Encerrar uma trilogia não é fácil, vide as diversas por aí que acabaram bem mal. Mas encerrar uma terceira trilogia e toda a dita Saga Skywalker depois de 42 anos de uma das mais amadas franquias cinematográficas é uma tarefa praticamente impossível. Mesmo compreendendo essa dificuldade inata, A Ascensão Skywalker consegue desapontar tremendamente e a razão fundamental, que pode ser desmembrada em várias outras, é a aparente falta de planejamento ao longo da Trilogia Sequência.
Na verdade, minto. Não foi falta de planejamento, mas sim o medo de seguir por um caminho pré-determinado em razão de, dentre outros fatores, a recepção dos filmes anteriores, com O Despertar da Força não agradando completamente por ser cópia de Uma Nova Esperança e Os Últimos Jedi não agradando completamente por ser diferente demais. Ou seja, possivelmente ao tentar agradar a gregos e troianos no último capítulo, a Lucasfilm entregou um filme que não só quase que recomeça a história de Rey, Poe e Finn, como em grande parte desconsidera os dois imediatamente anteriores, além de acabar sendo uma colcha de retalhos nostálgica da Trilogia Original. Em outras palavras, um simpática mixórdia cheia de sabres de luz.
Estruturalmente, dois terços do filme são uma gincana parecida com a da célebre comédia oitentista Três Amigos, mas sem o mesmo frescor: o trio de amigos pistoleiros precisa localizar o arbusto cantante para achar o espadachim invisível e, com isso, localizar o esconderijo de El Guapo. Basta trocar os três amigos por cinco (dois deles androides), o arbusto por uma adaga, o espadachim por um mapa piramidal e El Guapo pelo Imperador (Ian McDiarmid de volta) e voilà, eis toda a busca de nossos heróis pela galáxia que, no final das contas, se espremermos, concluiremos que, diferente da de Lucky, Dusty e Ned, não leva a lugar algum de verdade, não passando de uma sucessão de McGuffins mal ajambrados.
Uma coisa, porém, essa longa missão espacial faz bem. Pela primeira vez na nova trilogia, Rey (Daisy Ridley), Poe Dameron (Oscar Isaac) e Finn (John Boyega) são vistos como uma trinca e os jovens atores funcionam bem reunidos dessa forma, imediatamente esbanjando química. No entanto, a própria reunião deles atrás do planeta secreto dos Sith é forçada, como se o roteiro, marotamente, quisesse nos fazer engolir que eles sempre foram amigões desse jeito e que houve, de fato, um desenvolvimento narrativo para os personagens do mesmo jeito que Luke, Leia e Han Solo tiveram na Trilogia Original. Mas só que ninguém é bobo e essa tentativa fica só assim mesmo, na tentativa.
Aliás, falando em planeta secreto dos Sith, a reintrodução do Imperador, o que acontece não nos segundos iniciais de projeção, mas sim antes ainda, nos créditos rolantes de abertura, é a prova cabal de que a Lucasfilm/Disney resolveu fazer um soft reboot em sua trilogia. O Sith malvadão é marretado na história com direito a toda uma gigantesca frota nova de destróieres imperais (como se a Primeira Ordem precisasse disso para derrotar meia dúzia de rebeldes em naves enferrujadas) e uma nova missão para Kylo Ren (Adam Driver), que continua sendo o mesmo personagem cheio de dúvidas de antes, sem tirar nem por, mas agora cercado de seus completamente aleatórios Cavaleiros de Ren que não significam absolutamente nada dentro da trama a não ser possíveis novos bonequinhos para serem comprados por ávidos fãs.
Não bastando a gincana e a volta do Imperador, A Ascensão Skywalker é uma impressionante (no mal sentido) coleção de reviravoltas e revelações que fazem o filme andar na base de solavancos. E, pior ainda do que isso, nenhum desses twists é contado com o finesse de Vader revelando a Luke que é seu pai ou Yoda dando a entender que há mais um Jedi ou a revelação de que esse Jedi é Leia. É tudo sem graça, como canja de galinha pré-pronta, e refaz e redireciona tudo – absolutamente tudo – o que foi estabelecido antes e até mesmo desfaz muito facilmente situações e eventos interessantes que são introduzidos no próprio filme (não darei exemplos para evitar spoilers).
