Em comemoração aos 25 anos de lançamento, Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma foi relançado nos cinemas como uma forma de celebração – em partes sadomasoquismo também, vamos ser sinceros – de uma produção no mínimo mal vista entre os fãs da franquia, para não dizer algo pior. Como é de praxe, meu colega Ritter Fan gosta de empurrar bombas no meu colo, então ele me pediu uma tarefa ingrata: rever o filme e escrever uma nova crítica para o site, considerando que o mesmo já publicou sua opinião não tão positiva da obra. A verdade é que a minha visão do “primeiro” Star Wars não diverge tanto do texto rabugento e cheio de ódio do Ritter, pois enxergo muitos dos mesmos problemas e estou longe de ser um dos adeptos que reformularam sua leitura do filme após a revisitação. Se qualquer coisa, a obra até caiu uns degraus na minha visão, já que havia visto o filme pela última vez há pelo menos uma década e o considerava entre o levemente ruim e regular. A questão é que fazer outro texto batendo no Episódio I seria redundante. Façamos, portanto, um exercício diferente.
Conceitualmente falando, A Ameaça Fantasma é uma obra muito interessante. Se pegarmos a Trilogia Original, o embate maniqueísta é claro, passando pelas cores, os temas da história e as representações nazistas do Império. É bem vs mal, tudo preto no branco, simples das melhores maneiras possíveis… até descobrirmos que Vader é o pai de Luke, e que o mesmo foi induzido para o lado errado da Força. É a partir desse momento que a ambiguidade começa a se apoderar da franquia, quando a moral se torna tênue e o embate começa a ser menos óbvio. A franquia ao longo dos anos cresceu bastante nesse conceito, com obras como Rogue One, Os Últimos Jedi e Andor capitalizando no amadurecimento do universo. E me chamem de maluco, mas acredito que George Lucas estava tentando fazer algo assim na Trilogia Prelúdio.
O começo da fita envolve um bloqueio comercial em que o Mestre Jedi Qui-Gon Jinn (Liam Neeson) e seu aprendiz, o jovem Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor), são enviados para negociar com a Federação de Comércio, o que acaba dando errado e termina com a invasão ao planeta Naboo, onde a Rainha Amidala (Natalie Portman) foge para buscar o auxílio de outros planetas. O quão estranho é esse início, não é mesmo? Entre reviravoltas, manobras e corrupções de um jogo político, a estabilidade da República começa a ser ameaçada. Ao longo da narrativa, vemos principalmente Palpatine (Ian McDiarmid) como o grande manipulador do esquema, dobrando Amidala, o senado e o Conselho Jedi com seus esquemas.
Como premissa, isso soa incrivelmente atrativo. Um Sith gradualmente transformando a República no Império, não diferente de como na vida real o nazismo cresceu exponencialmente através da democracia antes de se tornar totalitário. De uma maneira completamente diferente dos seus primeiros filmes, Lucas constrói um inimigo invisível e que parte de ambiguidades políticas e morais para crescer dentro da narrativa. Isso levanta o primeiro questionamento: por que não funcionou, então? Bem, da minha perspectiva, Lucas não passa do conceito, sofrendo com a execução, principalmente pela forma que esse tom do enredo não se encaixa muito bem com o lado infantil do filme sobre Anakin (Jake Lloyd), mas vamos por partes.
O primeiro problema que vejo é o didatismo. Todas as cenas diplomáticas ou políticas, como a sequência de Amidala conversando com o Senado, são verborrágicas e superficiais, inclusive com um Palpatine falando no ouvido da personagem como quase um literal demônio no ombro. A eleição do novo chanceler acontece muito rápido e em elipse; basicamente não vemos mais interações com os governantes da Federação; e a sequência com o Conselho dos Jedis não fica muito atrás, com uma das performances mais amadoras da carreira de Samuel L. Jackson como Mace Windu, em um debate em que Yoda (Frank Oz) é o único personagem que parece conversar como um humano. Não é só uma questão de falta de complexidade ou aprofundamento político, mas de como tudo é meio bobo e fácil, da fuga de Amidala até a tomada de poder do Palpatine, o que é culpa tanto do roteiro ruim quanto da maneira que esses conceitos são diluídos dentro do conto de Anakin.
