- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
Depois do crossover de Those Old Scientists, o segundo episódio mais antecipado do segundo ano de SNW está entre nós: o musical de Subspace Rhapsody! Para fazer a abordagem de gênero funcionar na série sem soar completamente esquisito e fora de contexto, o roteiro de Dana Horgan e Bill Wolkoff nos apresenta uma premissa sci-fi para os tripulantes da nave poderem dançar e cantarolar à vontade. Ao investigar uma dobra subespacial, a Enterprise desencadeia um “campo de incerteza quântica” que obriga as pessoas a dançarem e cantarem sobre seus sentimentos mais profundos de maneira incontrolável.
Por mais que muitos fãs tenham torcido o nariz para o anúncio do episódio, acredito que é justamente algo assim que a série deve almejar, jogando contra expectativas e dobrando a audácia de experimentação e inovação no formato episódico da produção. Inclusive, a falta de coragem de correr em direção ao estranho e ao experimental é algo que vinha criticando nesta segunda temporada, com os três últimos episódios mudando drasticamente minha visão do segundo ano da série. Ainda não estamos vendo tantos “estranhos mundos novos” como eu gostaria, mas a obra conseguiu retificar a criatividade das histórias nas últimas semanas.
Bem, depois de estabelecido a premissa, passamos à parte mais difícil: a execução. Ainda que forçadamente, o artifício do campo quântico é razoavelmente orgânico e faz parte do tema recorrente da série sobre “comunicações do espaço” que vimos em episódios como Children of the Comet, The Elysian Kingdom e Lost in Translation, tanto que Uhura tem mais uma participação importante e definitiva na história por conta de seu ofício na nave. Fiquei um pouco incomodado pela forma que a premissa não é efetivamente incorporada na narrativa, servindo apenas como desculpa para o palco dos shows, tanto que a missão em si não tem urgência ou importância dramática, mas acredito que os roteiristas fizeram o melhor que podiam para trazer algo sci-fi que justificasse o musical.
Sobre as apresentações, o tom dado é menos de espetáculo do que imaginei. Até temos umas duas boas set-pieces de coreografias em I’m Ready e We Are One, mas a abordagem da produção é mais individual com solos e uma direção íntima na maioria das canções. Até mesmo a composição das peças musicais são bem similares, com poucas diferenças melódicas e quase nenhuma versatilidade de gêneros musicais, e letras que buscam mais verbalizar os arcos dos personagens com rimas do que realmente criar poesia. Pode até parecer que não gostei do trabalho musical, mas acredito que a trilha sonora é agradavelmente simplista, mesclando um trabalho mais acústico e melancólico em algumas canções dramáticas (How Would That Feel, I’m The X e Keep Us Connected vem à mente) e mais divertido e alegre em outra peças, como I’m Ready e We Are One.
O musical pesa a mão nos relacionamentos, com muito trabalho voltado para Chapel e Spock; La’an e Kirk; e Pike e Marie, algo que faz sentido considerando que o gênero é conhecido por seus romances e corações quebrados, mas penso que a produção poderia ter se diversificado melhor, sendo que minhas peças favoritas não envolvem os casais, como Keep Us Connected que versa sobre a solidão e conexão de Uhura (adorei como o sentido da letra muda apenas com a melodia); We Are One que canta sobre o trabalho em equipe e comunhão da Enterprise – além de um bloco maravilhosamente cômico e meio hip-hop com os Klingons; e até I’m Ready, que, apesar de vinculada com o namoro da médica e o vulcano, é uma peça divertida sobre a conquista de Chapel.
De forma geral, Subspace Rhapsody utiliza o gênero musical para os personagens da Enterprise verbalizarem suas emoções e conflitos em alto e bom som, através de uma trilha sonora básica, mas divertidamente e melancolicamente agradável de acompanhar. O drama aqui vai um pouco na contramão do que acredito ser a melhor forma de desenvolvimento de personagens: sutileza – não à toa, o complexo e ambíguo M’Benga não ganha um solo -, mas há um trabalho bonito e cheio de sentimentos em torno dos personagens enfrentando seus dilemas e medos que vimos durante os episódios anteriores. Mesmo problemático e, na minha opinião, longe de excelência, o primeiro episódio musical de Star Trek traz uma das melhores características narrativas da franquia: audácia. Sem medo de tentar ou errar, o nono episódio de SNW é um deleite sonoro e um indicativo bacana de que a produção está interessada em experimentar com o estranho e o novo.
Star Trek: Strange New Worlds – 2X09: Subspace Rhapsody (EUA, 03 de agosto de 2023)
Desenvolvimento: Akiva Goldsman, Jenny Lumet, Alex Kurtzman (baseado em personagens criados por Gene Roddenberry)
Direção: Dermott Downs
Roteiro: Dana Horgan, Bill Wolkoff
Elenco: Anson Mount, Ethan Peck, Jess Bush, Christina Chong, Celia Rose Gooding, Melissa Navia, Babs Olusanmokun, Rebecca Romijn, Paul Wesley, Carol Kane
Duração: 62 min.