Star Wars: Skeleton Crew, a primeira série de TV live-action do universo criado por George Lucas que é focada no público infantil, começou com dois episódios lançados simultaneamente no Disney+ e, como costumo fazer em situações assim, escrevi duas críticas separadas, a primeira sem que eu tenha assistido o segundo episódio para evitar contaminação. Aqui vão elas:
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Isso Pode Ser uma Aventura de Verdade
O universo Star Wars não é exatamente focado no público infantil, como alguns dizem, mas sim no juvenil, no máximo infanto-juvenil. Sim, há exemplos de obras live-action da franquia 100% voltadas para os pequeninos, como Caravana da Coragem: Uma Aventura Ewok e Caravana da Coragem 2: A Batalha de Endor, mas elas são raridades, assim como são raridades obras completamente adultas. Somente debaixo do guarda-chuva da Disney é que a LucasFilm abriu seu leque narrativo, primeiro oferecendo filmes e séries para um público maduro, como foram os casos de Rogue One: Uma História Star Wars, Os Últimos Jedi e a série Star Wars: Andor, e, agora, com Skeleton Crew, voltando sua mira para as crianças e entregando, pelo menos julgando a partir deste primeiro episódio, algo que poderia muito bem ser uma produção dos anos 80 da Amblin, dirigida pelo próprio Steven Spielberg, diretor que, tenho certeza, teria feito maravilhas com o material.
Isso Pode Ser uma Aventura de Verdade começa forte, vistoso, excitante e também reverencial à sequência inicial de Guerra nas Estrelas, com uma excelente sequência de ataque pirata a uma nave espacial que leva a tripulação corsária a amotinar-se contra seu capitão mascarado depois que apenas um crédito é encontrado dentro do cofre. Esse começo “bem Star Wars tradicional”, porém, logo abre espaço para algo muito mais prosaico, focado em quatro crianças em um idílico planeta que replica subúrbios e cidades tipicamente americanas. Wim (Ravi Cabot-Conyers) é sonhador, não liga muito para a escola e adora brincar de boneq… digo, figuras de ação e fingir que é um Jedi com duelos imaginários com seu amigo Neel (Robert Timothy Smith), de uma raça elefantina azul que parece prima da de Max Rebo e que é seu oposto, todo certinho e obediente. Fern (Ryan Kiera Armstrong) e KB (Kyriana Kratter) completam o grupo heterogêneo, a primeira uma motoqueira rebelde e a segunda uma humana de cabelos brancos com um visor (à la Geordi La Forge) ligado a um implante cibernético na nuca (à la Lobot). Apenas com as descrições, vê-se muito claramente e, lógico, propositalmente, ecos misturados de Luke Skywalker, Han Solo, Princesa Leia e até C-3P0 e RD-D2 (além de Bob Falfa, de Loucuras de Verão), o que imediatamente coloca o público mais velho – que assistirá diligentemente a série, tenho certeza – em uma situação de conforto.
Aprendemos um pouco principalmente sobre Wim em uma coleção de situações um tanto repetitivas que deixam claro seu lado mais aventureiro e inquieto, algo que é amplificado sobremaneira quando ele, atrasado para uma importante prova, cai em uma espécie de fosso no meio de uma floresta e encontra o que ele insiste dizer que é um Templo Jedi. Não demora muito e, de maneiras diferentes, as duas duplas estão novamente por ali para escavar a descoberta e, com isso, entrar em uma nave aparentemente muito antiga, que está ali há muito tempo, com cenas de exploração e descoberta que parecem tiradas diretamente de Os Caçadores da Arca Perdida no aspecto de suspense e imagens macabras e de Os Goonies no que se refere ao deslumbramento infantil, incluindo um androide – com um rato espacial morando em um de seus soquetes – que parece quebrado, mas que obviamente desperta ao final, prometendo ser o K-2SO do grupo.
E, como não é segredo para absolutamente ninguém que tenha visto meia dúzia de filmes na vida, em sua “estabanação” típica e para desespero de seus amigos, Wim aperta botões na cabine da nave, iniciando um protocolo de decolagem que os arremessa, na velocidade da luz, para além de uma barreira galáctica que aparentemente cerca o planeta em que vivem. Começa, assim, com um sabor de pura aventura e maravilhamento infantil que bebe das melhores fontes do gênero, uma jornada de amadurecimento que tem tudo para ser diversão do mais alto gabarito para todas as idades nessa galáxia muito, muito distante.
