- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
Enquanto a Enterprise supervisiona a construção de uma refinaria de deutério como posto de uma nova expansão da Federação, sob o comando do temporário “capitão da frota” Pike, a tripulante Nyota Uhura capta um estranho sinal. O que inicialmente parece um erro do sistema de comunicação, se torna uma série de alucinações que gradualmente distorcem o senso de realidade de Uhura. Com a ajuda do visitante Kirk, a protagonista desta semana tenta descobrir se está ficando louca enquanto tenta compreender as visões. Detalhe: ela não é a única sofrendo com ilusões e pânico mental.
A premissa é instigante, a característica de bottle episode ajuda a trama de mistério com a escala menor da direção e o roteiro tem boa intenção na mensagem e nas batidas sentimentais que se tornaram um traço comum desta temporada, mas, infelizmente, Lost in Translation acaba sendo um episódio um tanto óbvio e repetitivo. Começando pelo título, passando pela personagem central e chegando nas insinuações do primeiro bloco (as ilusões, a explicação da refinaria), é evidente que estamos assistindo uma história sobre falha de comunicação.
Normalmente, não sou um grande crítico de previsibilidade quando isso serve à trama de maneira orgânica (não é porque você sabe o rumo de história que torna a jornada menos interessante), mas é particularmente preocupante quando uma narrativa com camadas de mistério se torna explícita logo de início, tornando um pouco mais difícil para que a produção segure a curiosidade do telespectador. Ainda assim, as alucinações com leves doses de terror e a inserção de Ramon criam um diálogo de atenção com a audiência, por mais que a solução seja telegrafada. Inclusive, o momento que Uhura, James e Sam decifram o mistério é simpático dentro do momento eureka que já esperávamos ver, com bom vínculo entre a revelação e a briga inicial entre os irmãos Kirk.
No entanto, não gosto da dinâmica entre Uhura e Kirk ao longo do episódio. Primeiro que Celia Rose Gooding não consegue segurar o episódio emocionalmente, o que pode tanto ser culpa da sua falta de latitude dramática quanto do roteiro meio melodramático e apelativo com a história de luto de sua família, com os momentos que ela relembra de Hemmer sendo as únicas partes que achei tocantes no episódio – algo que para mim é mais mérito do baita personagem memorável que Hemmer foi na primeira temporada do que qualquer coisa que vimos aqui. Segundo que Paul Wesley está desconfortável na trama de mistério e conversações de conselhos bregas, bem menos agradável do que o interesse romântico em Tomorrow and Tomorrow and Tomorrow, e de certa forma o personagem de Kirk parece forçado e descartável na narrativa com tons nostálgicos e fan-service (a cena final é o epítome disso).
Outro ponto negativo é a repetição que informei no início. Explico: o roteiro de Onitra Johnson e David Reed tenta inserir diversos mini-plots ao longo do episódio, como a cena do xadrez entre Spock e Chapel ou a La’an reencontrando Kirk, mas são momentos que não movem nenhuma dessas tramas ou arcos, jogadas na história como repetições superficiais dos episódios passados. Até aplaudo a tentativa de fazer algo fora da fórmula “um episódio centrado em um personagem”, mas se tudo que vemos são lembretes sem substância, essas inserções mais atrapalham do que agregam. O núcleo entre Una e Pelia é o único que vejo mais orgânico, por também tratar da morte de Hemmer, mas ainda é mal estruturado dentro da história.
O desfecho com o salvamento dos alienígenas é bonito e faz sentido dentro dos ideais de Pike e da Enterprise, mas há uma oportunidade desperdiçada ali com o debate sobre o efeito nocivo do expansionismo da Frota Estelar e quem sabe até o quê de imperialismo da Federação em determinados contextos. Sinto que o roteiro poderia facilmente ter inserido uma discussão e uma reflexão nesse ponto narrativo, mas, claro, vemos o óbvio. Isso meio que resume a temporada cheia de boas ideias mal exploradas de SNW. Está faltando profundidade para as tramas e gravidade para determinados momentos, o que é uma pena ao relembrarmos do muito mais consistente primeiro ano. Veremos como serão as próximas semanas.
Star Trek: Strange New Worlds – 2X06: Lost in Translation (EUA, 20 de julho de 2023)
Desenvolvimento: Akiva Goldsman, Jenny Lumet, Alex Kurtzman (baseado em personagens criados por Gene Roddenberry)
Direção: Dan Liu
Roteiro: Onitra Johnson, David Reed
Elenco: Anson Mount, Ethan Peck, Jess Bush, Christina Chong, Celia Rose Gooding, Melissa Navia, Babs Olusanmokun, Rebecca Romijn, Paul Wesley
Duração: 61 min.