Home Diversos Crítica | Star Wars: Force Collector, de Kevin Shinick (Jornada para Star Wars: A Ascensão Skywalker)

Crítica | Star Wars: Force Collector, de Kevin Shinick (Jornada para Star Wars: A Ascensão Skywalker)

por Giba Hoffmann
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Espaço: Merokia, Kijimi, Utapau, Jakku, Takodana, Batuu
Tempo: Era da Resistência (~30 d.B.Y.)

No meu primeiro contato com Star Wars: Force Collector, o ponto que me chamou a atenção foi a definição do livro como pertencendo ao segmento “jovem adulto”. O que parece um simples designador de público-alvo acaba tendo um significado extra mediante o fenômeno editorial do termo, que passa a valer quase como um indicativo de subgênero. Como boa pessoa mal-informada que sou, permaneci me perguntando: “Que diabos seria um romance young adult de Star Wars?”.

O bem-recebido Estrelas Perdidas se aventurou pelo estilo e parece ter tido sucesso  —  mas como eu ainda não o li, de nada adiantou para mim saber disso. Tinha exemplos claros na memória do que seria um livro infantil e um livro “adulto” de Star Wars, mas esse terreno médio permanecia um mistério para mim. Seria uma questão de estilo ou conteúdo? Será que eu terminaria a leitura me sentindo um velho datado e resmungão, tal qual eu me sinto a cada vez que assisto a Os Ultimos Jedi?

No final das contas, a aventura acabou assim: não saí especialmente esclarecido sobre o lance “jovem adulto”, mas posso afirmar com certeza que o livro surpreendeu minhas expectativas positivamente a respeito de seu conteúdo. O que se iniciou com estranhamento no ato inicial, principalmente em termos de tonalidade e estilo, foi se tornando uma surpresa bacana que manteve minha curiosidade estimulada durante um segundo ato mais ágil e interessante e, enfim, culminando em um desfecho nada menos que sensacional. Mas, definitivamente, não era nada do que eu esperava.

Para alguém cujo padrão-ouro de narrativa em termos de Star Wars é a escrita tecnicista e altamente descritiva de Timothy Zahn, o estilo literário de Kevin Shinick funcionou como um balde de água fria inicial. Nada dos elementos pulverizados de ficção científica “hard” ou dos diálogos brilhantemente alinhados aos personagens dos filmes que veríamos na gloriosa Trilogia Thrawn: a escrita de Shinick é simplista ao ponto de se equivaler ao que seria visto na linha juvenil da franquia, como A Arma de um Jedi, por exemplo.

No lugar disso, iniciamos nossa jornada acompanhando as aventuras cartunescas de nosso protagonista Karr Nuq Sin em um ambiente escolar tradicional, com um levíssimo twist de Star Wars. A enrascada inicial de Karr se dá por ele portar um equipamento militar (um capacete de stormtrooper) dentro do espaço escolar, o bully da turma é um Besalisk (a raça do icônico Dexter Jettster de Ataque dos Clones) mimado, enquanto um dos professores é um Gungan. Muito que bem! É claro que um dos professores seria um Gungan…

Entre o sentimento de estar lendo uma bizarra versão em prosa de Academia Jedi e tentar localizar como isso tudo pode ser oferecido como parte da Jornada para A Ascensão Skywalker, vamos descobrindo mais sobre as particularidades de Karr: o jovem sofre de dores de cabeça e desmaios já há algum tempo, e esses problemas parecem se relacionar com uma estranha sensibilidade a ler a história de objetos quando os toca. Sua família de alfaiates não curte muito qualquer misticismo espacial e encara a coisa como uma doença, com a exceção de sua recém-falecida avó, que afirmava se tratar da misteriosa Força e tentava, ainda que timidamente e sob censura, introduzir o neto às lendas dos misteriosos Jedi.

O ponto forte dos segmentos iniciais é complementar um elemento sempre interessante que ainda se faz ausente ao universo expandido da “era sequel” da franquia: a perspectiva do “cidadão comum” a respeito do conflito em largas proporções que ainda insiste em assolar a galáxia. Passando-se vários anos após a queda do Império, mas anteriormente aos eventos de O Despertar da Força, a história mostra que a percepção popular sobre os misteriosos Cavaleiros Jedi continua tão distorcida e nebulosa quanto na época da trilogia original. Cenários e eventos das Guerras Clônicas e da Guerra Civil são retratados confusamente na memória recente do povo, e a participação da Ordem nos eventos é desconhecida ou representada de forma difusa.

