– Contém spoilers do episódio. Leiam nossas críticas dos filmes e séries de Star Trek, aqui.
Já no quarto episódio dessa primeira temporada de Star Trek: Discovery, podemos enxergar com maior clareza como a estrutura narrativa da série irá prosseguir, adotando traços procedurais da série original, enquanto que uma história única é desenvolvida com o passar das semanas. Embora nos apresente a uma problemática central, que aparece através de um pedido de socorro, mais do que costumeiro nesse universo, The Butcher’s Knife Cares Not for the Lamb’s Cry claramente funciona como continuação direta do capítulo anterior, Context is for Kings, que fora finalizado com a descoberta de que Lorca trouxera à bordo da Discovery a criatura que atacara Michael e os outros na U.S.S. Glenn.
Vem como grata surpresa, portanto, que o uso para tal ser já seja trabalhado logo aqui, tudo enquanto a questão ética dessa utilização de um ser vivo é colocada em questão, através da empatia de Burnham pelo chamado Ripper (ou Estripador na tradução oficial). Naturalmente que isso abre um diálogo direto com a série original sessentista, mostrando que ainda estamos distantes dos ideais da Federação que conhecemos, ponto que efetivamente nos faz sentir como se estivéssemos diante de um prequel, noção bem trabalhada pelo roteiro de Jesse Alexander e Aron Eli Coleite, que não resumem essa percepção à tecnologia utilizada.
Enquanto que a tripulação da Enterprise se recusava a matar até mesmo tribbles, por exemplo (que, aliás, possuem um representante na sala de Lorca), os membros da Federação exibidos aqui não hesitam em fazer uso do Estripador para seus próprios fins, encarcerando e mal-tratando a criatura, que claramente sofre a cada “pulo” feito com os esporos. Burham notadamente conta com menos tempo em tela nesse episódio, mas sua presença é sentida e sua importância é explícita, ao passo que ela própria descobre o que o ser estava fazendo na U.S.S. Glenn, além de ser a única a se importar com o bem-estar desse alienígena, ponto perfeitamente contrastado com seus embates com Saru no capítulo, especialmente quando ela faz uso das membranas de medo do oficial para determinar a natureza do “monstro” encarcerado.
Claro que a personalidade implacável de Gabriel Lorca é justificada pelos tempos de guerra, mas, a cada momento, sentimos como se o capitão não se importasse com as vidas perdidas e sim, unicamente, com a vitória – seu foco, portanto, estaria nos recursos perdidos caso o planeta de mineração fosse perdido e não nos habitantes locais. Isso é bem mostrado quando ele transmite o pedido socorro dessa população para toda a nave, sem exibir qualquer reação, praticamente manipulando todos a, enfim, enxergarem a real situação. Não que suas ações, até agora, sejam erradas ou até anti-éticas (excetuando o uso da criatura), mas é deixado aquele ar de que ele segue sua própria agenda.
Nesse aspecto, The Butcher’s Knife Cares Not for the Lamb’s Cry funciona de maneira muito mais linear que seus antecessores, com todos os aspectos da trama girando em torno desse único ponto. E aqui entramos no grande deslize do episódio: os klingons. Não apenas as sequências focadas na raça inimiga soam desconexas do restante do episódio (não da temporada como um todo), como os diálogos em klingon novamente são afetados pela extrema lentidão. Entendo, claro, a preocupação dos showrunners em ser o mais fiel possível a esse universo como um todo, mas isso é feito à custo da fluidez narrativa, prejudicando até mesmo o trabalho dos atores, que já devem lidar com as próteses e pesadas maquiagens dessa raça, seria, talvez, menos elegante, mas mais eficiente, ter tais diálogos em inglês, dando a entender que, na realidade, estão falando em klingon, como já é feito em inúmeras obras por aí.
Ainda que esse preciosismo da produção, sim, impacte nosso aproveitamento geral do episódio, somos habilmente levados de volta ao que interessa e a montagem faz bom uso dessas interrupções a fim de empregar elipses, que mantém a agilidade do restante da narrativa, enquanto passa a noção de passagem de tempo. Em razão disso, o clímax do capítulo funciona perfeitamente, sendo rápido, mas dramático. Aliás, notaram como o “pulo” da Discovery se assemelha com a nave que Spock utiliza quando volta no tempo em Star Trek, de J.J. Abrams? Pode ser que estejamos diante apenas de uma referência visual, mas essa tecnologia pode acabar sendo desenvolvida por outros caminhos, além do deslocamento espacial.
Com isso, The Butcher’s Knife Cares Not for the Lamb’s Cry prova ser mais um eficiente episódio de Star Trek: Discovery, ainda que seja impactado negativamente pelas sequências focadas nos klingons. Resta torcer para que essa história paralela, do lado inimigo, não continue a prejudicar a narrativa da série, já que, a trama principal mais do que mostra a força dessa série, que, a cada semana, prova ser uma bela adição a esse universo.
Star Trek: Discovery – 1X04: The Butcher’s Knife Cares Not for the Lamb’s Cry — EUA, 8 de outubro de 2017
Showrunner: Gretchen J. Berg, Aaron Harberts
Direção: Olatunde Osunsanmi
Roteiro: Jesse Alexander, Aron Eli Coleite
Elenco: Sonequa Martin-Green, Doug Jones, Shazad Latif, Anthony Rapp, Mary Wiseman, Jason Isaacs, Rekha Sharma, Emily Coutts, Julianne Grossman, Grace Lynn Kung
Duração: 48 min.