- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
Como é estranho chegar ao final de um episódio de qualquer série gostando muito de tanta coisa que foi feita e concluir que ele foi apenas “bom”, mas essa foi a exata sensação que tive quando os créditos começaram a subir em Erigah e que continuou ao longo da redação da presente crítica. Chega a ser até difícil explicar o porquê disso sem apelar para generalizações do tipo “a execução foi burocrática” ou “não gerou qualquer tipo de excitação”, mas desconfio que, por mais que eu tenha tentado, não consegui racionalizar minha conclusão a contento, pelo que desde já peço desculpas. Mas vamos lá!
A qualidade do roteiro de M. Raven Metzner que mais apreciei no episódio foi a forma como houve uma espécie de “passagem de bastão” da vilania de Moll e L’ak para a vilania dos Breen sem que o texto apelasse para obviedades como revelar que a dupla estava o tempo todo trabalhando para os alienígenas mascarados ou que os Breen sempre estiveram atrás da tecnologia dos Progenitores. Muito ao contrário, o caminho seguido foi aplaudível justamente por fazer todo o esforço possível para criar uma infraestrutura narrativa que acabou tornando tudo muito orgânico e verossímil, com uma facção dos Breen ameaçando a Federação com seu poderio bélico para obter a custódia de Moll e L’ak ostensivamente em razão da “sentença de sangue” ou erigah que, na verdade, esconde a tentativa de se usar L’ak, de sangue real, como peão de uma disputa de poder, e isso tudo pulando sem cerimônia a captura dos dois antagonistas que já é fait accompli quando o capítulo começa.
Mesmo que a correria atrás de informações que permitissem que Michael e T’Rina usassem a situação a seu favor tenha dependido de “conversinhas”, uma delas que acaba revelando que o Comandante Rayner, convenientemente, tinha um passado trágico envolvendo os Breen, o jogo diplomático foi bem feito, incluindo a coragem de dificultar tudo com a morte de L’ak por uma overdose auto infligida que termina com Moll pelo menos em tese juntando-se aos grandes vilões (digo em tese, pois desconfio fortemente que ou ela já tem a intenção de fazer jogo duplo ou que Book a convencerá de ajudar no final). Só espero que a “cura para a morte” mencionada como algo que talvez a tecnologia dos Progenitores possa fazer acabe não sendo usada, pois isso me lembrou dessa mesma ideia de jerico que vimos em Além da Escuridão: Star Trek e que só tem o poder de diluir todo e qualquer sacrifício ou tragédia.
Na história paralela, em que Tilly, Adira e Stamets, com a ajuda de Book e Reno, investigam uma nova pista do paradeiro da tecnologia, desta vez um cartão de metal com uma inscrição, o roteiro é menos interessante. O que funciona – e só funciona por que é com Reno – é a hilária maneira com que Tilly e Adira conversam com Reno que, daquele seu jeito inconfundível, se recusa a parar o que está fazendo para ajudar como qualquer pessoa normal faria. Muito ao contrário, ela faz as duas andarem por toda a nave, somente para Reno, em um momento eureka, deduzir que o cartão que ela nunca nem sequer viu é um “cartão de biblioteca”. Já a ajuda de Book é dolorosamente conveniente quando ele usa seu poder empático para “ler” os resquícios mentais deixados no cartão. Foi uma daquelas cenas de revirar os olhos de ruim, especialmente considerando que Book estava apressado, querendo sair logo dali para ajudar no conflito com os Breen.
Em resumo, temos uma “revelação” dos verdadeiros vilões que não parece nem um pouco algo tirado da cartola dos criadores da série e que tem um encaixe orgânico perfeito em relação a tudo o que foi mostrado na temporada até o momento, seja a relação de amor entre Moll e L’ak, seja a conexão de L’ak com os Breen e até mesmo o uso de T’Rina e Rayner em contextos pensados para eles. Claro que tem as bobagens normais, como a já citada conveniência do uso do poder de Book e outras como a facilidade com que Moll escapa da enfermaria e a rapidez com que ela é convencida a voltar, mas esses aspectos negativos não são o foco de minha conclusão final sobre o episódio. Ficou mesmo aquela sensação difusa e de de difícil identificação de que o episódio talvez pudesse ter trabalhado o quase completamente ótimo roteiro sem transformar seu andamento em eternas conversas para lá e para cá, algo que até pode ser um traço clássico de Star Trek, mas que eu, pessoalmente, quase sempre acho cansativo e fruto muito mais de orçamentos apertados do que da efetiva vontade da produção. Portanto, sim, a execução acabou sendo burocrática e Erigah ficou longe de criar momentos excitantes quando era claro que o roteiro clamava por isso…
Star Trek: Discovery – 5X07: Erigah (EUA, 09 de maio de 2024)
Showrunners: Alex Kurtzman, Michelle Paradise
Direção: Jon Dudkowski
Roteiro: M. Raven Metzner
Elenco: Sonequa Martin-Green, Doug Jones, Anthony Rapp, Mary Wiseman, Wilson Cruz, Blu del Barrio, Callum Keith Rennie, David Ajala, Phumzile Sitole, Emily Coutts, Michael Chan, Annabelle Wallis, Tara Rosling, Tig Notaro, Eve Harlow, Elias Toufexis
Duração: 52 min.