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Crítica | Star Wars: Herdeiro do Império (Trilogia Thrawn #1), de Timothy Zahn

Reacendendo a chama da franquia.

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais livros da Trilogia Thrawn.

Espaço: Sistema Abregado, Sistema Athega, Coruscant, Janodral Mizar, Kashyyyk, Mykr, Sistema Obroa-skai, Wayland, Dagobah, Sistema BpFassh, Sistema Jomark.
Tempo: Nova República Galática, cinco anos após a destruição da segunda Estrela da Morte, na Batalha de Endor, 9 a.BY.

Tenho plena consciência de que, no que se refere a Herdeiro do Império, nado na direção oposta da opinião da gigantesca maioria das pessoas que leram o livro de Timothy Zahn (inclusive a do meu colega de site que escreveu uma crítica rasgando elogios para ele) que, quase que completamente sozinho, reacendeu o interesse pela franquia Star Wars depois de oito anos sem filmes, com muitos afirmando inclusive que o sucesso da obra foi um fator decisivo para George Lucas lançar as versões digitalmente alteradas da Trilogia Original e, depois, produzir a Trilogia Prelúdio. Em minha releitura – li a primeira vez quando do lançamento nos EUA, em 1991 -, mantive a impressão original de que o livro não passa de “bom”, mas, para evitar qualquer tipo de injustiça, decidi ler os dois livros seguintes da trilogia antes de redigir as críticas separadas para ter uma visão do todo, já que ainda não havia me debruçado sobre Ascensão da Força Sombria e O Último Comando e eu queria ver se a impressão de conjunto melhoraria minha conclusão sobre o primeiro capítulo.

Bem, a verdade é que não melhorou em nada. Talvez tenha piorado até. Se alguma coisa, os livros seguintes tornaram ainda mais evidente que Herdeiro do Império é um robusto rascunho de um livro que poderia ser ótimo se passasse por um processo editorial realmente sério e que introduz o esboço de dois vilões – o inteligente Grão-Almirante Thrawn e o ensandecido Mestre Jedi Sombrio (antes de a designação Sith existir) Joruus C’baoth – que tinham tudo para ser espetaculares, mas que, neste primeiro volume, não são. Antes que algum suposto fã de Star Wars socorra-se do bom e velho “parei de ler quando…”, frase indicativa de preguiça mental e incapacidade de argumentar, é importante salientar que a presente crítica é tão somente de Herdeiro do Império e não de toda a trilogia, ainda que eu tenha decidido ler tudo antes pelas razões acima apontadas e, como pano de fundo, levar os três livros em consideração para fins comparativos. Além disso, mesmo reconhecendo a importância do romance como instrumento de ressurreição da franquia, esse é um fator exógeno a ele e, portanto, não poderia e nem deveria influenciar a análise de seus méritos e deméritos literários.

A história se passa cinco anos após os eventos de O Retorno de Jedi, com a Nova República ainda tateando e o Império ressurgindo na pessoa do Grão-Almirante Thrawn, um inteligentíssimo não-humano de pele azul e olhos vermelhos que é um dos raros alienígenas secretamente consagrados pelo Imperador antes de morrer pelas mãos de seu aprendiz. Da mesma forma que a Nova República precisa se firmar, Thrawn precisa reconstruir o poderio militar do Império para, então, esmagar a Rebelião transformada em República e, para isso, põe em movimento um intrincado plano que inclui obter exemplares de criaturas conhecidas como ysalamiri que cria “vácuos da Força” ao seu redor, arregimentar a ajuda de Joruus C’baoth para que ele, com seus poderes, coordene ataques simultâneos de diversas naves do Império, tomar controle de uma base secreta do Imperador para extrair de lá a tecnologia de camuflagem e uma outra que só é revelada no livro seguinte, mas que não é de difícil dedução por leitores minimamente atentos. Claro que o romance começa com a narrativa já em movimento, pelo que, conforme vamos aprendendo, Thrawn já tinha planos iniciados para desestabilizar o governo da República em Coruscant e outras estratégias nessa linha.

