wire-fu razoavelmente amador que vimos em Justice Society. E o melhor é que parece (só parece, mas tenho esperanças!) que as consequências da briga foram minimamente sérias para Courtney, talvez fazendo-a precisar internação no hospital ou algo que não seja apenas um estalar mágico de dedos.
E é claro que, lá no fundo, Courtney mereceu a surra que levou, já que sua infantilidade anterior, ao querer mostrar-se como a sabichona perante seus colegas de equipe e padastro, infantilidade essa que foi bem paralelizada com a de Cindy soltando fumaça com seu pai em uma demonstração de bom tino diretorial de ninguém menos do que Lea Thompson (sim, a própria Lorraine!), foi para lá de irritante, ainda que obedecendo uma lógica. Agora é esperar que ela, mesmo que não tenha sido muito ferida, pelo menos consiga amadurecer um pouquinho e pare de agir como o estereótipo da loira burra, pois esse artifício já deu o que tinha que dar há muito tempo.
Não poderia encerrar a crítica sem comentar a revelação de que Justin, o faxineiro da escola, é, na verdade, o Cavaleiro Andante (ou apenas Sir Justin, como queiram), outro herói da Era de Ouro dos quadrinhos, que foi criado em 1941 e que fez parte tanto do Comando Invencível quanto dos Sete Soldados da Vitória. Será interessante entender como ele foi parar ali (ele imediatamente me lembrou o Papa-moscas/Príncipe Ambrósio de Fábulas) e em princípio meio desequilibrado mentalmente, ainda que ele reconheça Pat como Stripesy (ou Fúria) ao final. E a esperança de vê-lo com sua armadura e quiçá com o cavalo alado Vitória (seria pedir demais?) poderá ser o ponto alto da temporada se isso acontecer.
Trocando em miúdos, Shiv Part One é o que um episódio de origem em uma série com essa proposta tem que ser: focado em uma personagem que já havia sido devidamente apresentada (e não estou falando de figuração como foi o caso de Rick Tyler) e que vai além de ser apenas o momento em que a vilã veste seu uniforme pela primeira vez. Há “construção de mundo” de forma razoavelmente estruturada que extrai o melhor que a série tem a oferecer, algo que tem sido esquecido pelos showrunners desde praticamente o começo. Que a segunda parte venha sedimentar minha esperança de que há luz no final desse túnel!
Stargirl – 1X07: Shiv Part One (EUA, 29 de junho de 2020)
Showrunners: Geoff Johns, Greg Berlanti
Direção: Lea Thompson
Roteiro: Evan Ball
Elenco: Brec Bassinger, Luke Wilson, Yvette Monreal, Anjelika Washington, Christian Adam, Julia Armitage, Mark Ashworth, Christopher James Baker, Olivia Baughn, Elizabeth Bond, Sam Brooks, Meg DeLacy, Wil Deusner, Suehyla El-Attar, Max Frantz, Cameron Gellman, Eric Goins, Neil Hopkins, Neil Jackson, Hina Khan, Joe Knezevich, Joy Osmanski, Ashani Roberts, Trae Romano, Amy Smart, Stella Smith, Brian Stapf, Henry Thomas, Annie Thurman, Jake Austin Walker
Duração: 42 min.