A partir do momento que os protagonistas chegam em Tatooine, temos outro filme. Lucas, talvez influenciado por Steven Spielberg, tenta criar um filme extremamente infantil. Para manter o exercício da presente crítica, tentei olhar para o conceito por trás dessa escolha com bons olhos e, novamente, consigo entender as razões de Lucas. Uma das maiores críticas a este filme envolve o uso da computação gráfica, realmente estranha aos olhos, e um certo descaso com os efeitos práticos. Eu realmente penso, porém, que esse tipo de análise, apesar de bem fundamentada, é um pouco “poluída” com o que já conhecemos da Trilogia Original e do que se esperava em termos visuais da obra.
Lucas quis tentar algo inovador. Assim como em 1977, o cineasta tentou deixar seu público maravilhado. Concordo totalmente com as críticas de como o resultado é falho, estranho e soa falso, mas é possível perceber o grande nível de imaginação do autor em cidades subaquáticas, a Câmara do Senado em suas esferas flutuantes, uma cachoeira que desce pelo espaço, um local inspirado em Veneza e seus canais, etc. Além da questão técnica, penso que a aventura visual da obra não funciona mais porque ela é chata do que feia. Lucas não se aproveita de alguns cenários, como a maneira que a Gunga City é subaproveitada ao ponto de vermos mais Jar Jar Binks e o Rei babando do que a localidade em si, ou também como estica muitas sequências ao ponto do enfadonho, como a corrida de Anakin. Falta uma certa urgência durante a ação – com exceção do duelo com Darth Maul, mais dele à frente – em que nada efetivamente tem peso. E se o encanto visual também não existe, fica complicado ter algum sentimento de maravilha com a obra, por mais que Lucas tente forçar a perspectiva da jornada pelos olhos infantis de Anakin, infelizmente muito mal interpretado por um garotinho que não tem culpa.
Quando chegamos no clímax do filme, com o exército de Gungans em Naboo, a invasão do Palácio por Qui-Gon Jinn e companhia, e a batalha espacial protagonizada por Anakin, você se sente cansado. O lado político da história nunca conversa com essa proposta pueril, e ambas, apesar de conceitualmente interessantes (uma com potencial narrativo complexo e outra com um senso de simplicidade de uma grande aventura espacial), não funcionam por diversas escolhas equivocadas de Lucas, das quais citei algumas e tantas outras que todo fã de SW está careca de saber. As performances são caricatas, os diálogos são sofríveis, a montagem é um terror e por aí vai, mas mais do que tudo, o roteiro sempre coloca os personagens a serviço de uma trama ruim do que o contrário, sendo que esse tipo de blockbuster envolve seu público com suas figuras em tela. Talvez por isso Jar Jar Binks seja tão odiado e porque Darth Maul seja tão louvado, por ser o único personagem no filme todo com personalidade – mesmo que simples – e com uma ótima caracterização que torna sua presença perigosa o bastante para tornar seu duelo um bom entretenimento, mesmo gostando ou desgostando das coreografias.
Olhando em retrospecto, ainda considero Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma um filme muito ruim, mas possivelmente pelas razões corretas, se isso faz sentido. Parece que toda semana eu vejo um blockbuster genérico e sem qualquer tipo de intenção artística ou posicionamento autoral. Esse definitivamente não é um dos pecados de George Lucas aqui, que faz o que quer, da forma que quer, sem se desculpar e sem medo de desagradar. E caramba, como ele erra de uma maneira colossal, como um acidente de um carro em chamas que cai de um penhasco dentro de um tsunami: espetacularmente ridículo. Confesso, porém, que por mais desagradável que tenha sido revisitar o filme, repensá-lo como uma produção corajosa certamente me faz vê-lo com olhos mais elogiosos. Um filme ruim sempre é menos pior quando não te deixa indiferente.
Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma (Star Wars: Episode I – The Phantom Menace, EUA – 1999)
Direção: George Lucas
Roteiro: George Lucas
Elenco: Liam Neeson, Ewan McGregor, Natalie Portman, Jake Lloyd, Ian McDiarmid, Pernilla August, Oliver Ford Davies, Hugh Quarshie, Ahmed Best, Anthony Daniels, Kenny Baker, Frank Oz, Terence Stamp, Brian Blessed, Andy Secombe, Ray Park, Lewis MacLeod, Warwick Davis, Steve Speirs, Silas Carson
Duração: 136 min.