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Crítica | Star Trek: Discovery – 5X10: Life, Itself

Um final, mas talvez não o final.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.

Ora, ora, ora, que surpresa boa foi esse final de série. Contra todas as probabilidades, Alex Kurtzman e Michelle Paradise entregaram um encerramento de temporada e de Discovery como um todo que consegue fazer ótimo uso de sua duração de longa-metragem e efetivamente resolve a trama central sem correrias enlouquecidas e com boas soluções práticas, aponta para os futuros dos mais importantes personagens, faz revelações interessantes e ainda tem tempo de encaixar um epílogo alongado que é sem dúvida um tanto quanto melodramático e novelesco, mas que, muito sinceramente, não esperaria que fosse diferente, especialmente diante de um cancelamento de série que veio quando a produção da quinta temporada estava já em estágio avançado.

A ação dentro do portal misterioso manteve-se engajante por todo o tempo, mesmo que o quebra-cabeças final – o tal triângulo no meio de outros triângulos – tenha sido um tanto quanto bobo. A relação de Michael com Moll se segurou bem, mesmo com as constantes reviravoltas na base de rasteiras e traições e toda a direção de arte dessa espécie de nexo entre mundos merece destaque, com um CGI que, como de costume na série, mais do que cumpre sua função. A resolução em si conseguiu ser ainda melhor, com a chegada de uma projeção(?) do último membro dos Progenitores levando a um primeiro twist ao revelar que eles também acharam a tecnologia e não a criaram. Mas o melhor twist foi que Michael acabou não sendo a guardiã da tecnologia, preferindo mantê-la bem guardada como estava, longe de culturas ambiciosas. Afinal, temos que lembrar que a série é useira e vezeira em fazer de Michael a melhor em tudo sempre em níveis bastantes altos, cósmicos mesmo, e, quando o roteiro resistiu a tenção de entregar-lhe mais essa “medalha”, fiquei bastante feliz, especialmente diante da simplicidade da conclusão da protagonista: a vida em si é seu objetivo maior. Pode ser brega, mas não só é bonito, como é uma conclusão madura, verdadeira e perfeitamente lógica.

Mas o roteiro resistiu também à tentação de ressuscitar L’ak, sem dúvida alguma outro ponto positivo no trabalho de Kyle Jarrow e Michelle Paradise. Sem saídas óbvias e cansadas, de revirar os olhos, o episódio final ganhou em solidez, mesmo que a ação externa ao portal tenha – essa sim – sido ligeira demais, talvez um pouco conveniente, ainda que também inteligente. O aspecto que mais chama a atenção foi a separação em pequenos núcleos trabalhando em prol do mesmo objetivo, um artifício comum em Star Trek e outros filmes e séries, mas que, aqui, com o subtexto de despedida, funcionou com mais força ainda. Tivemos Saru e Nhan negociando com a Breen Tahal para impedir que ela se aproxime dos buracos negros e descubra o que está acontecendo por lá, com Saru usando sua persona “Action Saru” com excelente efeito. Também tivemos Book e Culber aproximando-se do portal para estabilizá-lo, com a presença de Culber justificando-se como parte da dicotomia entre ciência e espiritualidade. E, claro, tivemos Rayner, Tilly e os demais na ponte da Discovery enfrentando os caças Breen e, de quebra, o próprio Dreadnought, com um excelente uso do motor de esporos para transportar a ameaça da gigantesca nave dos E.T.s mascarados para a Barreira Galáctica, aquela do final da temporada anterior em outro bom uso da mitologia interna.

Com a trama central encerrada, era necessário, então, fechar as demais pontas, mas houve tempo ainda para revelar que Kovich, personagem de David Cronenberg, era, na verdade, o Agente Daniels, que aparece em Star Trek: Enterprise falando sobre a Guerra Temporal. Era necessária essa pequena reviravolta, se é que podemos chamar assim? Claro que não, mas achei que foi um bônus bem-vindo que empresta mais importância ainda a Kovich que, aliás, faz com que Michael e Book – reconciliados – saiam mais cedo do casamento de Saru e T’rina para uma nova missão, efetivamente encerrando o episódio com uma nota de continuidade e não de fim definitivo.

Isso até o epilogo-novela, claro. Ou quase.

Nele, há um salto temporal para algo como 30 anos no futuro em que vemos Michael e Book já com cabelos brancos vivendo no que parece ser Santuário Quatro (lá da terceira temporada da série) terraformado pelas raízes de Kwejian que Book ganhou da bibliotecária em Labyrinths, efetivamente recriando a flora e fauna de seu planeta destruído. Só isso já era suficiente, mas houve mais e, na medida em que o epílogo avançava, eu ficava estranhamente mais confortável com ele, interpretando-o como um esforço genuíno da produção em entregar um encerramento que, espertamente, deixa as décadas que se passaram como lacunas que podem ser preenchidas no futuro com um revival ou até mesmo filmes para o cinema ou diretamente para o streaming. O restante do epílogo apresenta Leto (Sawandi Wilson), filho do casal com o nome do sobrinho de Book e que está prestes a embarcar em sua primeira missão no comando de uma nave, indicando que podemos também ver as aventuras dele no futuro e, em seguida, faz uma interessante e, diria, completamente surpreendente conexão com o curta metragem (Short Treks) Calypso, o segundo lançado entre a primeira e segunda temporadas da série. Como no caso de Kovich, não era algo realmente necessário, mas foi simpático terem feito isso.

Por isso é que, no frigir dos ovos, o final de Star Trek: Discovery pode até parecer O FINAL da série, mas ele é, apenas, lá no fundo, UM FINAL, pois ele mais abre portas do que fecha e isso depois de encerrar bem a história principal, de celebrar o adágio da união faz a força em um momento importante em todos os sentidos práticos e narrativos e por conseguir até mesmo, ainda que por breves segundos, reunir todo o elenco principal da série mais uma vez para uma celebração final. Considerando que a temporada vinha apontando para um encerramento potencialmente desastroso, não tenho como esconder minha felicidade em concluir que, ao contrário, Kurtzman e Paradise entregaram uma bela improbabilidade audiovisual. Fica a torcida para que, depois de toda essa jornada, Discovery retorne um dia!

Star Trek: Discovery – 5X10: Life, Itself (EUA, 30 de maio de 2024)
Showrunners: Alex Kurtzman, Michelle Paradise
Direção: Olatunde Osunsanmi
Roteiro: Kyle Jarrow, Michelle Paradise
Elenco: Sonequa Martin-Green, Doug Jones, Anthony Rapp, Mary Wiseman, Wilson Cruz, Blu del Barrio, Callum Keith Rennie, David Ajala, Phumzile Sitole, Emily Coutts, Michael Chan, Annabelle Wallis, Tara Rosling, Tig Notaro, Eve Harlow, Elias Toufexis, Oded Fehr, Rachael Ancheril, Sawandi Wilson, David Cronenberg
Duração: 87 min.

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