- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos demais episódios e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
Confesso, logo de início, que morri de rir com Where Pleasant Fountains Lie, pois creio ser impossível ter reação diferente quando a sinopse do episódio pode ser resumida a “Billups, que é revelado como realeza do planeta Hysperia, tem que evitar perder a virgindade para não ter que assumir o trono de seu reino enquanto Boimler e Mariner, perdidos em um planeta, precisam evitar que um supercomputador falastrão, com inteligência artificial, tenha acesso a meios que lhe permitam dominar o universo”. É um negócio tão louco e fora de esquadro e tão bem executado que já fico com um sorriso no rosto só de reler o que escrevi.
E o melhor é que Lower Decks, apesar de ter iniciado sua segunda temporada com episódios carregados de referência à franquia Star Trek como um todo, resultando em alguns dos melhores episódios da série, vem conseguindo, aos poucos, criar mitologia própria e autossustentável que faz da série ao mesmo tempo extremamente autoconsciente de seu papel neste universo, como também uma obra caminhar sozinha, por seus próprios méritos. Mike McMahan tem conseguido, com uma facilidade até assustadora, transitar bem entre esses mundos e entregar uma temporada coesa e repleta de boas surpresas que permite ao espectador um olhar ao mesmo tempo de fora e de dentro da amada franquia.
No entanto, talvez incongruentemente, este episódio acendeu meu alerta mental, especialmente considerando que o showrunner tem em seu currículo obras como Rick and Morty e Solar Opposites. Na verdade, esse alarme vem ensaiando de apitar desde An Embarassment of Dooplers, e novamente com The Spy Humongous, com sua gênese sendo meu receio – ainda discreto e distante, sem dúvida – de que o tipo de humor de McMahan em suas outras séries animadas “sangre” para Lower Decks, fazendo com que a série perca sua essência trekker e se torne um Rick and Morty que por acaso se passa no universo criado por Gene Roddenberry. Apesar de ter sido hilário ver Billups quase ser enganado por sua mãe rainha e participar de um ménage a trois como sua primeira e altamente hesitante experiência sexual, esse é o tipo de abordagem que esperamos de série da categoria “escracho total” que é como classifico as outras duas citadas e um sem-número de outras que existem por aí como uma amálgama de mesmice que só parece ser diferentona.
Mas, como disse, Lower Decks ainda está muito distante de chegar a esse ponto, mas já queria levantar essa minha preocupação – que está mais para a proverbial pulga atrás da orelha – ainda no começo do jogo para, espero, apenas morder minha língua nesta e em vindouras temporadas. Afinal, tenho que combinar comigo mesmo que não há absolutamente nada errado em tratar de uma trama dessas protagonizada por Billups, que ainda tem tempo para brincar com as mortes que não são mortes (coitada da Tendi!), já que esculhambação total (e quase genérica) é definitivamente algo bom de vez em quando.
E é claro que ainda tem a história secundária – ou seria a primária? – envolvendo Boimler e Mariner em sua luta contra a tentação representada pelo hilário AGIMUS (Jeffrey Combs, o eterno Dr. Herbert West, excelente no papel), uma mistura de computador da Acer com HAL 9000, que usa toda a oportunidade para tentar se conectar com redes e sistemas para criar um exército de drones assassinos. Essa linha narrativa é até simples, mas é na simplicidade que ela justamente se destaca, primeiro ao colocar Boimler contra Mariner e, depois, revelar que Boimler é mais esperto do que imaginamos, com sua vitória sobre a ambiciosa inteligência artificial. E é claro que, ao final, quando vemos AGIMUS sendo engavetado ao lado de dezenas, centenas, milhares de outros computadores exatamente como ele, como o plot device mais comum e batido no mundo, é impossível não listar mentalmente a quantidade de situações em Star Trek e nos mais variados filmes e séries que trabalham exatamente a mesma premissa.
É, portanto, no equilíbrio do escracho com a narrativa mais padrão, mas igualmente hilária, que Where Pleasant Fountains Lie consegue ao mesmo tempo me deixar em alerta e relaxado, receoso e completamente vendido por essa excelente série animada que eu ainda tenho dificuldades de aceita que sequer existe. Lower Decks continua seu caminho certeiro em reunir referências clássicas com mitologia própria, criando uma mistura que a tem levado a ser uma das melhores séries da franquia já feitas, afirmação talvez ainda muito cedo demais para fazer, mas que tenho confiança – com um pouco de receio, mas faz parte – que será reiterada quando a poeira baixar.
Star Trek: Lower Decks – 2X07: Where Pleasant Fountains Lie (EUA, 23 de setembro de 2021)
Showrunner: Mike McMahan
Direção: Jason Zurek
Roteiro: Garrick Bernard
Elenco (vozes originais): Tawny Newsome, Jack Quaid, Noël Wells, Eugene Cordero, Dawnn Lewis, Jerry O’Connell, Fred Tatasciore, Gillian Vigman, Paul Scheer, June Diane Raphael, Jessica McKenna, Kari Wahlgren, Jeffrey Combs
Duração: 25 min.