Mas C’baoth cobra um preço. Em seu desvario mental, ele quer retornar ao seus tempos de glória e, para isso, exige que Thrawn entregue a ele os Jedi ainda vivos, ou seja, Luke Skywalker, Leia Organa Solo, agora casada com Han Solo, claro, e seus gêmeos ainda não nascidos, para que ele os seduza para o Lado Sombrio da Força. Curiosamente, portanto, no lugar de se ocupar de questões mais relevantes afeitas mais diretamente a Thrawn, Zahn parte para o estranho, cômodo e completamente sem graça (além de repetitivo) caminho de transformar grande parte de sua obra em uma sucessão de tentativas frustradas do supostamente tão brilhante Grão-Almirante em sequestrar os Skywalker. Em um romance com pretensões diminutas, autocontido e com substancialmente menos personagens, talvez não houvesse problema nessa abordagem, mas, aqui, esses momentos de ação em que Thrawn fica a ver navios das mais variadas maneiras detraem do livro como um todo e de Thrawn em particular. É como se Zahn, apesar de permanecer preocupado com a floresta, insistisse em só discutir uma árvore.

Mas esse não é o maior problema de Herdeiro do Império. Apesar de Thrawn decididamente ser um personagem interessante, notadamente por ser um vilão sem poderes além de sua inteligência avantajada, tudo o que sabemos sobre ele não vem dele, mas sim dos diálogos que ele tem com seu segundo-em-comando, Gilad Pellaeon, capitão do Destróier Estelar Quimera, nau capitânia do novo Império que Thrawn deseja construir. Ou seja, Pellaeon acaba sendo um espelho, um receptor de monólogos explicativos de Thrawn que abordam suas deduções feitas à conveniência da narrativa e suas estratégias para subjugar a Nova República e, para fazer isso, o capitão precisa ser caracterizado como um sujeito particularmente incompetente, incapaz de chegar às suas próprias conclusões sobre o que o Grão-Almirante deseja com essa ou aquela ação, e repetitivo em suas reações. Chega a ser hilário que toda vez – TODA VEZ – que Thrawn fracassa em capturar Leia ou Luke, Zahn entra na mente de Pellaeon (não de Thrawn, vejam bem) para afirmar algo como o medo que ele sente de seu líder e da reação explosiva que ele nunca tem. Aliás, a comicidade dessas reações de Pellaeon são cumuladas com as de Thrawn que, basicamente, desdenha de seus fracassos, como se ele já tivesse previsto que isso aconteceria ou que o que ele não conseguiu fazer não importa muito na conjuntura geral de sua estratégia.

Ou seja, o grande e adorado Thrawn só é grande e adorado por parecer um grande estrategista que, na verdade, acaba sendo um “não-personagem”, alguém que parece falar somente em pensamentos e que só realmente existe no mundo real por meio de seu subordinado particularmente inútil Pellaeon, sem que Zahn, em momento algum deste primeiro volume, efetivamente mostra a que o Grão-Almirante veio. E eu sei que muito poderão afirmar o mesmo do Imperador e até de Darth Vader na Trilogia Original, mas uma coisa são filmes limitados no pouco tempo que têm para abordar uma quantidade significativa de personagens, outra bem diferente é um livro de quase 500 páginas que coloca o principal antagonista em posição de destaque, mas que não o transforma de verdade em alguém com um mínimo arco narrativo. Thrawn já surge como ele acaba sendo, ou seja, não há qualquer tipo de desenvolvimento nele, que poderia muito bem ser uma inteligência artificial sem rosto que apenas solta explicações pseudo-inteligentes e pseudo-sagazes que espantam o limitado Pellaeon que, por seu turno, só passa a admirar mais o azulado chefe.

Se Zahn erra com Thrawn – e, a essa altura, sei que os adoradores do livro e do personagem já estão com tochas, ancinhos e forcados querendo me empalar em praça pública -, ele acerta com duas novas criações deles, o contrabandista Talon Karrde e sua segunda-em-comando Mara Jade, mesmo que os dois, nesse início, não tenham lá muito destaque e, portanto, desenvolvimento. Não só Karrde é uma versão mais sutil e interessante tanto de Han Solo quanto de Lando Calrissian, trafegando bem entre seus interesses comerciais e sua intenção de permanecer neutro no conflito que começa a ser instaurado, como ele consegue ser realmente relevante para a estrutura narrativa do autor, sem que seja necessário recorrer a construções artificiais de personalidade e de inteligência. Mara Jade que, junto com Thrawn, é outra importantíssima e adorada personagem criada para o Universo Expandido de Star Wars, é, neste primeiro volume, um grande e intrigante mistério. Por um lado, ela quer assassinar Luke Skywalker por achar que ele destruiu sua vida quando indiretamente matou o Imperador e, por outro, ela revela-se levemente sensitiva à Força, ainda que demonstrando detestar essa habilidade, o que a mantém em constante estado de dúvida sobre quem ela realmente é nessa época pós-Império, se apenas uma contrabandista com desejo de vingança ou algo ainda mais ameaçador ou, ao revés, uma possível aliada.

