- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série.
Independente da qualidade geral da Trilogia Prelúdio, que considero quase que completamente inexistente, uma escolha de George Lucas sempre me causou espécie: o exército separatista é formado quase que exclusivamente de androides, mais especificamente atrapalhados Battle Droids que funcionam, também, como alívios cômicos sempre que possível. Isso retira todo o peso da luta de seres vivos contra seres vivos, colocando, de um lado, clones com armaduras brancas contra variados tipos de androides, em uma desumanização completa da guerra, com as mortes não sendo mais do que brincadeiras de criança em grande parte do tempo. As tão badaladas Guerras Clônicas, portanto, não têm peso e, pior, muitas vezes fazem troça – não sátira, não crítica, não ironia – sobre os próprios horrores de uma guerra.
Iniciei a crítica de O Clone Solitário com essa consideração, pois toda a linha de defesa do planeta Desix, que deseja permanecer fora do jugo do Império, é formada por Battle Droids (Matthew Wood) reprogramados que, por sua vez, são controlados por um androide tático (Shelby Young), o que faz com que todo o ataque ao planeta pelo Comandante Cody, Crosshair e um pequeno destacamento de clones (todos com voz de Dee Bradley Baker) não tenha qualquer impacto que não seja o visual. E isso fica ainda mais evidente quando o objetivo principal do episódio é alcançado, pois, claro, ele foi escrito para que Tawni Ames (Tasia Valenza) fosse executada por Crosshair sob ordens do governador Grotton (Max Mittelman), apesar da promessa de Cody de uma resolução pacífica para o impasse, o que finalmente leva o personagem a deserdar.
O que quero dizer é que o impacto do assassinato de Ames é o único momento de real valor dramático no episódio. Sei que muitos poderão arguir que esse impacto só tem esse porte justamente porque as demais mortes são completamente vazias, até porque grande parte nem morte é. Mas essa é uma interpretação que me parece estranha, já que a guerra só é trágica porque tira vidas humanas. Coloque dois exércitos de androides lutando e todo o horror acaba imediatamente, já que tudo o que vemos são objetos inanimados sendo destroçados como em um daqueles campeonatos de “luta livre” de robôs sobre rodas e esteiras que o MIT promove. Portanto, a execução de Ames teria o mesmo impacto se as mortes que levam até esse grande momento – que é mesmo um grande momento – fossem também sentidas.
Mas sei que pareço um reclamão de marca maior falando de algo que todo mundo já sabe. Acontece que essa escolha de Lucas realmente afetou tudo o que se refere às Guerras Clônicas e um episódio desses sem os Malfeitos, algo que é sempre bem-vindo, vale dizer, acaba não tendo a força que poderia ter, ainda que sua execução tenha sido primorosa, especialmente a conexão e coordenação entre Cody e Crosshair e aquela excelente sequência dos “espelhinhos” para permitir que o sniper atirasse subindo a escada em espiral. Momentos como esse, de grande inspiração, são raros na série e eles merecem ser aplaudidos quando acontecem e mais ainda quando a culminação da ação é algo tão relevante quanto a reiteração da obediência cega de um soldado e as fortes dúvidas que isso causa em outro.
E a promessa de que Crosshair será novamente a grande ameaça que caçará seus ex-colegas – quem sabe, agora, ajudados por Cody? – é algo que muito me agrada, pois Dave Filoni acertou em cheio quando separou esse personagem dos demais e criou o conflito até agora irreparável entre ele e os demais, mesmo que, na primeira temporada, ele não tenha aproveitado todo o potencial de seu conceito. No entanto, é até natural que o showrunner tenha preferido uma queima um pouco mais lenta para a transformação de Crosshair em um assassino frio que faz o que faz por uma visão deturpada e sem qualquer opinião próprio do que é obedecer ordens. Se os clones foram compelidos a assassinar os Jedi em razão de uma programação dormente inserida neles em seu nascimento, ou seja, eles não tinham como não fazer o que fizeram, Crosshair escolhe conscientemente agir como age e é justamente isso que faz com que Cody enxergue a verdade por trás de tudo.
O que realmente interessará é se Filoni investirá nessa abordagem de Crosshair, realmente usando o personagem como uma força da natureza anti-Malfeitos ou se o poupará para momentos específicos. Confesso que preferiria que o personagem fosse trabalhado de maneira constante ao longo da temporada, voltando inclusive a ter seu próprio batalhão de elite, agindo sob a proteção do Vice-Almirante Rampart que, claro, não quererá que a sobrevivência dos Malfeitos em Kamino venha à tona. Seja que caminho Filoni escolher, uma coisa é certa: chega de Battle Droids!
Star Wars: The Bad Batch – 2X03: O Clone Solitário (Star Wars: The Bad Batch – 2X03: The Solitary Clone – EUA, 11 de janeiro de 2023)
Criação: Dave Filoni
Direção: Saul Ruiz
Roteiro: Amanda Rose Muñoz
Elenco: Dee Bradley Baker, Michelle Ang, Matthew Wood, Max Mittelman, Shelby Young, Noshir Dalal, Tasia Valenza
Duração: 30 min.