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Crítica | Star Trek: Seção 31

Uma longa gestação para um resultado pavoroso.

por Ritter Fan
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Eu não duvidaria nada se me dissessem que Star Trek: Seção 31, filme que um dia foi imaginado como série e depois como minissérie e que permaneceu em diversos estágios de produção por anos a fio desde a primeira temporada de Discovery, é fruto do uso de inteligência artificial. Na verdade, sendo bem sincero, considerando a franca evolução da I.A. no mundo, diria até que, se o longa lançado diretamente em streaming pelo Paramount+ por acaso tiver mesmo sido o fruto de “uma máquina”, não usaram a programação mais moderna e poderosa, longe disso, pois a produção é uma completa bagunça que faz de seus personagens não mais do que arquétipos ridículos, de sua história uma sucessão pavorosa de clichês, de sua  direção de arte uma cafonice de péssimo gosto e de sua direção uma caixinha de areia de experimentações amadoras. Nem mesmo a talvez exageradamente aclamada Michelle Yeoh, reprisando seu papel da ex-imperatriz terrana Philippa Georgiou transformada em integrante da misteriosa Seção 31, a agência de operações secretas da Federação Unida dos Planetas, serve para alguma coisa nessa vergonhosa mixórdia audiovisual.

A história é simples e objetiva, com Philippa, que desaparecera da Seção 31 para comandar uma boate fora do espaço sob jurisdição da Federação, é localizada por uma equipe da agência comandada por Alok (Omari Hardwick) e recrutada para ajudar na obtenção de um objeto misterioso. No entanto, como fica evidente pelo prólogo que abre o longa e que conta a história de como a jovem Philippa (Miku Martineau) tornou-se a impiedosa imperatriz que conhecemos, tudo tem conexão com seu passado, o que parece emprestar o filme de uma camada mais interessante e densa. No entanto, só parece mesmo, pois não há nada de interessante e muito menos de denso no roteiro de Craig Sweeny que, certamente por razões de orçamento, constrói quase um “filme de câmara”, com elenco reduzido e espaço confinado, mas sem nenhum traço da elegância e inteligência que histórias dessa natureza normalmente têm, já que tudo o que vemos é uma sucessão de pequenos eventos repletos de ação que primeiro lidam com o tal MacGuffin cobiçado por todos e, depois, com tentativas de descobrir quem é o traidor no grupo.

Os diálogos são terríveis de ponta a ponta, completamente artificiais, forçados, tentando fazer graça e drama ao mesmo tempo sem conseguir nenhum grau de eficiência em uma outra abordagem, com personagens tão rasos e monotemáticos que sequer dá vontade de descrevê-los aqui – e não o farei, podem deixar -, uma verdadeira colagem de tudo o que já vimos antes em uma infinidade de outros filmes e séries de gênero, mas sem o mínimo de investimento em construção e desenvolvimento. Até mesmo Philippa, com seu passado genocida e que, claro, já havia sido suavizado em Discovery, torna-se banal, sem graça e não tem Yeoh em figurinos extravagantes que fariam mais sentido em desfiles de escolas de samba que consiga fazê-la sair de uma mesmice irritante que usa muito mal a história de origem que abre o longa e entrega revelações que são tão didaticamente telegrafadas ao longo de cada frame que chega a cansar. E olha que não seria nada difícil criar uma obra séria com sobretons cômicos – ou vice-versa – que reúne personagens estranhos em uma missão impossível qualquer, algo que até mesmo a franquia Star Trek já fez antes algumas vezes com qualidade muito superior e, às vezes, orçamentos muito inferiores.

E a direção de Olatunde Osunsanmi, que foi responsável pelo comando de uma série de bons episódios de Discovery, parece ter tido um surto psicótico quando o contrataram para Seção 31, pois tudo o que ele faz no filme é uma sucessão de “truques do diretor sem inspiração” que movimenta a câmera com toda a intenção de causar vertigem no espectador e não consegue manejar a decupagem de maneira que o trabalho de montagem, na pós-produção, mantenha algum nível de coesão que não seja aquela aperfeiçoada por Michael Bay e seu Bayhem, mas, estranhamente, sem realmente mergulhar nessa toada mais histérica, o que deixa seu trabalho em um meio-termo para lá de estranho e incômodo. Talvez Osunsanmi tenha tentando compensar os problemas do roteiro com invencionices da direção, mas tudo o que ele conseguiu foi agravar as deficiência do texto, deixando, no processo, de sequer tentar extrair alguma atuação que conseguisse destaque ou saísse da linha mediana com muita boa vontade.

Sei que muita gente dirá que Seção 31 parece um episódio estendido de uma série e o filme definitivamente não passa disso. A questão é que isso, por si só, não é um problema. O problema reside em ele ser um longa-metragem ruim que parece um episódio de série que seria completamente esquecido na temporada. E, por ruim, leia-se, para efeitos comparativos, pior do que todos os longas da franquia e na competição ferrenha pela “pior coisa” já feita no universo Star Trek e olha que tem muita, mas MUITA ruindade por lá. Chega a ser um daqueles filmes cuja existência é incompreensível, pois a cadeia de executivos e mentes supostamente criativas que tiveram que dizer “sim” ao projeto em todas as suas fases é gigantesca, com ninguém aparentemente percebendo a completa inanição dessa produção e levantando o dedo para protestar. Se a intenção do Paramount+ for continuar com esses episódios alongados como em South Park, espero com todas as minhas forças que o próximo seja entregue a um ser humano com mínima capacidade cognitiva e não à uma I.A. tosca (ou  um equivalente humano, claro) e que ele me faça esquecer do que eu vi aqui ou, melhor ainda, que parem de inventar moda e ressuscitem Lower Decks, investimento muito mais certeiro e de qualidade incomparável.

Star Trek: Seção 31 (Star Trek: Section 31 – EUA, 24 de janeiro de 2025)
Direção: Olatunde Osunsanmi
Roteiro: Craig Sweeny (baseado em história de Bo Yeon Kim e Erika Lippoldt)
Elenco: Michelle Yeoh, Miku Martineau, Omari Hardwick, Kacey Rohl, Sam Richardson, Sven Ruygrok, Robert Kazinsky, Humberly González, James Hiroyuki Liao, Jamie Lee Curtis, James Huang, Joe Pingue, Cindy Goh, Houston Wong Houston Wong
Duração: 90 min.

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