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Crítica | Star Trek: Lower Decks – 1X09: Crisis Point

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos demais episódios e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.

De uma série de proposta divertida e até mesmo ousada, Lower Decks não demorou a fazer o que era óbvio que faria: usar profusamente referências à franquia Star Trek. Mas o showrunner Mike McMahan, apesar de um ou dois episódios em que errou a abordagem, sempre soube usar as conexões ao universo criado por Gene Roddenberry de maneira inteligente, sem deixar que a nova série animada ficasse escrava desse artifício tão tentador. No entanto, em Veritas as referências voltaram com força total não como muletas narrativas, e sim como uma forma sensacional de metalinguística, conversando com o espectador sobre Star Trek.

A conclusão óbvia – e apressada – era que Veritas seria uma exceção, uma anomalia dentro de uma primeira temporada boa, mas que não havia ainda arriscado tudo o que poderia arriscar. Eis que, então, logo em seguida, somos presenteados com o excepcional Crisis Point, mais um episódio que existe para colocar Star Trek no banco dos réus, por assim dizer, discutindo algo que os fãs debatem há décadas: o melhor da franquia está nas séries ou nos filmes? De um lado, a pegada mais cerebral da grande maioria do material feito para a telinha e, de outro, as apostas arriscadas, caras e explosivas das obras feitas para as telonas.

Para fazer isso, voltamos ao holodeck, com um programa de Boimler que simula o comportamentos dos oficiais da Cerritos para que ele possa aprender sobre o comportamento deles. Mariner, que havia interferido nas relações políticas de um planeta conforme abordado na cena pré-crédito, briga mortalmente com sua mãe que a ordena fazer terapia, mas ela acaba usando um hack no programa de seu colega para criar um filme interativo em que ela pudesse desopilar o fígado. Por um segundo, temi que Badgey, de Terminal Provocations, reapareceria aqui, mas fiquei feliz quando notei que esse artifício, por mais interessante que ele tenha sido, não seria usado. Isso abriu espaço para uma mega-aventura com direito a uma vilã histriônica como Khan – Mariner como Vindicta – e muitas explosões, a Cerritos destruída, pancadaria sem parar, soluções mágicas de último minuto e assim por diante, um verdadeiro blockbuster cinematográfico nos confins de uma mera sala da nave.

O que começa com um conflito entre mãe e filha que, lá no fundo, têm o mesmo temperamento, evolui organicamente para um conflito de Mariner consigo mesma e na literalidade, já que, dentro do filme, a Mariner virtual ataca Vindicta para defender a mãe. Essa abordagem conversa perfeitamente bem com a mesma temática envolvendo Mariner de Much Ado About Boimler, em que o roteiro lida com o que exatamente ela quer ser e porque ela acaba se contentando em ficar nos conveses inferiores se ela tem capacidade para muito mais. Vindicta é a versão radical e psicótica da Mariner rebelde, que se recusa a seguir ordens e a obedecer hierarquia, com direito ao extermínio de todo e qualquer tripulante que passe na sua frente, mesmo que indefeso. A coragem do episódio inclusive está justamente aí, em não perdoar ninguém, ainda que a sempre sensível D’Vana Tendi sirva de bússola moral para o que passamos a testemunhar com enorme surpresa e até estupefação.

Quando o conflito físico entre Vindicta e a Capitã Carol Freeman, o lado psicológico da narrativa aquece e começa a servir de efetiva continuação do já citado episódio sete. Freeman, claro, é a voz da razão, mas não é, na verdade, nada que não tenhamos visto antes na série. O que ultrapassa a barreira e realmente torna Crisis Point algo inesquecível é a pancadaria Mariner vs Mariner, em que a Mariner holográfica é, na verdade, a Mariner que conhecemos e gostamos: profundamente leal à Frota Estelar e muito próxima de sua mãe, mesmo que ela se recuse a ver isso. Vindicta é, para usar termo comum à franquia, a Mariner do Universo Espelho, extrapolando tudo que a personagem tem de negativo.

E o melhor é que, enquanto o conflito interno de Mariner se desenvolve maravilhosamente bem, o mesmo acontece com a narrativa que faz a comparação entre Star Trek na TV e no Cinema. Tudo o que as séries representam para esse universo está ao redor do que vemos na telinha, ou seja, é, trocando em miúdos, exatamente a abordagem psicológica que tratei acima. E, claro, o que efetivamente vemos na telinha é o que os filmes representam para esse universo, desde a genial recriação dos créditos de abertura e da cena inicial de Jornada nas Estrelas: O Filme, justamente o mais cerebral de todos e exatamente por isso um dos mais fracos, passando por todo o exagero pirotécnico que conta até mesmo com a separação do disco do restante da nave e Rutherford semi-robótico salvando todo mundo de um jeito impossível, mas que se torna possível por “ser um filme”.

Crisis Point é definitivamente brilhante, um episódio que caberia muito facilmente nas melhores séries live-action da franquia da mesma maneira que caberia muito facilmente como um filme cinematográfico. O fato de o episódio estar aqui em uma série animada de humor adulto é um atestado de que Mike McMahan não estava de brincadeira quando concebeu sua criação. A primeira temporada de Lower Decks está acabando – só há mais um episódio pela frente – mas é nesse ponto aqui que eu posso dizer com certeza que eu quero mais.

P.s.: Não sabia – ou, mais provavelmente, não me lembrava – que nenhum dos demais personagens principais sabia que Mariner era filha da capitã. Será muito interessante ver o desdobramento dessa descoberta de Boimler.

Star Trek: Lower Decks – 1X09: Crisis Point (EUA, 1º de outubro de 2020)
Showrunner: Mike McMahan
Direção: Bob Suarez
Roteiro: Ben Rodgers
Elenco (vozes originais): Tawny Newsome, Jack Quaid, Noël Wells, Eugene Cordero, Dawnn Lewis, Jerry O’Connell, Fred Tatasciore, Gillian Vigman, Paul Scheer
Duração: 25 min.

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