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Crítica | Star Wars: Fragmento do Olho da Mente (Splinter of the Mind’s Eye), de Alan Dean Foster

O que aconteceria se... Guerra nas Estrelas não fosse um sucesso.

por Ritter Fan
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Tempo: 2 d.BY (Era da Rebelião) – Legends (não-canônico)
Espaço: Mimban (Circarpous V)

O maior valor de Splinter of the Mind’s Eye (infelizmente nunca publicado no Brasil pelo que a versão em português que coloquei no título da crítica é minha tradução literal) não se relaciona com qualidade literária intrínseca da obra, ou seu legado para a franquia Star Wars. Esses são aspectos subsidiários que tratarei mais a frente, mas que empalidecem diante da que considero sua principal característica: trata-se do primeiro romance original desse universo que, juntamente com os quadrinhos da Marvel Comics lançados no mesmo ano da estreia de Guerra nas Estrelas nos cinemas, é o pontapé inicial para o chamado Universo Expandido, mesmo que, hoje, o livro não seja mais canônico, tendo sido colocado na mesma prateleira de tantos outros sob o selo Legends, ou seja, histórias criadas e contadas antes da aquisição da LucasFilm pela Disney. Além disso, o livro é, diria, o único romance de todas centenas de outros que foi escrito antes que  passasse a exercer controle mais rígido sobre o que seria lançado sobre seu universo.

Em outras palavras, o romance escrito por Alan Dean Foster é um divisor de águas, por contar uma história original fora do então único filme, mostrando que o fenômeno Star Wars tinha fôlego também fora das salas de cinema, já que o livro acabou sendo um sucesso de vendas. Foster, aliás, ainda estava no começo de sua carreira de escritor de obras próprias e também de novelizações, tendo escrito algumas adaptações de Star Trek na primeira metade dos anos 70, e fora contratado por George Lucas para trabalhar em dois projetos: a novelização de Guerra nas Estrelas, que ele escreveu sem ver o filme, somente com acesso a algumas versões do roteiro e que foi publicada em 1976, antes do lançamento do longa, e a criação de uma obra original baseada em anotações de Lucas que serviria de base para uma continuação caso o filme não fizesse sucesso nos cinemas ou tivesse, apenas, sucesso moderado. Trata-se de uma evidente demonstração da visão pragmática e do tino comercial de George Lucas que estava preparado para tudo, já deixando engatilhada uma obra mais modesta, bem menos ambiciosa que poderia usar “restos” de figurinos e cenários produzidos para o filme, além da parte do elenco que havia originalmente assinado contrato para mais de uma aparição no audiovisual.

Foster, que, originalmente, trabalhou como “escritor fantasma” para Lucas, sem assinar a novelização e que quase não assinou Splinter of the Mind’s Eye, tinha diretivas de cunho prático, portanto. Ele precisava criar algo que não exigisse investimentos altos caso a obra fosse adaptada para o audiovisual e, além disso, só poderia fazer uso de personagens cujos atores já estivessem contratados para uma sequência, mais exatamente Mark Hamill e Carrie Fisher, já que Harrison Ford só havia negociado, até esse ponto, para um filme. Com isso, o autor foi inteligente e criou um romance básico que se passa em Mimban (ou, oficialmente, Circarpous V), planeta pantanoso e repleto de florestas – ou seja, poderia fazer uso de filmagens em locações bastante comuns -, com uma estrutura simples, de busca de um MacGuffin, no caso o misterioso cristal Kaiburr, e de constante fuga desesperada da dupla central (Luke e Leia, além de C-3P0 e RD-D2 que, porém são pouco usados) de agentes do Império.

