Com o cancelamento da maravilhosa Star Trek: Lower Decks, facilmente uma das melhores séries de toda a franquia, isso se não for a melhor (só para enfartar Trekkers…), só nos resta correr para os quadrinhos, pois a IDW, que atualmente detém a licença de tudo o que é Star Trek, vem, ainda que vagarosamente, publicando aventuras dos queridos alferes da USS Cerritos, começando pela minissérie em três edições que é objeto da presente crítica, continuando com dois one-shots, um deles no estilo “faça sua própria aventura” em que o leitor escolhe o caminho a ser percorrido, e, enquanto escrevo estes comentários, uma segunda minissérie está para acabar. Uma coisa não substitui a outra, claro, mas, como dizem por aí, quem não tem cão, caça com gato.
Quem ficou responsável pelo roteiro desta primeira e bem curta minissérie foi o canadense Ryan North que já escreveu muito para a Marvel Comics, dentre outras editoras, mas que, para mim, sempre será aquele que escreveu a absolutamente espetacular adaptação em quadrinhos de Matadouro Cinco, baseada no romance homônimo de Kurt Vonnegut. Seguindo o padrão da série, North dividiu a história em duas narrativas que caminham em paralelo e convergem ao final. A primeira delas lida com a capitã Carol Freeman, Shaxs e T’Ana fazendo contato com uma civilização do sistema Qvanti que, apesar de não ter motor de dobra, foi considerada tecnologicamente evoluída o suficiente para permitir Primeiro Contato, o que fora feito em missão anterior e que, agora, a Cerritos tem o objetivo de solidificar. A segunda lida com Mariner, Boimler, Rutherford e Tendi, em sua folga, usando o holodeck para relaxar e criar linhas narrativas no passado da Terra, uma delas levando-os a criar, apesar de todas as restrições técnicas de segurança, um Drácula holográfico senciente que, claro, começa a manipulá-los.
São duas histórias muito bem boladas, com a que envolve Freeman andando no fio da navalha da Primeira Diretiva ao criar um planeta em que existem duas civilizações humanoides em estágios diferentes de evolução, com a equipe, inadvertidamente, entrando em contato com a mais primitiva em razão da atmosfera do planeta que causa problemas de comunicação. Pode parecer apenas mais um caso em que a famosa diretiva do universo Star Trek é violada, mas o roteiro de North trabalha excelentes elementos que tornam as águas bem mais turvas do que se espera, com Freeman, Shaxs e T’Ana precisando constantemente pisar em ovos até compreender exatamente o que se passa por ali. No lado mais completamente fantasioso, em que Drácula “revive”, o novo personagem – será ele vilão ou não? – é muito bem utilizado pela narrativa, seja por Boimler revelar-se um completo fanboy do clássico personagem literário, seja por todos os demais começarem a se afeiçoar a ele, e, claro, pela maneira inteligente como o holograma evolui ao longo das parcas três edições da minissérie.
É como ler um bom episódio da série, já que North captura com muita assertividade as personalidades de todos os personagens da série que aborda, com direito, ainda, a um Drácula que não só bebe de sua fonte original, como também ganha o que podemos chamar de “atualização lógica” para o século XXIV. Da mesma maneira e sem reinventar a roda, Chris Fenoglio leva para as páginas dos quadrinhos exatamente o mesmo estilo da animação, o que faz com que o leitor que vem da série imediatamente se sinta em um lugar “seguro e confortável” em que poderá apreciar a história sem nenhum tipo de solução de continuidade. Claro que eu não advogo que todas as minisséries de Lower Decks devam necessariamente ter essa mesma arte amarrada ao estilo da animação original, mas, para uma primeira tentativa, considero importante essa homogeneiade. E, por isso, a impressão de “episódio em quadrinhos” é amplificada pela arte, criando um ambiente perfeito para as duas linhas narrativas progredirem sem dificuldade ou tropeções.
Sem Lower Decks na telinha, recorrer aos quadrinhos é uma maneira de dar algum tipo de continuidade a uma série que ainda tinha muito a oferecer aos espectadores. Não é o ideal, claro, mas pelo menos dá para matar um pouco as saudades dos personagens tão cativantes criados por Mike McMahan. Fica a torcida, portanto, para que a IDW continue a oferecer esse refresco aos órfãos da série animada!
Star Trek: Lower Decks (Idem – EUA, 2022)
Contendo: Star Trek: Lowers Decks (2022) #1 a 3
Roteiro: Ryan North
Arte: Chris Fenoglio
Letras: Johanna Nattalie
Editoria: Vanessa Real, Heather Antos
Editora: IDW Publishing
Datas originais de publicação: 14 de setembro, 12 de outubro e 30 de novembro de 2022
Páginas: 125