Auxiliado pela colega com inclinações delinquentes Maize Raynshi e o falso dróide médico RZ-7, Karr parte em uma jornada de autodescoberta que envolve dar sentido às visões poderosas que sua sensibilidade à Força trazem, buscando respostas sobre o seu passado que inevitavelmente o levam a repensar o passado de toda a galáxia. De forma engenhosa, esse enquadramento simplista serve de base para uma aventura que revisita, sob perspectivas inusitadas, alguns dos eventos principais da saga cinematográfica. De Utapau a Jakku, passando por Oba Diah, acompanhamos o jovem em busca de artefatos capazes de revelar a verdade por trás das mais importantes batalhas que definiram os destinos de incontáveis mundos.

Com isso, o clima escolar dá lugar a uma espécie de “Trato Feito nas Estrelas”, com nossos jovens procurando e analisando antiguidades e tralhas das mais variadas pelos quatro cantos da galáxia. A prosa leve peca um pouco no trabalho de ambientação desses cenários diversos, mas por outro lado ajuda a manter a dinâmica acelerada e descontraída da aventura. Karr, Maize e RZ-7 são ótimos personagens juvenis, que funcionam muito bem especialmente nos momentos de humor. O grande trunfo de Shinick para fazer a premissa funcionar é justamente evitar a auto-indulgência no fanservice descarado, abraçando um escopo mais pessoal e limitado para a história e focando sobretudo no nosso intrigante personagem principal.

A trama sustenta muito bem um clima de mistério a respeito de onde tudo isso vai dar, e disfarça de forma habilidosa o caráter um pouco barato de se fazer um “Greatest Hits” de momentos icônicos da saga. Na verdade, a escolha de eventos retratados é um tanto inusitada e evita escancarar demais a exposição — o principal de tudo é a jornada pessoal de Karr. Curiosamente, isso não dispensa que o livro deixe de ser um show consciente de auto-referências e, inclusive, um comentário metalinguístico sobre o que significa acompanhar as histórias de Star Wars. Nosso personagem, afinal de contas, é um jovem estudante cheio de imaginação e doido para adquirir colecionáveis absolutamente inúteis retratando batalhas espaciais que nada têm a ver com sua realidade pessoal — será que alguém se identifica com essa figura?

Esse aspecto “meta” da narrativa acaba sendo a sua grande qualidade e diferencial, oferecendo inclusive uma profundidade inusitada para o que, de resto, é uma aventura juvenil absolutamente despreocupada. O esforço merece elogios não apenas pela forma hábil com que consegue vingar um segundo e terceiro ato excelentes, mas também pela ousadia em pegar leve com a ação de todo tipo e se focar quase que totalmente em diálogos e na exploração “pacífica” e contemplativa dos mundos visitados. Sem entrar em detalhes comprometedores, a forma como esses elementos vão se encaixando no encaminhamento da história é bem legal e, mesmo que não surpreenda totalmente nos finalmente, entrega um desfecho pra lá de memorável que justifica muito bem a empreitada.

Para quem se interessar pela premissa e estiver disposto a encarar um estilo de narrativa inclinado especialmente ao público infanto-juvenil, trata-se de uma boa pedida para se entrar “no escuro” e acompanhar, do início ao fim, no mínimo para ver onde tudo isso leva. Só não espere grandes tiroteios laser ou duelos com sabres de luz — a proposta aqui é, definitivamente, mais contemplativa! Apesar da simplicidade do estilo, o grande trunfo de Force Collector para mim foi a exploração metalinguística de seus temas, que justifica de forma criativa e com leveza o esforço potencialmente batido de se revisitar alguns dos momentos-chave da história de Star Wars. Comecei duvidoso, terminei torcendo por uma sequência!

Star Wars: O Colecionador da Força (Star Wars: Force Collector, EUA – 2019)
Autor: 
Kevin Shinick
Lançamento nos EUA: 19 de novembro de 2019
Editora nos EUA: Disney Lucasfilm Press
Páginas: 379 (capa dura)

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