- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos demais episódios e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
Reflections, que marca a metade da temporada, é o primeiro episódio depois de Grounded a largar a estrutura de “confusão da semana” e privilegiar o desenvolvimento de uma narrativa continuada que tem potencial de ser abordada ao longo do que resta do terceiro ano e quiçá também no próximo. Como é padrão na série, acompanhamos duas histórias, com Mariner e Boimler em uma hilária cabine de recrutamento para a Frota Estelar em uma feira de oferta de trabalho em Tulgana IV e Rutherford, na Cerritos, tendo que lidar com um defeito em seu implante cibernético.
A história mais simples é a de Mariner e Boimler. Na verdade, é simples em sua premissa, hilária em sua execução, com Boimler e não Mariner perdendo a paciência com as provocações que recebem de outras pessoas, mas complexa – ou, talvez melhor dizendo, rica – em referências muito bem colocadas sobre a franquia Star Trek como um todo, com excelentes oportunidades de roteiro para tratar desde a própria natureza da Frota Estelar (uma entidade militarística ou não, afinal de contas?) até a própria organização interna das naves exploratórias.
Houve até um ótimo espaço para a introdução de uma nova personagem com potencial , a arqueóloga independente Petra Aberdeen (Georgia King), da cabine ao lado, que já foi da Frota Estelar e que passa o tempo todo desancando tudo o que a dupla de alferes diz e a Frota em geral. A personagem, provavelmente baseada em Vash, a arqueóloga vivida por Jennifer Hetrick em A Nova Geração, mas que se parece muito em atitude e até aparência com a Doutora Aphra, dos quadrinhos mais recentes de Star Wars, é uma ótima adição ao elenco se, como vemos ao final, ela efetivamente retorne à série de alguma forma depois de tentar recrutar Mariner para sua causa.
No lado de Rutherford, algo muito interessante acontece. Não sei se Mike McMahan (que escreveu o roteiro) estava tentando correr atrás do atraso em razão dos últimos três episódios da temporada que contam histórias soltas ou se o plano era esse mesmo, mas a grande verdade é que o engenheiro do grupo ganha um desenvolvimento vertiginoso e razoavelmente complicado, com repercussões que vão potencialmente bem além do próprio personagem. A história dele começa de maneira razoavelmente despretensiosa, com seu implante dando defeito e fazendo-o agir como se estivesse possuído, e Tendi ajudando-o apagando o cache de sua memória. Isso leva a uma exploração de seu passado, com o personagem sedado descobrindo que a “entidade” que o controlou momentaneamente é ele mesmo de 10 anos antes, quando era um engenheiro rebelde que usava os conhecimentos adquiridos na Academia da Frota Estelar para construir naves para participar de corridas ilegais.
Há um bom esforço do roteiro para mostrar que o que vemos no episódio é o ponto de virada de algo que já vinha acontecendo de maneira discreta quase que desde o começo da série, o que é perfeitamente aceitável. Além disso, ver o conflito entre duas versões do mesmo personagem separadas por uma década é uma ideia excelente que merecia ter um desenvolvimento mais detalhado, menos corrido e certamente não dividindo o tempo com a narrativa de Mariner e Boimler. Na verdade, sendo bem sincero, essas duas histórias paralelas são tão boas que cada uma merecia o seu próprio episódio, mas não é o que temos e o lado de Rutherford, diria, saiu prejudicado pela sua importância para a série como um todo e para o personagem em particular.
Seja como for, a história pregressa de Rutherford é muito interessante e o fato de ela envolver uma aparente conspiração que vai até os mais altos escalões da Frota Estelar ou alguma entidade talvez querendo se infiltrar na Federação cria um arcabouço que tem o potencial de gerar muitos desdobramentos na série. Muito sinceramente, eu duvido que esse assunto passe a ser o principal ao longo dos próximos episódios e que as consequências sejam realmente de amplo alcance, mas o que realmente importa é que Lower Decks voltou de verdade a se preocupar com o desenvolvimento de seus personagens, seja Rutherford mais obviamente, seja Mariner e até Boimler com as lições aprendidas na superfície de Tulgana IV. Agora é aguardar para ver como McMahan lidará com o que ele próprio criou aqui e como isso afetará a série, se afetar.
Star Trek: Lower Decks – 3X05: Reflections (EUA, 22 de setembro de 2022)
Showrunner: Mike McMahan
Direção: Michael Mullen
Roteiro: Mike McMahan
Elenco (vozes originais): Tawny Newsome, Jack Quaid, Noël Wells, Eugene Cordero, Dawnn Lewis, Jerry O’Connell, Fred Tatasciore, Gillian Vigman, Paul Scheer, Georgia King
Duração: 25 min.