Dentro dessas limitações impostas de cima para baixo, o autor escreve um romance básico, não particularmente especial, mas que consegue engajar o leitor justamente por não ter muitas firulas, com Luke e Leia ficando presos no planeta Minbam a caminho de uma reunião diplomática em Circapous IV com o objetivo de arregimentar o planeta para a Rebelião e descobrindo a existência do mítico cristal Kaiburr cuja existência é revelada a eles por Halla, uma mulher local sintonizada com a Força que consegue perceber que Luke é como ela. O tal cristal, base para o que depois viria a ser o Kyber, usado na construção de sabres de luz, teria a capacidade de focar a Força, amplificando o poder de quem o usa, algo curiosamente pouco trabalhado no próprio romance que realmente só usa o cristal como outros MacGuffins da literatura e do cinema, ou seja, nada mais como uma desculpa para impulsionar a narrativa. Mas, claro, o planeta é dominado pelo Império que tem uma operação mineradora por lá e os dois protagonistas acabam tendo que fugir das garras do gestor local e seus Stormtroopers, envolvendo-se com nativos, flora e fauna locais, além de cavernas, civilizações perdidas e, claro, o obrigatório embate com ninguém menos do que o próprio Darth Vader.

Foster trabalha de maneira focada, sem embelezamentos. Suas descrições do planeta, das instalações do Império e da vegetação, templos antigos, alienígenas e acidentes geográficos por que passam Luke e Leia são muito objetivas, tornando a leitura muito rápida e fácil, ainda que, justamente por isso, razoavelmente pouco recompensadora. E como, àquela altura do campeonato no que viria a ser uma franquia multibilionária, nem mesmo George Lucas sabia que Luke e Leia eram irmãos gêmeos e filhos de Vader, toda a narrativa é trabalhada de maneira a aproximar os dois amorosamente ou, pelo menos, de mostrar o quanto Luke está apaixonado por Leia, mesmo que, talvez, a recíproca não seja verdadeira. Há diversas passagens particularmente “quentes” quando a narrativa se dá a partir do ponto de vista de Luke, algo que, lido com o conhecimento que temos hoje, chega a ser engraçado e um pouco constrangedor, ainda que perfeitamente em linha com o que era efetivamente conhecido sobre os dois naquela época.

O legado do romance para a franquia Star Wars pode até não ser muito lembrado, mas ele é definitivamente muito presente. Não só temos o cristal Kaiburr que seria base para o Kyber mais para a frente, como essa é a primeira vez – além da novelização – em que Darth Vader é caracterizado como o Lorde Sombrio dos Sith, denominação que existia nas primeiras versões do roteiro do filme, mas que foi retirada. Para além disso, temos o próprio planeta pantanoso Mimban, que foi base para Dagobah, lar do Yoda exilado em O Império Contra-Ataca (será que Halla foi a semente para a criação da criatura orelhuda verde?) e uma versão alongada do encontro de Luke com Vader na “caverna da Força”, ainda que, no romance, esse encontro seja muito real e acabando com Vader com o braço decepado e não com a cabeça cortada, o que, aliás, lembra Vader cortando a mão de Luke em Império. Até a “minhoca gigante” que mora em um asteroide em Império parece ter origem aqui e isso sem falar no embate entre um povo primitivo contra o Império para ajudar a Rebelião, artifício usado em O Retorno de Jedi.

Splinter of the Mind’s Eye é, portanto, uma valiosa curiosidade histórica para os fãs da franquia Star Wars com basicamente o único romance escrito antes de o fenômeno realmente existir, ainda que publicado depois que o filme original mais do que se provou nos cinemas. É, por assim dizer, o fruto de um era mais simples, completamente livre do peso da continuidade e da mitologia que, de quebra, ainda inspirou muita coisa que seria aproveitada futuramente. Para todos os efeitos, trata-se da continuação que poderia ter sido, mas que, ainda bem, não foi.

Star Wars: Fragmento do Olho da Mente (Star Wars: Splinter of the Mind’s Eye) (EUA, 1978)
Autoria: Alan Dean Foster
Editora: Del Rey Books
Data original de publicação: 12 de fevereiro de 1978
Páginas: 297

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