- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas da temporada anterior.
Ninguém sabia exatamente o que esperar de Rogue One: Uma História Star Wars, um prelúdio do filme original de 1977, e o resultado foi um dos melhores longas cinematográficos da franquia e, quando Andor, um prelúdio do prelúdio, foi anunciado, as dúvidas foram ainda maiores e, novamente, o resultado da primeira temporada foi muito acima do imaginado, facilmente a melhor obra serializada de todas desse universo. Em ambos os casos, porém, o público não correspondeu, com Rogue One tendo a segunda mais baixa arrecadação de um filme da franquia sob a batuta da Disney, perdendo apenas para Han Solo: Uma História Star Wars, e Andor tendo a segunda pior audiência no streaming, atrás apenas de The Acolyte e isso sem contar que a pegada mais séria, realista e lúgubre dessas histórias diminuiu em muito o potencial de capitalização em cima da venda de merchandising. Chega a ser uma surpresa, portanto, que o conglomerado do camundongo tenha renovado a série para uma segunda e última temporada, mesmo que isso tenha significado, na prática, que o projeto original de Tony Gilroy de contar, em cinco temporadas, os cinco anos que antecederam o início do filme que co-escreveu (e salvou, vale lembrar), foi reduzido ao máximo possível.
Vendo-se sem saída, mas ainda desejando contar sua história, o showrunner converteu quatro temporadas em uma só, com a escolha criativa de lidar com eventos importantes de cada um dos anos faltantes a cada trinca de episódios, transformando-os, na prática, em longas-metragens em três partes, o que explica a razão de o Disney+ lançar a série toda em apenas quatro semanas, três capítulos por vez, e também minha escolha de tratar cada trinca como “uma coisa só”, sem separar em três críticas como costumo fazer em situações semelhantes. Começando um ano depois dos eventos da primeira temporada, no ano 4 a.BY (sigla que significa Antes da Batalha de Yavin, ou seja, antes da destruição da primeira Estrela da Morte), os três episódios iniciais lidam principalmente com o roubo, por Cassian Andor (Diego Luna), de um protótipo de um ultramoderno TIE Avenger do Império, com a revelação de um plano pelo diretor Orson Krennic (Ben Mendelsohn fazendo uma participação especial em Um Ano Depois) e com Bix (Adria Arjona), Brasso (Joplin Sibtain), Wilmon (Muhannad Bhaier) e B2EMO (Dave Chapman) escondidos em um planeta agrícola, tudo intercalado na e pela cerimônia de casamento de três dias de Leida (Bronte Carmichael), filha da senadora Mon Mothma (Genevieve O’Reilly).
Como Gilroy já deixou bem claro – e talvez essa seja a principal razão de o público não ter inicialmente se conectado com a série -, seu trabalho não depende de grandes sequências de ação, de momentos de tirar o fôlego ou coisas nessa linha. Muito ao contrário, ele lida com personagens e seus personagens são profundamente falhos e até mesmo antipáticos, seja Mon Mothma e sua fachada de inocência aristocrática que por vezes ela mesmo acredita, seja o próprio Cassian Andor, que nunca é enquadrado como um homem infalível no que faz. Todos, porém, são profundamente humanos, algo que fica evidente logo no início do episódio 2X01 em que vemos Cassian, infiltrado em uma base imperial, conversando e acalentando os temores de uma espiã que parece estar em sua primeira missão. É no detalhe que a série brilha e ver um episódio investir preciosos minutos em uma troca dessas não tem preço, algo que imediatamente é reconfirmado pela maneira atabalhoada com que Andor rouba o protótipo do caça, somente para chegar ao ponto de encontro (em Yavin, vale dizer!) com seu contato e ser capturado por uma facção de rebeldes que, sem líder, divide-se em dois grupos opostos completamente perdidos e tragicamente cômicos.
Falando ainda da missão do protagonista, é particularmente interessante como não há intenção alguma em transformá-lo em um super-herói. Sua estratégia para escapar do cativeiro é tudo menos emocionante ou complexa, pois ele apenas espera uma oportunidade e, quando ela vem, sai correndo como um louco para recuperar o caça e sair voando de lá. Entenderei quem achar que o segundo episódio, Sagrona Teema, fica lento demais principalmente em razão disso, mas é justamente por não fazer o que toda série e todo filme faz que Andor surpreende. O momento de ação de Cassian só vem mesmo no terceiro episódio, Colheita, e ele é breve e completamente improvisado, já no planeta agrícola, com o objetivo de salvar seus amigos das garras do Império. E isso é Cassian, um homem de poucas palavras, prático, que não vai se levantar e fazer um discurso sensacional para unir dois grupos inimigos ou bolar um plano mirabolante para salvar seus entes queridos. Ele corre. Ele atira. E ele espera que tudo dê certo no final, algo que nem sempre acontece como a morte de Brasso não me deixa mentir (um Stormtrooper acertou um tiro, ora, ora…).
