- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
No primeiro episódio da temporada, vimos Michael sozinha tentando se adaptar ao estranho futuro em que a Federação não mais existe e fazendo par com o ambientalista Book. No segundo, foi a vez da tripulação da Discovery chegar a esse futuro, tendo que enfrentar ameaças genéricas em um planeta gelado somente para descobrirmos, ao final que a nave chegou um ano depois de Michael. E agora, no terceiro, a reunião entre Michael e a tripulação acontece de verdade e descobrimos o que afinal aconteceu com a Terra depois da chamada Combustão.
People of Earth começa com um momento que deveria ser emocionante, ou seja, Michael, depois de quase já ter perdido as esperanças de rever seus amigos e colegas, sendo recebida por eles com enorme felicidade à bordo da Discovery e, ato contínuo, cedendo em definitivo a cadeira de capitão a Saru. O problema é que não sentimos verdadeiramente essa emoção, que é construída a toque de caixa em um preâmbulo que tenta cobrir o ano quase solitário de Michael no futuro e que em tese, mudou-a para sempre – e para além do novo penteado -, tornando-a mais… hummm… não sei bem o que, já que, aqui também, não percebi mudança alguma. Ela continua impetuosa, não muito preocupada em seguir a hierarquia de comando e assim por diante, ou seja, ela mudou para, na verdade, não mudar nada.
Protegendo o valioso dilítio com a capacidade de camuflagem da nave de Book e rumando para a Terra com o motor de esporos na esperança de que uma mensagem de 12 anos de idade interceptada por Michael vinda do almirante Senna Tal, dizendo-se da Federação, indicasse um caminho para reconstruir o que foi perdido, a tripulação da Discovery é recebida de maneira menos do que ideal pela beligerante capitã Ndoye (Phumzile Sitole) da Força de Defesa da Terra Unida, que invade a nave com inspetores. O conflito estabelecido serve para ratificar que a Federação realmente se foi, ainda que me incomode profundamente que Michael não soubesse do que aconteceu com a Terra ao longo dos anos, já que por mais ocupada que ela tenha ficado sendo courier, diria que esse deveria ter sido o foco de sua atenção e pesquisa. Seja como for, a Federação pelo menos na Terra não mais se encontra, com o planeta passando a ser isolacionista, muito mais preocupado em proteger-se a todo custo do que estabelecer comunicação com qualquer um de fora.
Isso vale para os piratas espaciais comandados pelos misterioso Wen (Christopher Heyerdahl, da família do aventureiro Thor Heyerdahl) que, para surpresa de absolutamente ninguém, não só é humano, como está em condição periclitante onde vive em Titã, justamente pela forma como a Terra tornou-se uma ilha isolada de tudo e de todos e desconfiando de qualquer um que se aproxime dali. Com isso, o roteiro de Bo Yeon Kim e Erika Lippoldt faz o que precisa fazer para mostrar que o ideal da Federação persiste na Discovery e que conversar é sempre a melhor saída para conflitos. Sim, é um tantinho brega e conveniente, com a ação não-sancionada de Michael e Book falhando em realmente criar algum nível de tensão, mas a mensagem é bonita e mostra que Saru e sua tripulação estão dispostos ao que for necessário para reconstruir a utopia dos planetas unidos com um objetivo comum. Como isso será feito é a chave para que a temporada realmente funcione.
Mas o episódio tem também a função de nos apresentar a Adira (Blu del Barrio, pessoa não-binária que representa o primeiro personagem não-binário da franquia, ainda que, no episódio, a identidade de gênero não seja abordada), um dos investigadores vindos da Terra que mostra interesse acima do normal pela Discovery, recorrendo até mesmo à sabotagem para forçar a permanência prolongada deles na nave para estudar o motor de esporos. Mostrando interesse em permanecer na nave, Adira certamente será mais uma conexão importante com esse futuro distópico que, diria, ainda não foi apresentado corretamente na série. Mais importante que isso, Adira hospeda um simbionte Trill, ser senciente já conhecido da franquia Star Trek que acumula as memórias de todos os seus demais hospedeiros, pelo que é revelado, ao final, que Adira também é o almirante Tal e, com isso, potencialmente tem conhecimento sobre o que efetivamente sobrou da Federação.
People of Earth foi mais um episódio de construção, portanto. Temos que aceitar de maneira um tanto artificial a reunião de Michael com a Discovery somente para que seja demonstrado que o espírito da Federação ainda vive (e seria estranho se não vivesse, pois, para a Discovery pelo menos, o passado foi há poucos dias). O reerguimento da Federação é, claro, o objetivo principal da equipe agora que todos estão reunidos e, pelo que pude entender, Book não fará parte integral desse processo, o que é um desperdício de um interessante novo personagem que sequer teve a oportunidade de ser desenvolvido. Ainda falta algo para a 3ª temporada de Discovery realmente deslanchar e espero que isso não demore a acontecer, pois agora não há mais desculpas para que ela não posso de fato ir aonde nenhuma outra série da franquia jamais foi.
Star Trek: Discovery – 3X03: People of Earth (EUA, 29 de outubro de 2020)
Showrunners: Alex Kurtzman, Michelle Paradise
Direção: Jonathan Frakes
Roteiro: Bo Yeon Kim, Erika Lippoldt
Elenco: Sonequa Martin-Green, Doug Jones, Anthony Rapp, Mary Wiseman, David Ajala, Wilson Cruz, Rachael Ancheril, Michelle Yeoh, Tig Notaro, Emily Coutts, Blu del Barrio, Christopher Heyerdahl, Phumzile Sitole
Duração: 48 min.