Ok, ok. Não tudo. A conexão entre Kylo Ren e Rey na Força, uma excelente concepção de Os Últimos Jedi, é bem desenvolvida aqui e, se esquecermos tudo o que há ao redor, funciona muito bem, contando com um ótimo fio narrativo que tem sua própria lógica e verossimilhança, além de render os melhores momentos dramáticos da fita, ainda que Adam Driver e Daisy Ridley não estejam exatamente brilhantes aqui. Além disso, há uma boa elipse entre um filme e outro que permite que aceitemos mais suavemente que Rey vem treinando sob os auspícios de Leia (Carrie Fisher aparecendo econômica, mas dignamente) por um tempo e, com isso, melhorando exponencialmente seu controle da Força. Provavelmente muita gente reclamará de algumas novas habilidades, mas isso vem no pacote e não me incomodou nem um pouco já que esse aspecto tão importante da saga nunca foi explorado profundamente nos filmes e há muito espaço para manobra.
No entanto, a fotografia escura do terço final da obra incomodou-me muito. Em uma escolha paupérrima de J.J. Abrams e do diretor de fotografia Dan Mindel (Star Trek, John Carter), os conflitos finais na superfície e nos céus do planeta Sith (não é spoiler dizer que ele é encontrado não é mesmo, até porque ele aparece no primeiro minuto de projeção) são quase que completamente no escuro. Se por um lado é interessante usar as sombras para amplificar a sensação de ameaça (a frota imperial na “neblina londrina” ficou indubitavelmente bonita), por outro a ação perde em intensidade. Na superfície então, chega a cansar, especialmente em 3D que contribui para escurecer ainda mais a experiência e fazer o Imperador parecer o Mancha Negra, só que todo carcomido.
Pelo menos Abrams e Mindel capricharam em outras sequências, especialmente nas que se passam nos destroços da segunda Estrela da Morte e no planeta desértico em que Rey enfrenta Kylo Ren em seu Tie Fighter. É uma pena que o roteiro – que passou por uma penca de escritores – seja tão episódico e tão dependente de idas e vindas, pois era perfeitamente possível engatar a história diretamente a partir dos eventos finais de Os Últimos Jedi sem precisar tirar o Imperador da cartola ou retornar ao assunto irritante do parentesco de Rey ou mesmo forçar a inserção constante de todos os elementos nostálgicos possíveis, a começar da volta narrativamente inútil de Lando Calrissian (Billy Dee Williams) e passando até pela trilha sonora de John Williams que caprichou nos leit motifs clássicos, mas sacrificando a novidade no processo.
A Ascensão Skywalker é uma colcha de retalhos que parece refletir enorme hesitação por parte da produtora em seguir um caminho pré-estabelecido por receio de melindrar fãs vocais que normalmente pouco sabem o que querem. Havia um belo filme a partir de Os Últimos Jedi e ele até aparece algumas vezes debaixo dos escombros do que acabou chegando nas telonas, mas é pouco demais para tudo o que podia ser feito. Nostalgia é bom, não tenham dúvida, mas não quando ela vira bengala narrativa para tentar agradar todo mundo.
Star Wars: A Ascensão Skywalker (Star Wars: The Rise of Skywalker, EUA – 2019)
Direção: J.J. Abrams
Roteiro: Chris Terrio, J.J. Abrams (baseado em história de Derek Connolly, Colin Trevorrow, Chris Terrio e J.J. Abrams e personagens de George Lucas)
Elenco: Adam Driver, Daisy Ridley, Billie Lourd, Keri Russell, Carrie Fisher, Mark Hamill, Ian McDiarmid, Kelly Marie Tran, Andy Serkis, Lupita Nyong’o, Oscar Isaac, Domhnall Gleeson, John Boyega, Billy Dee Williams, Joonas Suotamo, Dominic Monaghan, Richard E. Grant, Anthony Daniels, Naomi Ackie, Greg Grunberg, Jimmy Vee, Amir El-Masry, Dave Chapman, Brian Herring
Duração: 141 min.