- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos demais episódios e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
Estava demorando Lower Decks abordar os míticos “Camisas Vermelhas”, personagens – se é que eu posso chamá-los de personagens, pois estão mais para buchas de canhão – que, na Série Original, só apareciam para morrer em missões e dar aquela impressão de perigo que nunca atingia mortalmente os oficiais, claro. Mesmo considerando que o código de cores original dos uniformes foi alterado – e de certa maneira bagunçado – já a partir de A Nova Geração, a grande verdade é que o apelido permanece firme e forte até hoje em dia, usado largamente por vezes até por pessoas que sequer sabem da origem do termo.
Em The Spy Humongous, Boimler é atraído por um grupo “seleto” de alferes que se autodenominam Camisas Vermelhas, o que traz estranhamento a ele e que, claro, é ecoado de forma metalinguística no espectador. Mas a piada meta fica só por nossa conta, claro, já que o co-protagonista da série não quebra a quarta parede como o Deadpool para ter consciência do significado e sua estranheza está mais na simples escolha de cores, já que ela, na Cerritos, nada significa considerando que ele próprio, assim como a Capitã Freeman, a utilizam. Seja como for, o tal grupo seleto tem como objetivo de vida fazer de tudo para um dia ser capitão de uma nave da Frota Estelar e Boimler, com sua experiência curta na Titan com Riker e companhia é, claro, um membro valioso.
O genial desse grupo é o quanto eles acham que ser capitão é, basicamente, fazer discursos bonitos e encorajadores, com voz empostada e, de preferência, com postura “épica”, algo em Boimler embarca no começo, somente para ele próprio perceber o quão vazios são seus colegas que, na hora da ação, são só palavras e nenhuma atitude. O comentário subliminar é hilário e se aplica tanto à percepção dos alferes sobre os oficiais, deixando evidente a distância que existe entre eles, como também para qualquer outra série ou filme em que haja uma estrutura hierárquica dessas. Os Camisas Vermelhas da Cerritos podem não ser meros extras que só existem para morrer, mas toda sua construção no episódio lida muito bem com o apelido e com a própria ambição dos lower deckers que, de fato, um dia alguns devem chegar aos postos mais altos.
Em paralelo, Tendi, Rutherford e Mariner – Boimler também, mas ele logo debanda para o tal grupo – ganham a missão de lidar com “consolidação de anomalias”, basicamente um nome bonito para lixeiro espacial, tendo que passar de cabine de oficial em cabine de oficial para recolher objetos alienígenas dos mais variados que, para começar, sequer deveriam estar lá, mas que estão e não podem ser simplesmente jogados fora sem maiores preocupações. Óbvio que Tendi fica excitada com esse trabalho e Mariner desesperada, com a primeira, no processo, sendo transformada em um escorpião verde gigante (e porque não, não é mesmo?) e a segunda basicamente experimentando inadvertidamente os efeitos de cada um dos objetos. É um hilário passeio pelos bastidores das missões espaciais dos oficiais em que vemos o que acontece com aquilo que eles acham nos mais variados planetas, ou seja, exatamente o que Lower Decks almeja abordar, especialmente se toda essa linha narrativa resulta em Mariner e companhia trollando o “coitado” do Armus solitário lá em Vagra II (impressionante o que se passa na cabeça de Mike McMahan para usar essa referência, aliás…).
No entanto, o mais interessante é que, Boimler e os Camisas Vermelhas e Mariner e a “consolidação de anomalias” podem ser encaradas como as subtramas do episódio – na verdade, não são pela estrutura narrativa de Lower Decks, mas vocês entenderam – já que a história que justifica o título, que por sua vez faz trocadilho com “espião entre nós”, focada nos oficiais, sequer tangencia com as dos alferes dessa vez. Trata-se da tentativa da Capitã Freeman e de Shaxs no planeta dos Pakleds, que se chama mesmo Planeta dos Pakleds, de fazer um acordo de paz com os Pakleds, o que obviamente não dá certo pela inacreditavelmente burrice dos habitantes de lá que mandam um “espião” para a Cerritos que é ciceroneado por Jack Ransom e Kayshon. Toda essa trama é baseada em gags que giram ao redor do quão burros são os Pakleds, gerando aquele tipo de humor “barato”, mas ao mesmo tempo muito divertido. Afinal, nada como ver um Pakled flutuando no vácuo do espaço por ter achado que uma eclusa de ar era o banheiro…
The Spy Humongous não é um dos melhores exemplares do que Lower Decks tem a oferecer, mas isso se dá simplesmente porque a série, especialmente no começo da segunda temporada, elevou absurdamente o nível de autocrítica e de visão de fora para dentro do que é ser Star Trek, mas ele, talvez até contraditoriamente, é um dos mais divertidos pela abordagem boba, mas ao mesmo tempo inteligente (outra contradição!), com que cada trama é abordada e desenvolvida. Entre Camisas Vermelhas, Consolidação de Anomalias e Pakleds, há muitas risadas aqui para que o episódio seja relegado a segundo plano.
Star Trek: Lower Decks – 2X06: The Spy Humongous (EUA, 16 de setembro de 2021)
Showrunner: Mike McMahan
Direção: Bob Suarez
Roteiro: John Cochran
Elenco (vozes originais): Tawny Newsome, Jack Quaid, Noël Wells, Eugene Cordero, Dawnn Lewis, Jerry O’Connell, Fred Tatasciore, Gillian Vigman, Rich Fulcher, Neil Casey, Brian Posehn, Carl Tart
Duração: 25 min.