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Muito, Muito Além da Barreira
Eu realmente não esperava o começo promissor de Skeleton Crew e, quando ele veio, fiquei muito feliz, mas também receoso de que o nível cairia muito rapidamente. Mas eis que Muito, Muito Além da Barreira revela-se ainda melhor, com um passo mais aprumado já que não a necessidade de se introduzir os protagonistas e seu planeta já passou e com mais daquilo que faz de Star Wars a franquia que é, uma sensação de fascinação composta pelos mais variados elementos, como cenários que dão aquela inestimável impressão de serem realmente vividos e uma miríade de personagens criados (e recriados) com o uso de efeitos práticos e muita prótese, além do conforto da familiaridade e de uma pegada “velha guarda”, realmente inspirada, mesmo que a história em si não seja de outro mundo.
O droide SM-33 com voz de Nick Frost é um achado, um verdadeiro Long John Silver espacial com “perna de pau” e sem um olho e ainda achando que é o que sempre foi e, no processo, aceitando a espertíssima Fern como sua capitã. A Ony Cynder (sim, eu pesquisei o nome da nave) é a nova Millenium Falcon, mas ainda mais decrépita, com direito a esqueletos de piratas mortos pelo deque (e que eu espero que ninguém tenha a ideia cretina de destruí-la como fizeram com a Razor Crest). E a base espacial Port Borgo é a Nassau da Era de Ouro da Pirataria nesse nosso bom e velho planeta mesmo. Além disso, nada como empreender uma reviravolta narrativa bacanuda e transformar At Attin, o planeta de onde as crianças vêm, no X do mapa do tesouro, um lugar mítico para os piratas e, provavelmente, a razão de a nave estar perdida por lá. É como se eu estivesse relendo o clássico A Ilha do Tesouro mais uma vez ou reassistindo sua sensacional adaptação sci-fi Planeta do Tesouro e essa combinação, que conta até mesmo com a recriação do “cachorro com a chave na boca” de Piratas do Caribe (o brinquedo dos parques da Disney, não o filme, pois, para mim, a referência original sempre será a melhor), é, muito sinceramente imbatível.
Mas há mais, evidentemente, já que Port Borgo também conversa diretamente com Guerra nas Estrelas, por ser uma recriação do mais famoso “ninho de escória e vilania” do audiovisual, com as crianças não sabendo para onde olhar ou o que fazer diante da variedade de criaturas e de situações perigosas com que se deparam e com a direção de arte da série conseguindo extrair e repetir boa parte da magia da primeira vez que Luke Skywalker pisou em Mos Eisley. Estou exagerando? Talvez, mas a oferta audiovisual nessa sequência exploratória em que os piratas do prólogo do primeiro episódio retornam foi rica o suficiente para deixar meus olhos cansados brilhando como os da criança que um dia fui e que, talvez, bem lá no fundo, às vezes ainda seja.
E tudo isso – e por tudo isso entendam os dois episódios – para que, então, sejamos própria e fluidamente introduzidos a Jod Na Nawood (Jude Law – e sim de novo, também pesquisei o nome do personagem), certamente o líder pirata mascarado do prólogo que, surpresa, surpresa, sabe manipular a Força e muito facilmente pega a chave que permitirá a fuga do grupo. Não fica claro, eu sei, o porquê de ele não ter feito isso antes, considerando o tempo que ele está por ali, mas permitam-se arquivar isso na prateleira do “não importa, pois todo o resto está bom demais” se não houver algum tipo de explicação posterior. O que eu posso dizer, para encerrar essa conversa é que a experiência que o “eu adulto” teve com o começo de Star Wars: Andor o “eu criança” está tendo com Star Wars: Skeleton Crew, e, no final das contas, isso é tudo o que importa.
Star Wars: Skeleton Crew – 1X01 e 02: Isso Pode Ser uma Aventura de Verdade / Muito, Muito Além da Barreira (Star Wars: Skeleton Crew -1X01/02: This Could Be a Real Adventure / Way, Way Out Past the Barrier – EUA, 02 de dezembro de 2024)
Criação: Jon Watts, Christopher Ford
Direção: Jon Watts (1X01), David Lowery (1X02)
Roteiro: Christopher Ford, Jon Watts
Elenco: Jude Law, Ravi Cabot-Conyers, Ryan Kiera Armstrong, Kyriana Kratter, Robert Timothy Smith, Nick Frost, Tunde Adebimpe, Kerry Condon, Marti Matulis, Jaleel White, Fred Tatasciore, Stephen Oyoung, Mike Estes, Dale Soules
Duração: 46 min. (1X01), 31 min. (1X02)