- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
Backdoor pilots, jargão da indústria televisiva que indica a inserção de pilotos de séries spin-off em séries estabelecidas, são extremamente comuns e dois ótimos exemplos recentes a partir de uma mesma obra são as três séries derivadas de The Mandalorian, mas há inúmeros outros como é corriqueiro nas séries da DC da The CW e assim por diante. No entanto, um backdoor pilot continua sendo um episódio da série em que é inserido e precisa seguir algumas regrinhas, como, por exemplo, ser um episódio da série em que é inserido e não algo basicamente solto que para a narrativa principal para abrir as portas para outra coisa.
Terra Firma, Part 2 vem confirmar meu maior temor: que o episódio duplo focado na cura da doença espaço-temporal da Imperatriz Philipa Georgiou não é mais do que uma maneira de a CBS abrir caminho para uma série da misteriosa Seção 31. Nada de errado nisso se não estivéssemos falando de dois episódios quase que integrais dedicados a isso, em uma história completamente paralela, sem nenhum tipo de interferência na principal, que só é vista em pequenos e, tenho que admitir, irritantes trechos feitos para não esquecermos o que estamos assistindo, mas sem que haja efetivos avanços narrativos.
Chega a ser inexplicável essa escolha dos showrunners, resultando em um gigantesco filler que, ainda por cima, como uma cereja estragada em um bolo solado, não conta uma boa história. Se o retorno para o Universo Espelho no episódio anterior foi interessante porque aconteceu em um momento em que estamos já completamente acostumados com os personagens de Discovery, algo que não aconteceu lá atrás na 1ª temporada, a insistência em permanecer por lá para marretar o óbvio, que essa Georgiou não é mais a mesma Georgiou que saiu de seu universo original, cansa terrivelmente, sem acrescentar nada, sequer um segundo de algo que já não sabíamos. Até mesmo toda a gigantesca sequência de “reabilitação por tortura” da outra Michael, a reviravolta e o final que leva à morte dela por sua mãe, além da forma como a entidade galáctica aleatória que a tudo assiste e que gosta de se chamar Carl reage ao ocorrido, é uma ode ao que é mais óbvio e mais telegrafado (e eu sei que os Guardiões da Eternidade são canônicos da série, mas isso não faz deles algo bom).
Não que a sequência de eventos não faça sentido, pois ela faz, mas daí a oferecer uma narrativa para lá de banal que se vale apenas de atuações afetadas e histriônicas do elenco e de risíveis maquiagens pesadas e penteados “vilanescos”, são outros quinhentos. A única subtrama que funcionou razoavelmente bem – perdendo pontos para a elipse temporal mal trabalhada pela direção de Chloe Domont – foi a de Georgiou com o Saru desse universo e sua evolução. Falar da verdadeira natureza do Vahar’ai e simplesmente cortar para o Kelpian portando armas de fogo é de uma preguiça tão grande do roteiro que deu vontade de desligar a televisão.
E o mesmo vale para a reviravolta da reviravolta que leva a um combate pouquíssimo inspirado na prisão da nave, como se Domont tivesse percebido o fraco material que tinha em mãos e estivesse mais é com vontade de acabar tudo rapidamente, sem maiores cuidados para apresentar um mínimo de tensão, perigo ou uma fagulha de sentimento genuíno. Fazer caras e bocas e soltar grunhidos empunhando phasers, adagas e espadas não é a melhor maneira de dar a entender que a pancadaria é séria. Se muito, o efeito é justamente o contrário.
Já que só estou reclamando, vou continuar. Esse negócio de ficar fazendo relatório e pedindo bênção para o Almirante Vance já cansou. Sei que os showrunners estão, com isso, querendo dar algum semblante de hierarquia à série, mas essa subserviência e essas “paradas para explicações” não cumprem função narrativa alguma que não seja ocupar mais espaço ainda dos episódios. Não é necessário ver ou mesmo ouvir Vance. Basta inserir uma pequena frase aqui e ali, esporadicamente, sobre como aquela missão ou o uso de determinada tecnologia foi autorizado e pronto, está mais do que bom.
No meio desses problemas todos, pelo menos há uma boa notícia: ao que tudo indica, o desvio narrativo acabou e as coisas podem, agora, voltar aos eixos. Georgiou foi-se lá para a série dela, Michael chorou e brindou pela perda de sua segunda mentora e pronto, águas passadas que, espero, não voltem mais. Faltam só mais três episódios e eles terão que cortar um dobrado para compensar a barriga causada por The Sanctuary e Terra Firma. Só resta torcer para que consigam.
Star Trek: Discovery – 3X10: Terra Firma, Part 2 (EUA, 17 de dezembro de 2020)
Showrunners: Alex Kurtzman, Michelle Paradise
Direção: Chloe Domont
Roteiro: Kalinda Vazquez (baseado em história de Bo Yeon Kim, Erika Lippoldt e Alan McElroy)
Elenco: Sonequa Martin-Green, Doug Jones, Anthony Rapp, Mary Wiseman, David Ajala, Wilson Cruz, Rachael Ancheril, Michelle Yeoh, Tig Notaro, Emily Coutts, Blu del Barrio, Oded Fehr, Janet Kidder, Paul Guilfoyle
Duração: 49 min.