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Crítica | Star Trek: Discovery – 4X12: Species Ten-C

Aprendendo matemática com luzes e feromônios.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.

Sob diversos aspectos, Species Ten-C é exatamente o que Star Trek: Discovery precisava na estirada final desta cambaleante segunda metade da quarta temporada. Não só o episódio é uma dobradinha temática com o ótimo Rosetta, que colocou a tripulação estudando os escombros da civilização extragaláctica antes do primeiro contato, como ele se desenrola dando grande destaque para o “lado nerd” da história, com essa mesma tripulação, agora acompanhada dos emissários da Federação, tentando entender a forma de comunicação da Espécie 10-C, deixando o consideravelmente previsível “lado da ação” em segundo plano.

Como sempre acontece em Star Trek e em outras séries de ficção científica, essa abordagem científica depende muito de diálogos rápidos repletos de “tecno-baboseiras” e deduções instantâneas sobre questões complexas que são postas perante o grupo. Sempre fez parte do jogo e continuará fazendo parte do jogo. O que o episódio traz de realmente relevante para algo tão manjado assim é o cuidado que o roteiro de Kyle Jarrow teve em criar algo que, mesmo que o espectador não compreenda em detalhes (eu sei que eu não compreendi), revela grande cuidado em fazer as conexões necessárias. Os feromônios descobertos no episódio anterior ganham destaque, juntamente com a chave de luz para decifrar o código que leva o grupo a equações matemáticas (a linguagem universal) simples como forma de comunicação e, melhor ainda, como a maneira que a espécie encontrou para ensinar sua língua a seres tão “inferiores” assim.

Em essência, Species Ten-C é um “episódio de ponte”, ou seja, não passa de uma sucessão de conversas em espaço determinado – que, em Star Trek, normalmente é a ponte da nave principal -, no caso principalmente o hangar da Discovery, com a ajuda de “gráficos ilustrativos” cortesia de Zora que finalmente resolver dar o ar de sua graça em um daqueles meus incômodos sobre a temporada, ou seja, o uso de personagens somente quando eles são estritamente necessários para determinado momento (mais sobre isso adiante, aliás). A própria aparência da espécie, ainda não revelada completamente, funciona bem em tela, como os showrunners, ainda bem, fugindo de qualquer coisa que se aproxime de humanoides. Já havíamos visto os ossos em Rosetta e, agora, temos um vislumbre do que parecem ser gigantescos dragões (ou baleias, não sei) espaciais altamente inteligentes e que, conforme o episódio vai chegando ao seu fim, indicam realmente não saber o devastador efeito que seu “equipamento minerador” causa em nossa galáxia.

Curiosamente, Species Ten-C compartilha os triunfos e os problemas com Rosetta. Se a história principal funciona à perfeição, o mesmo não pode ser dito de tudo que gravita ao redor dela, mais especificamente a trama paralela envolvendo Book, Tarka e Jett Reno. Na verdade, é injustiça colocar Tig Notaro nesse meio, ainda que seja inevitável dada sua situação de prisioneira na nave de Book. O ponto é que Reno é uma ótima personagem que é absurdamente mal aproveitada em Discovery e que, como Zora, depois de uma ausência de sei lá quantos episódios, apareceu aqui (ok, tecnicamente no anterior, mas vocês entenderam) para cumprir seu objetivo estrito de ser a voz da razão, o “Grilo Falante” cochichando no ouvido de Book e causando a cizânia entre ele e Tarka. Ou seja, o problema de Reno não é Reno, mas sim a personagem não ser fixa na série a aparecer ao bel-prazer dos roteiros apenas, pelo que dá para perdoá-la.

Meu problema maior é justamente os outros dois. Vamos lá: até alguém que nunca viu um episódio de Discovery na vida tinha que saber que Tarka trairia Book, não é mesmo? Afinal, ele já fez isso antes e, por mais que a série venha fazendo de tudo para nós gostarmos dele, a grande verdade é que não dá para confiar no sujeito. E Book, um veterano – aliás, um cara com muito mais experiência de campo e de vida do que Tarka – simplesmente precisava saber que havia algo de podre ali novamente. Essa inocência e ingenuidade de Book simplesmente não funciona, a não ser que seja para desfazer boa parte daquilo que aprendemos sobre o personagem. Dizer que ele está cego por sua sede de vingança pela destruição de seu planeta me parece uma simplificação excessiva de seus sentimentos para racionalizar sua confiança absoluta em Tarka. E, pior, o cientista basicamente dar uma surra em Book termina de transformar seu personagem em um bobalhão que precisa de alguém com quem ele praticamente nunca falou, para acordá-lo do transe. Também não apreciei a unidimensionalidade da general representante da Terra, que jamais discute nada e aceita sempre que atacar primeiro e a única solução, mas não sei se havia espaço para ela ganhar algum tipo de nuança, sendo bem sincero.

Dito isso, porém, o final do episódio era mais do que esperado e, portanto, dentro dos planos, por assim dizer. Nunca tive um segundo de dúvida que, quando Michael e os outros estivessem próximos de uma comunicação importante, as ações de Tarka fariam a diplomacia retroceder para a estaca zero novamente. E eu gosto dessa previsibilidade. O que eu não gosto é o como e o porquê ela aconteceu, especialmente considerando que foi às expensas de um ótimo personagem da série. Eu só espero que Book, agora, gato duplamente escaldado que é, no mínimo quebre a cara do traidor no derradeiro episódio.

Species Ten-C, mesmo com problemas que podemos chamar de crônicos ao redor da fascinante história de primeiro contato com uma espécie de fora da galáxia conhecida, segura-se muito bem com seu lado detetivesco, que mergulha na decifração de uma língua inteiramente nova e no início de discussões diplomáticas usando equações matemáticas que até eu, um zero à esquerda nesta matéria, consegui entender. Tomara que o quarto ano da série chegue ao seu fim com a mesma qualidade que vimos aqui e no episódio imediatamente anterior.

Star Trek: Discovery – 4X12: Species Ten-C (EUA, 10 de março de 2022)
Showrunners: Alex Kurtzman, Michelle Paradise
Direção: Olatunde Osunsanmi
Roteiro: Kyle Jarrow
Elenco: Sonequa Martin-Green, Doug Jones, Anthony Rapp, Wilson Cruz, David Ajala, Ian Alexander, Emily Coutts, Oyin Oladejo, Patrick Kwok-Choon, Chelah Horsdal, Oded Fehr, Ronnie Rowe Jr., Ayesha Mansur Gonsalves, Annabelle Wallis, David Cronenberg, Shawn Doyle, Rachael Ancheril, Tara Rosling
Duração: 51 min.

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