No lado imperial e burocrático, o primeiro episódio recorre talvez demais ao texto expositivo, com um tempo enorme dedicado à Krennic explicando o que é necessário fazer no planeta Ghorman, que é basicamente destruir tudo para obter uma substância rara e vital para a produção de energia para um Império cada vez mais sedento por armas de destruição em massa. A abordagem didática do fascismo da franquia cansa um pouco, especialmente quando todo o objetivo da participação especial de Mendelsohn é passar o bastão para a espertíssima, mas carrancuda, Dedra Meero (Denise Gough) que ganha uma deliciosa cena, no terceiro episódio, com seu parceiro Syril Karn (Kyle Soller) e Eedy, a mãe dele, vivida com toda a pompa e circunstância por Kathryn Hunter. Assim como o mencionado diálogo entre agentes da rebelião que abre o primeiro episódio, o jantar em família no terceiro é outra cena que me faz dar valor especial ao trabalho de Gilroy, preocupado não em explodir tudo e sim em lidar com a conexão entre seus personagens. Afinal, o que é aquele jantar senão ecos do jogo de poder visto antes na hierarquia do Império e simultaneamente ao longo da festa de casamento na luxuosa propriedade de Mon Mothma, em Chandrila?
Falando na cerimônia à la casamento indiano, confesso que adorei essa escolha por Tony Gilroy. Ela funciona primeiro para criar ritmo à narrativa e permitir que o espectador se localize temporalmente durante os três episódios. Depois, temos uma magnífica oportunidade para que a equipe de direção de arte faça um trabalho impecável, com cenários e figurinos coesos, além de rituais que podem parecer extravagantes, mas que se encaixam perfeitamente no espírito do que se tentou criar. E o que se tentou criar? Bem, em minha visão, temos no longo processo um instrumento de tortura para Mon Mothma, um pagamento de preço que ela não estava completamente preparada para fazer, mesmo em nome da rebelião. Ela entregou sua filha e, no turbilhão das festividades, quase teve que se entregar ao cada vez mais inconveniente banqueiro – e amigo de longa data, o que só torna tudo pior – Tay Kolma (Ben Miles), que a ajudou a lavar o dinheiro necessário para a luta contra o Império. E, claro, a cereja no bolo é a presença constante do inclemente Luthen Rael (Stellan Skarsgård), em seu disfarce de antiquarista, que termina de tirar o véu que a senadora insiste em manter em seu rosto, determinando a eliminação de Tay, algo que leva Mon Mothma a uma espiral embriagada de dança para afogar suas mágoas. É o luxo escondendo o lixo, a felicidade mascarando o sofrimento, em resumo.
No “primeiro filme tripartite” da segunda temporada de Andor, Tony Gilroy continua falando sobre o preço que todos precisam pagar pela liberdade e o custo do silêncio e da inação. Sua série é Star Wars para quem quer ver o potencial de uma franquia chegar à plena fruição, ao mesmo tempo enfronhada em acontecimentos conhecidos, mas corajosamente distanciando-se de tudo aquilo que marcou e ainda marca esse universo. O que assistimos, episódio a episódio, são os detalhes sujos de uma luta inglória entre um poder brutal e genocida e um grupo de pessoas capaz de qualquer coisa para virar a mesa e impedir o pior, mesmo que o preço seja suas almas. Que venha a próxima trinca de episódios!
Star Wars: Andor – 2X01, 2X02 e 2X03: Um Ano Depois / Sagrona Teema / Colheita (Star Wars Andor – 2X01, 2X02, 2X03: One Year Later / Sagrona Teeema / Colheita – EUA, 22 de abril de 2025)
Desenvolvimento: Tony Gilroy
Direção: Ariel Kleiman
Roteiro: Tony Gilroy
Elenco: Diego Luna, Genevieve O’Reilly, Stellan Skarsgård, Adria Arjona, Denise Gough, Joplin Sibtain, Muhannad Bhaier, Kyle Soller, Faye Marsay, Elizabeth Dulau, Varada Sethu, Alastair Mackenzie, Bronte Carmichael, Ben Miles, Dave Chapman, Kathryn Hunter, Richard Dillane, Ben Mendelsohn
Duração: 54 min. (2X01), 47 min. (2X02), 56 min. (2X03)