- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
Depois de mais uma temporada inconsistente, ainda que razoável de Star Trek: Picard, estava ansioso para o retorno de Strange New Worlds e seus prazerosos episódios semanais. O seriado retorna alguns meses após os eventos de A Quality of Mercy, com a primeira oficial Una Chin-Riley presa e aguardando julgamento. O capitão Pike está fazendo o possível para ajudá-la, o que envolve deixar a nave e a tripulação por alguns dias nas mãos de Spock, que vem tendo dificuldade com suas emoções desde que as liberou para combater o Gorn em All They Who Wander.
A escolha de escantear Pike logo no início da temporada é, no mínimo, discutível. Uma das minhas reclamações da temporada passada é justamente o pouco tempo de tela que o capitão tem em muitos episódios, sendo que ele é, com certa margem, o melhor personagem da série. No entanto, entendo a corajosa escolha dos roteiristas em colocar o Pike no banco de reservas, já que sua ausência é essencial para o argumento de The Broken Circle: colocar um desequilibrado Spock em uma posição de liderança, frente a uma decisão impossível de desobedecer ordens superiores quando recebe um sinal de ajuda de La’an Noonien-Singh em Kajtar IV, um planeta que fica na Fronteira Klingon, com seus recursos de mineração de dilithium sendo divididos entre a Federação e o Império Klingon em um acordo de compartilhamento de poder e trégua.
Então, Spock seguirá a lógica decisão de obedecer a ordem de ignorar o sinal ou arriscará iniciar uma guerra para ajudar La’an? É um dilema interessante que continua o arco de desenvolvimento do vulcano com seu lado humano, rendendo uma versão do personagem que parece mais vulnerável do que o que vimos com Leonard Nimoy na Série Original ou Zachary Quinto na linha de tempo Kelvin. É uma abordagem que gosto bastante, seja pelo conflito interno de Spock continuar sendo cativante em qualquer situação (como líder; como parceiro romântico; como parte da ascendência mista; etc), seja pelo tom emocional que esses momentos ganham, como quando o personagem tem que decidir destruir a falsa nave da Federação com seus colegas no clímax do episódio.
Aliás, The Broken Circle é um capítulo bastante emocional. Para além do próprio Spock, o roteiro tem foco na dinâmica de Chapel e M’Benga, nos revelando pequenas pistas do passado da dupla e seus traumas compartilhados de outra guerra, algo que deverá ser aprofundado ao longo de uma temporada que terá um conflito em escala universal como narrativa principal. Até mesmo La’an ganha um ligeiro desenvolvimento nesse departamento, mantendo a excelente abordagem da primeira temporada em trabalhar dramas íntimos e intrínsecos frente a toda a grandeza que é a jornada nas estrelas.
No entanto, o início da segunda temporada tem seus problemas, principalmente na dificuldade dos roteiristas em aproveitar o excelente conceito de The Broken Circle. A escolha do grupo em passar por cima da burocracia e hierarquia para salvar o dia se encaixa perfeitamente na filosofia de ST, também introduzindo a divertida, ainda que histriônica Pelia (Carol Kane). Além disso, a concepção de uma espécie de Guerra Fria em que um território dividido pelos inimigos em trégua está sendo usada por humanos e Klingons se juntando para intencionalmente iniciar uma guerra para terem lucro é simplesmente fantástica, com correlações para militarismo, industrialismo, diplomacia e até um quê de espionagem com La’an.
Mas nenhum desses conceitos é expandido ou explorado no episódio, algo que me decepcionou pelo potencial desperdiçado no lado temático e ético da narrativa. Não vemos praticamente nada sobre essa colônia, seu povo ou os efeitos nocivos da mineração para além de uma doença que é rapidamente abordada, e o roteiro chega a ser conveniente em vários momentos, como na resolução diplomática entre Spock e o Império Klingon ou na “punição” do Almirante April (Adrian Holmes), com o maior demérito do episódio acontecendo quando Chapel e M’Benga usam um supersoro para derrotar mais de 20 Klingons, numa sequência muito bem-dirigida, mas também “tirada da cartola”. São resoluções fáceis e até cômicas para situações complicadas, o que me faz pensar que faltou inteligência e sagacidade dos roteiristas para encontrarem saídas menos artificiais.
Ainda assim, The Broken Circle é um começo de temporada muito bom para Strange New Worlds, com uma aventura cheia de carga emocional, mas também com seus momentos de leveza e humor. O foco da narrativa está no desenvolvimento de alguns personagens específicos, seus dilemas internos e traumas do passado, algo que traz ótimo progresso para o arco do nosso grupo, mas é difícil não notar o desperdício de uma concepção tão bacana e tantos conceitos que poderiam ser explorados ao longo da missão em Kajtar IV.
Star Trek: Strange New Worlds – 2X01: The Broken Circle (EUA, 15 de junho de 2023)
Desenvolvimento: Akiva Goldsman, Jenny Lumet, Alex Kurtzman (baseado em personagens criados por Gene Roddenberry)
Direção: Chris Fisher
Roteiro: Henry Alonso Myers, Akiva Goldsman
Elenco: Anson Mount, Ethan Peck, Jess Bush, Christina Chong, Celia Rose Gooding, Melissa Navia, Babs Olusanmokun, Carol Kane, Rebecca Romijn, Adrian Holmes
Duração: 62 min.