- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos demais episódios e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
Apesar de Parth Ferengi’s Heart Place cometer o pecado mortal de não incluir T’Lyn na história, o episódio é muito bem sucedido em sua abordagem simultânea de múltiplas linhas narrativas – e não apenas as tradicionais duas -, com o roteiro de Cullen Crawford lidando comicamente com os diversos aspectos da sociedade Ferengi e a direção de Brandon Williams mantendo o ritmo energético em cada núcleo. É até possível concluir que o capítulo é curto demais para tanta coisa que é tratada, mas é justamente a capacidade que a produção tem em fazer milagre com a duração regulamentar de 24 minutos que o faz brilhar.
Depois de mais um prelúdio em que vemos “o mistério da temporada” destruir uma nave Ferengi, somos imediatamente levados para uma negociação entre um supostamente experiente almirante da Frota Estelar com representantes Ferengi para que seja dado o pontapé inicial para que a espécie passe a fazer parte da Federação. A Capitã Freeman está ali para ajudar o almirante, mas na medida em que as conversas avançam e fica evidente que os Ferengi estão jogando sujo, ela tenta interferir somente para ser ignorada por um almirante que aceita qualquer pedido, por mais surreal que seja, no afã de chegar a um resultado de sucesso. Enquanto essa narrativa de alto escalação acontece e permeia todo o episódio, Ramson envia Mariner, Boimler, Rutherford e Tendi para Ferenginar em uma missão de “guia de viagens”, ou seja, para eles trazerem informações turísticas interessantes sobre o planeta de maneira a rechear a base de dados da Frota Estelar.
No entanto, e aí que vem a ousadia do episódio, no lugar de deixar os quatro protagonistas juntos, o roteiro os separa em três grupos, com Mariner basicamente ignorando a missão e afogando suas mágoas sobre Ramson – que ela considera estar favorecendo-a demais – com um velho amigo Ferengi, Boimler ficando hipnotizado com a programação televisiva do planeta e, finalmente, Rutherford e Tendi, fingindo serem um casal recém-casado, gozando das regalias de um hotel dedicado justamente ao “amor”. O que seria um pesadelo em mãos menos hábeis torna-se um episódio variado e dinâmico que, de maneira semelhante ao que foi com o excelente Something Borrowed, Something Green em relação aos Órion, oferece uma visão fascinante sobre a ferozmente capitalista cultura Ferengi.
E o melhor é que cada história conversa muito bem com os personagens centrais da série, contribuindo para seu desenvolvimento efetivo, talvez com exceção de Boimler, ainda que sua linha narrativa seja justamente um antítese do que ele é. No alto escalão, a Capitã Freeman revela-se mais uma vez como uma experiente oficial da Federação que talvez mereça um comando mais nobre do que de uma nave da classe Califórnia, para apoio e “segundos contatos”, ao usar seu conhecimento da cultura Ferengi para virar o jogo na negociação do acordo. Para todos os efeitos, ela tem o espírito que vemos em sua filha Mariner, ainda que de uma maneira mais madura e centrada. E Mariner, por seu turno, lida com um problema que só existe em sua cabeça, já que ela constantemente se autodeprecia e se auto sabota, achando que não merece subir em sua carreira. Meu único senão sobre Mariner é que eu diria que, a essa altura, ela já deveria ter vencido essa sua visão sobre si mesma, pois em diversas situações anteriores ela muito claramente enxergou o que ela faz consigo mesma.
No caso de Boimler, sua história é a mais curta justamente porque ele, ao tentar mostrar mais serviço do que o necessário, sequer consegue sair do quarto de seu hotel depois que liga a TV Ferengi – qualquer semelhança com a televisão da Terra nos dias de hoje não é mera coincidência! – e passa a acompanhar anúncios e séries que imediatamente o submetem a uma lavagem cerebral. É, como disse, a antítese do que Boimler é ou tenta ser e isso torna a abordagem particular esperta, especialmente no quanto ela é econômica e direta justamente para deixar com que as demais linhas narrativas ocupem mais minutos no episódios.
A cereja no bolo, porém, é mesmo Rutherford e Tendi fingindo que são casados. A completa falta de naturalidade deles é absolutamente hilária, assim como a evidente conexão que eles sentem é doce e extremamente simpática, com todas as situações que os cercam como a sessão de fotografias e o jantar romântico funcionando para amplificar a química da dupla. É como ver dois adolescentes bem jovens e inexperientes percebendo que existe mais do que uma forte amizade entre eles, mas sem criar um drama adolescente típico. Resta saber se, dentro da pegada humorística da série, haverá espaço para um romance efetivo ou se ele ficará apenas na sugestão.
Parth Ferengi’s Heart Place é um divertido mergulho na sociedade Ferengi e uma lição de como trabalhar quatro linhas narrativas em relativamente poucos minutos. O que falta, agora, é Mike McMahan investir de verdade na resolução do mistério da temporada sem deixar para fazer isso apenas no último episódio que, suspeito, é o que acontecerá. Mas o showrunner já mostrou que entrega finais satisfatórios mesmo quando empurra tudo para o final. O que ele não pode fazer de jeito algum é deixar T’Lyn de lado!
Star Trek: Lower Decks – 4X06: Parth Ferengi’s Heart Place (EUA, 05 de outubro de 2023)
Showrunner: Mike McMahan
Direção: Brandon Williams
Roteiro: Cullen Crawford
Elenco (vozes originais): Tawny Newsome, Jack Quaid, Noël Wells, Eugene Cordero, Dawnn Lewis, Jerry O’Connell, Fred Tatasciore, Gillian Vigman, Paul Scheer, Gabrielle Ruiz
Duração: 24 min.