- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos demais episódios e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
Depois de dois episódios seguidos que nem de longe tocaram no assunto que é o pano de fundo da temporada final, Fully Dilated retorna para as “fissuras dimensionais” que vêm aparecendo com frequência no universo, mas sem que o roteiro tenha a menor intenção de explicar mais sobre o que está acontecendo e sim de usar o aparecimento mais recente de uma delas para lidar com dilatação temporal. Obviamente já abordado antes na franquia Star Trek, mais notoriamente nos excelentes The Inner Light, episódio 5X25 de A Nova Geração e Blink of an Eye, episódio 6X12 de Voyager, ambos referenciados aqui, o fenômeno é brilhantemente utilizado aqui ao lado da famosa Primeira Diretriz que determina que a Frota Estelar não pode interferir em planetas habitados com população com tecnologia pré-dobra, em mais um capítulo que contribui para potencialmente fazer do derradeiro ano de Lower Decks o ponto mais alto da série.
Na história, uma Enterprise D roxa – afinal, porque não? – atravessa para o universo da Cerritos que conhecemos e, depois de retornar à sua dimensão de origem, deixa destroços que a tripulação tem que limpar em um planeta peculiar em que a mencionada dilatação temporal faz com que cada segundo por lá seja igual a uma semana de “tempo normal”. Mariner, D’Vana e T’Lyn, as duas últimas concorrendo pela vaga de Oficial de Ciência na ponte da Cerritos, passam por cirurgia plástica à la Star Trek para ganhar a cor da pele e os “chifres” da civilização local e partem para lá com figurinos apropriados, encontrando um vilarejo que parece uma cidade do meio-oeste americano no século XIX, com Boimler e Rutherford esperando a postos na sala de teletransporte para trazê-las de volta no exato segundo em que o trabalho de limpeza fosse encerrado.
Enquanto a missão no planeta “completamente dilatado” é cumprida com eficiência, com a única exceção sendo um local bisbilhoteiro que desconfia da trinca, passando a segui-la, a dupla na Cerritos derrama seus drinques nos controles do teletransporte, desabilitando-os, o que impede que as mulheres do grupo sejam trazidas com a velocidade necessária. Com isso, enquanto Boimler e Rutherford – este último agora também deixando a barba crescer, mas, diferente da de Boimler, de maneira proporcional, por todo o rosto – tentam arrumar a bagunça que fizeram, Mariner, D’Vana e T’Lyn passam a viver suas vidas na superfície do planeta, a primeira tentando arrumar novos amigos, mas só conseguindo ser repetidamente encarcerada, a segunda reativando a cabeça do Data roxo (Brent Spiner retornando ao seu clássico personagem mais uma vez) que elas acham logo quando chegam e passando a ter uma relação de mentorada-mentor com ele ao mesmo tempo em que faz de tudo para mostrar-se superior à T’Lyn no que se refere a conquistas científicas, e a última muito naturalmente plantando variantes turbinadas de plantas, frutas e leguminosas locais, o que lhes garante um lugar na comunidade e o dinheiro que precisam para viver durante o ano que são obrigadas a passarem por lá.
O episódio é um primor narrativo, diria, com todo esse “ano em 52 segundos” das três personagens femininas ganhando uma real proporção de vida vivida, do tipo que o espectador compra com facilidade e, mais do que isso, deseja ver mais dela na telinha, como uma temporada toda dentro de outra temporada. As características de cada uma das personagens é trabalhada e retrabalhada, com o tempo de permanência delas no planeta funcionando como belas sessões de terapia particulares para cada uma delas e também como terapia de grupo, em que a rebeldia de Mariner ganha relevo e qualificação, com o treinamento de D’Vana falando mais alto até ela perceber o mal que isso lhe causa e, finalmente, T’Lyn, mesmo com toda sua lógica vulcana, sendo talvez mais completamente humana que as outras duas.
Enquanto a direção de Megan Lloyd faz a história funcionar ritmadamente, a direção de arte cria uma ambientação do vilarejo pré-dobra que é ao mesmo tempo alienígena e familiar, com a correlação que mencionei com cidades de uma rua de filmes de faroeste conversando bem – por mais improvável que seja ou, talvez, justamente em razão da improbabilidade – com o que já foi feito antes algumas vezes na franquia Star Trek, ou seja, aquele bom e velho reducionismo de espécies estranhas para o denominador comum com base na experiência humana, nossa verdadeira única base inspiradora em todas as circunstâncias. Fully Dilated é, portanto, mais um belíssimo exemplar de tudo o que Lower Decks pode ser e tudo o que ela costumeiramente mostra que é, ou seja, uma inteligente homenagem à quase sexagenária franquia.
Star Trek: Lower Decks – 5X07: Fully Dilated (EUA, 28 de novembro de 2024)
Showrunner: Mike McMahan
Direção: Megan Lloyd
Roteiro: Andrew Mueth
Elenco (vozes originais): Tawny Newsome, Jack Quaid, Noël Wells, Eugene Cordero, Dawnn Lewis, Jerry O’Connell, Fred Tatasciore, Gillian Vigman, Gabrielle Ruiz, Paul Scheer, Brent Spiner, Eric Bauza
Duração: 26 min.