Falando brevemente dos personagens-legado, Zahn captura bem a voz de Luke Skywalker, mantendo-o ainda como uma espécie de “Jedi em auto treinamento”, ou seja, bem mais seguro de suas habilidades, mas ainda muito distante de um Mestre Jedi sereno como Obi-Wan Kenobi e Yoda antes dele. Percebe-se o cuidado do autor nesse momento transitório para o personagem, em que ele é, ainda, em essência, um instrumento importante e um herói da Nova República. Há muito se foi o Luke jovem adulto de A Nova Esperança e o que vemos, aqui, é alguém em franco processo de amadurecimento que, inclusive, tomou para si a tarefa de treinar sua irmã no manuseio e controle da Força, algo que, porém, não é visto diretamente no romance, mas sim apenas mencionado. Por seu turno, Zahn, apesar de ter cultivado com eficiência as vozes de Leia e Han, tenho para mim que só é realmente possível afirmar-se isso quando olhamos separadamente para os personagens, o que é a maioria do tempo do livro, vale dizer. A altivez de Leia e a malandragem de Han estão intactas quando eles agem sozinhos ou interagem com outros personagens. Quando a interação, porém, é entre eles, Zahn demonstra-se razoavelmente incapaz de criar um tecido conectivo de um jovem casal esperando filhos em meio ao caos de uma Nova República nascendo e uma nova versão do Império surgindo das sombras.

Por fim, duas coisas relacionadas com os personagens-legado atrapalham um pouco a fluidez do romance. A primeira delas é a necessidade que Zahn tem – e que pode ter sido ditada pelo próprio George Lucas – de trazer todo o elenco de volta para seu livro. Não só temos Luke, Han, Leia e, claro, Chewbacca, como Lando Calrissian aparece, além de Wedge Antilles, Mon Mothma, Almirante Ackbar e outros que nem sempre contribuem de verdade para a história e acabam tirando espaço dos novos personagens. A segunda coisa é o cacoete narrativo do autor que estabelece a necessidade cansativa e completamente inoportuna de constantemente citar eventos da Trilogia Original como se para lembrar o leitor que se trata de uma continuação direta do que veio antes, algo que já é organicamente estabelecido pela própria premissa.

Star Wars: Herdeiro do Império tem o inafastável mérito de ter servido como a chama de reacendeu o franco interesse pela franquia, entregando ao seus leitores um sólido vislumbre do que poderia ser uma nova trilogia de filmes. Mas o romance de Timothy Zahn, quando discutido e analisado com serenidade e distanciamento, não se segura tão bem quanto o imaginário popular determina. Sim, Thrawn e C’baoth são grandes personagens… em potencial… e Karrde e Jade mostram a que vieram mesmo não tendo mais do que uma fração de espaço dos dois vilões e sim, em linhas gerais, o romance em si é inegavelmente interessante, ainda que alongado e consideravelmente repetitivo, jamais justificando ser um primeiro capítulo de uma trilogia, mais parecendo quase 500 páginas que poderiam muito bem ser enxugadas radicalmente e o resultado fundido com Ascensão da Força Sombria para uma duologia potencialmente bem melhor. Não é, porém, uma leitura nem de longe descartável, especialmente porque, no final das contas, mesmo indo consideravelmente além do tamanho que deveria ter, a trilogia tem os predicados de blockbuster cinematográfico.

Star Wars: Herdeiro do Império (Star Wars: Heir to the Empire – EUA, 1991)
Autor: Timothy Zahn
Editoria original: Bantam Spectra
Data original de publicação: maio de 1991
Editora no Brasil: Editora Aleph
Data de publicação no Brasil: 16 de outubro de 2014
Tradução para o português: Fábio Fernandes
Páginas: 472

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