- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
O início de Children of the Comet encapsula tudo que gostaria de continuar vendo em Strange New Worlds. Temos um pequeno jantar reunindo as principais figuras da nave, construído de maneira casual e cotidiana, e com especial foco em Uhura, a nova cadete. O bloco reforça a qualidade episódica da série e os indícios no primeiro capítulo de que a narrativa não será apenas sobre a aventura, ficção científica e exploração, mas também sobre a rotina da tripulação, suas dinâmicas no dia-a-dia e em momentos prosaicos. Eu amo tudo que acontece aqui, desde as piadinhas de iniciação da sarcástica Erica Ortegas até a divertidíssima interação entre Uhura, Hemmer e Spock.
Alguns diálogos no episódio são um tantinho expositivos, principalmente em relação aos dramas de Uhura e alguns ensinamentos do vulcano, mas o texto faz um bom trabalho no entrosamento dos vários personagens simpáticos da Enterprise. Após o momento descontraído, a narrativa nos situa do conflito da história: um cometa está indo em direção a um planeta, ameaçando a vida de milhões de habitantes. Nossos personagens, claro, devem detê-lo, mas há dois problemas: o cometa tem um campo de força (e aparentemente vida própria) e uma raça de “macacos espaciais” que o defende de qualquer interferência externa. Um grupo é enviado para o cometa, enquanto capitão Pike e companhia lidam com os sheperds na nave.
A total diferença desta missão para o episódio anterior é algo que já me agrada bastante. É mais exploração e puro sci-fi do que diplomacia com camadas sociais, inclusive com a direção de Marja Vrvilo sendo ágil e dispondo de um tom mais aventureiro (também enfatizado pela trilha sonora), bem diferente da abordagem calma e contemplativa de Goldsman no episódio anterior. A trama é simples, envolvendo comunicação e um pouquinho de ação, com foco dramático no amadurecimento de Uhura como membro da Frota Estelar. O bloco do grupo no cometa é conceitualmente e visualmente interessante. A direção de arte faz um ótimo trabalho, com especial destaque para o “ovo” central e as luzes no redor do cenário, enquanto a concepção de linguagem musical é formidável, apesar de ter uma execução duvidosa.
Até gosto de como a missão é inicialmente desenvolvida, principalmente quando pensamos nas limitações de um exercício em torno de comunicação, mas fiquei descontente de como o roteiro lida com a participação de Samuel Kirk (irmão do nosso querido James T. Kirk) e a falsa sensação de urgência do seu acidente, e também como não desenvolve os conceitos da linguagem musical. Como eu disse, aprecio a criatividade visual e as ideias de música como idioma universal e matemático (dando uma camada de ciência à situação), mas a narrativa sofre para passar da concepção, de como explorar o exercício sonoro para além de murmúrios e cantos simples, e principalmente como resolver a ação de forma satisfatória – Uhura simplesmente sabia qual harmonia derrubava os campos de força? Bem anticlimático.
O bloco na nave já é melhor resolvido. Primeiro que Anson Mount continua sendo fantástico, equilibrando segurança, elegância e muito bom humor nas interações e ordens da ponte. De frases como “I love this job!” até seus olhares sarcásticos, o ator comanda atenção e exala carisma, o que é muito importante considerando o cenário limitado trabalhado no episódio. Em segundo lugar, o núcleo é cheio de sequências espaciais da Enterprise, dispondo de efeitos especiais surpreendentes. O CGI pode ser meio estático em um ou outro frame, e algumas sequências tem a minutagem passando da conta, mas são cenas bem resolvidas esteticamente e que contribuem para o escopo de ópera espacial do episódio. Sem falar que a resolução otimista do bloco com a chuva caindo no planeta grita a essência Star Trek.
Children of the Comet não é tão fascinante quanto o capítulo de abertura, mas continua sendo uma história divertida e gostosa de assistir. O começo do episódio dá uma ótima base para as dinâmicas que veremos na série, também dispondo de um trama amarradinha em torno da agradável Uhura e seu aprendizado sobre si mesma e seu papel na frota. Tecnicamente é outro capítulo formidável, mas dispondo de um roteiro menos inventivo durante a ação. Gosto, porém, da mensagem final do episódio, menos sobre culturas e civilizações, e mais sobre a beleza do destino (não muito científico, mas tudo bem) e sobre o curso da natureza.
Star Trek: Strange New Worlds – 1X02: Children of the Comet (EUA, 12 de maio de 2022)
Desenvolvimento: Akiva Goldsman, Jenny Lumet, Alex Kurtzman (baseado em personagens criados por Gene Roddenberry)
Direção: Marja Vrvilo
Roteiro: Henry Alonso Myers, Sarah Tarkoff
Elenco: Anson Mount, Ethan Peck, Jess Bush, Christina Chong, Celia Rose Gooding, Melissa Navia, Babs Olusanmokun, Bruce Horak, Rebecca Romijn
Duração: 57 min.