- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
A frustração que senti ao final de Hourman and Dr. Mid-Nite tem, assim como aconteceu em Wildcat, relação direta com a qualidade das duas histórias de origem que são contadas no quinto episódio da primeira temporada de Stargirl, mas não da maneira que muitos apressadamente concluirão. O problema não é a falta de qualidade, mas sim, muito ao contrário, sua abundância. Incongruente? Sem sentido? Podem ter certeza que não.
A questão é que o mais recente episódio da série que, em breve, precisará ser rebatizada de Sociedade da Justiça, conta uma excelente história dupla das versões teen de Homem-Hora e Doutor Meia-Noite, heróis da Era de Ouro dos quadrinhos criados em 1940 e 1941 respectivamente, mas sem saber usar os episódios anteriores como plataformas de desenvolvimento. Foi exatamente a mesma coisa no episódio anterior, com Yolanda sendo praticamente retirada de sua obscuridade ao ganhar holofotes em uma história corrida que tem como base a vontade de criança birrenta de Courtney de montar uma nova equipe a toque de caixa, como se achar alguém para herdar poderes de super-heróis fosse a coisa mais simples do mundo.
E eu nem quero muito, vejam bem. Usando Rick Tyler (Cameron Gellman), filho de Rex Tyler, o Homem-Hora original como exemplo, o que é insanamente enfurecedor é que houve incontáveis oportunidades para o personagem ter sido apresentado antes, especialmente se levarmos em consideração a conexão automotiva que ele tem com Pat. O jovem rebelde com causa, que ganha um flashback muito interessante que mostra – a seus olhos – seu abandono por seus pais, que morrem em um “acidente” logo depois e sua adoção forçada por um tio que não quer saber dele, é material rico para um super-herói baseado em raiva, ressentimento e vingança, algo que poderia ter sido plantado muito antes, logo no começo da temporada no lugar de um sem-número de bobagens que tomaram os episódios anteriores. Com isso, para todos os efeitos Rick nasce aqui, ganha seu desenvolvimento aqui e torna-se o Homem-Hora II aqui também, como se a temporada não tivesse 13 episódios para trabalhar origens de maneira mais orgânica e compassada.
E a mesmíssima coisa (ou quase) vale para a jovem Beth Chapel (Anjelika Washington). Sim, ela já havia sido introduzida antes e ela descobriu as personas super-heroísticas de Courtney e Yolanda ao final do episódio anterior, mas nada mais foi trabalhado anteriormente sobre a personagem para além de sua proximidade um tanto quanto exagerada a seus pais. Da mesma forma que Yolanda e ela compartilhavam a “mesa dos rejeitados” com Courtney, teria sido muito salutar à série que as três tivessem caminhado juntas nessa jornada de auto-conhecimento, sem precisar ganhar “episódios de origem” que derramam texto expositivo atrás de texto expositivo para que os 40 e poucos minutos regulamentares sejam preenchidos com um arco narrativo completo que simplesmente precisava durar mais do que esse tempo.
E não, as desculpas de que “ah, é uma série adolescente” e/ou “ah, o crítico não percebe que os roteiros tentam emular a Era de Ouro” simplesmente não colam e não podem servir de razão para se abaixar a cabeça para preguiça nos roteiros. Primeiro, série adolescente não precisa ser mal-escrita e, segundo, a Era de Ouro tem muito mais a oferecer do que origens de super-heróis em uma ou duas páginas. Portanto, sim, Stargirl é uma série adolescente que tenta evocar a Era de Ouro dos quadrinhos, mas isso não é licença para fazer um personagem novo brotar do nada no quinto episódio e tornar-se extremamente importante, assim como correr para dar mais do que uma linha de diálogo para outra personagem que mal foi vista anteriormente. Isso é tudo menos a melhor técnica televisiva e é uma pena essa falta de cuidado, pois a série indubitavelmente tem potencial.
Esse potencial fica evidente na respeitosa manifestação de poderes aqui e também no caso de Pantera e da Sideral. A ampulheta do Homem-Hora original traz aquele sentimento bacana de anacronismo científico que um objeto como esse deveria mesmo invocar, assim como sua entrega a um garoto delinquente e desgostoso com a vida que leva. Seria cansativo demais se todos os personagens fossem bonzinhos como a trinca de meninas e Gellman faz um bom James Dean televisivo, por assim dizer, combinando via contraste, com suas colegas de super-grupo. Igualmente, os óculos-Wikipedia do Doutor Meia-Noite foram muito bem pensados e ganharam uma versão modernosa, mas que também se encaixa no modelo anacrônico da ampulheta, com a jovem Beth estabelecendo um alívio cômico simpático e bem-vindo.
Em termos da trama macro, ela continua parada. Tivemos a presença da versão feminina do Violinista no hospital no episódio anterior e, agora, novamente aqui, juntamente com o Jogador que é o diretor do projeto capitaneado por Geada e onde a mãe de Courtney trabalha, mas fica a sensação de que essas tramas em doses homeopáticas só estão ali para nos lembrar que a série tem outros assuntos para tratar, ou seja, novamente demonstrando o problema de se dedicar episódios interiores a praticamente personagens novos tirados da cartola. Pelo menos agora Pat sabe que sua enteada furtou os objetos da SJA, ainda que eu confesse que não entendo muito bem o que a “bolsa de ginástica” com a bateria do Lanterna Verde estava fazendo de volta no quarto da garota se ela se deu ao trabalho de levar tudo para seu armário da escola…
Hourman and Dr. Mid-Nite é o que deveria ser a culminação de episódios já apresentados e desenvolvidos antes. Todo seu conteúdo foi ótimo, realmente acima da média, especialmente as interações entre os três jovens e a história pregressa de Rick, mas assim, jogado no meio de uma temporada inaugural de uma série em tese sobre Stargirl, foi como se os showrunners estivessem sem paciência para trabalhar de verdade histórias de origem e já quisessem partir para a formação do grupo. Aliás, teria sido muito melhor se eles já tivessem começado a série com a SJA Teen formada se o objetivo era sair correndo com as origens de seus membros…
Stargirl – 1X05: Hourman and Dr. Mid-Nite (EUA, 15 de junho de 2020)
Showrunners: Geoff Johns, Greg Berlanti
Direção: David Straiton
Roteiro: Melissa Carter
Elenco: Brec Bassinger, Luke Wilson, Yvette Monreal, Anjelika Washington, Christian Adam, Julia Armitage, Mark Ashworth, Christopher James Baker, Olivia Baughn, Elizabeth Bond, Sam Brooks, Meg DeLacy, Wil Deusner, Suehyla El-Attar, Lou Ferrigno Jr., Max Frantz, Cameron Gellman, Eric Goins, Neil Hopkins, Neil Jackson, Hina Khan, Joe Knezevich, Joel McHale, Joy Osmanski, Ashani Roberts, Trae Romano, Amy Smart, Stella Smith, Brian Stapf, Henry Thomas, Annie Thurman
Duração: 43 min.