- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos demais episódios e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
O sempre simples (e falso pacas) cenário de cavernas é uma maneira eficiente de economizar no orçamento e, ao mesmo tempo, usar a premissa de espaço confinado para lidar com as mais diversas situações envolvendo os personagens. A franquia Star Trek é pródiga até demais no emprego desse artifício e até mesmo Lower Decks já teve “episódio de caverna” antes como Mining the Mind’s Mines. E a autoconsciência da série para essas características do universo em que está inserida é uma de suas maiores qualidades, com Mike McMahan consistentemente sabendo usar de metalinguística para trabalhar seus personagens de maneira exemplar.
Caves tira onda com “episódios de caverna” de Star Trek ao confinar Mariner, Boimler, Tendi e Ruthherford em uma caverna cercada de um musgo desintegrador e, no processo de arrumar uma saída, cada um deles conta, em flashback, sua própria “história de caverna” que revela segredos (ou simplesmente algo que não foi contado antes) para todo o grupo. E as histórias dentro da história são ao mesmo tempo encantadoras e bizarras, primeiro com Boimler conectando-se com o paranoico e conspiracionista Tenente Levy que, por mais absurdo que possa ser, acaba provando que ele tem toda razão; depois com Rutherford tendo literalmente um filho clone alienígena (outro tropo narrativo de Star Trek que, aqui, ganha uma abordagem que consegue até mesmo nos fazer perdoar o tenebroso Threshold, de Voyager) e, finalmente, Mariner revelando que passou a respeitar o Turno Delta da Cerritos em uma missão em que eles tiveram que lidar com uma substância que os envelhecia na medida em que se aproximavam.
Cada flashback é, por seus próprios méritos, uma história fascinante e que eu não ficaria triste de ver ocupar um episódio inteiro. Isso demonstra o cuidado do roteiro de Ben Rodgers em não oferecer apenas qualquer coisa para preencher o espaço de Caves, mas sim momentos relevantes no passado de cada um deles que revelam algo extremamente importante em Lower Decks: os alferes de outrora cresceram, amadureceram e já não são mais os mesmos, seja em sua patente, seja em sua personalidade. Deparar-se com uma animação que oferece esse tipo de desenvolvimento a seus protagonistas é coisa rara e a equipe de produção está de parabéns em caminhar nessa direção que por si só é ousada.
Mas eu não falei da história de Tendi ainda. A Órion não tem uma aventura de caverna para contar, mas sim uma semelhante, que se passa em um turboelevador quebrado da Cerritos. Seus colegas, especialmente Mariner, a impedem de ter essa reminiscência justamente pela história não ser “de caverna” e é somente quando os quatro são presos no musgo que se revela uma criatura consciente e que fala (e gosta de ouvir histórias), que a jovem ter a oportunidade de falar do que aconteceu em um momento terno e muito simpático não só porque retorna ao primeiro episódio da primeira temporada de Lower Decks, como, também, é o único dos quatro flashbacks que têm os quatro ex-alferes. E, é claro, a narrativa vem para justamente salientar como eles estabeleceram essa conexão e essa amizade e, também, para evidenciar o tal amadurecimento que mencionei antes, com cada um deles, agora, sendo capaz de aceitar que o fato de eles terem histórias a contar que os outros não sabem e não participaram não enfraquece, mas sim fortalece o laço entre eles.
Caves pode até parecer um filler – mas isso é injusto de se afirmar em uma série cujos episódios são eminentemente soltos mesmo que haja uma linha narrativa única por trás -, mas, na verdade, ele é um atestado do quanto Mariner, Boimler, Tendi e Rutherford caminharam ao longo desses quatro anos de Lower Decks. O tropo do “confinamento em caverna” de Star Trek é maravilhosamente bem usado aqui e o cuidadoso trabalho que mostra que os quatro de agora não são mais os quatro de antes é de fazer inveja a muita série e filme live-action por aí, até mesmo dentro do próprio universo da franquia.
P.s.: Suprema decepção constatar que esse é nada menos do que o terceiro episódio seguido sem T’Lyn (ainda que ausência dela, aqui, tenha razão de ser).
Star Trek: Lower Decks – 4X08: Caves (EUA, 19 de outubro de 2023)
Showrunner: Mike McMahan
Direção: Megan Lloyd
Roteiro: Ben Rodgers
Elenco (vozes originais): Tawny Newsome, Jack Quaid, Noël Wells, Eugene Cordero, Dawnn Lewis, Jerry O’Connell, Fred Tatasciore, Gillian Vigman, Paul Scheer, Gabrielle Ruiz
Duração: 24 min.