Leia aqui a crítica da 1ª Temporada de Space Force
“Aruba, Jamaica, oh I want to take ya
Bermuda, Bahama, come on pretty mama
Key Largo, Montego, baby why don’t we go, Jamaica”– Kokomo (Beach Boys)
A 1ª Temporada de Space Force rodeou assuntos trumpistas, desenvolveu a amizade entre o General Naird (Steve Carell) e doutor Mallory (John Malckovich) e criou otimismo em meio à ignorância política e militar com uma comédia irônica ao realismo que a série proporciona em seu drama visual. Parecia uma produção séria que utilizava frequentemente o artifício narrativo de walk and talk, e mantinha sua simpatia através de seu design de produção com bastante CGI. Greg Daniels e sua equipe de diretores, por vezes, pareciam mais se preocupar com uma série Netflix vistosa e sequencial do que com a boa comédia que alcançava pela sátira comedida de um setor das forças armadas americanas. A 2ª Temporada vai completamente para outra direção.
É algo comum em Greg Daniels ser um “showrunner de testes”, algo observado nas várias alterações que ele fazia de temporada a temporada em The Office, e sua preferência por um número menor de episódios na 1ª Temporada, nos seus contratos com a TV aberta dos EUA. Na Netflix, o público de streaming é outro, a necessidade de ganchos e a essência da maratona definem o meio serializado da empresa.
Então, mesmo com Space Force tendo sua primeira parte má recebida pela crítica e os números positivos do público preservarem uma intriga maior do que uma aceitação apaixonante; de maneira até inesperada, essa 2ª Temporada é mais episódica, tem apenas um diretor para todos os episódios, fecha com menos de 10 episódios e abandona a estética séria do cenário político. Tudo é enxuto, até mesmo o orçamento, número de personagens e duração dos episódios, se aproximando mais da sitcom, de The Office, Parks and Recreation e Brooklyn Nine-Nine. Mas sem esquecer das premissas do começo da série, criando maneiras objetivas e dramáticas de desenvolver e encerrar tramas pelo ponto de partida reverso do que se esperava de Naird com o gancho de sua fuga na 1ª Temporada.
Como uma boa comédia que usa humor, a tal quebra de expectativa, o segundo ano de Space Force aposta em aproximar o grupo seleto de personagens em torno do chefe Naird, após ele desobedecer às ordens do presidente dos EUA. Como muita cara de produção feita durante a pandemia, e esfriando o tom político depois de Biden assumir o cargo presidencial, Greg Daniels desenrola uma espécie de The Office sem Michael Scott, mas com um dos melhores diretores que trabalharam na sitcom de falso documentário: Ken Kwapis. Assinando todos os episódios, Ken consegue integrar a comédia e o drama com direções episódicas, objetivas e sempre priorizando o escopo de atores, como indicam os roteiros. Toda a ironia política do primeiro, recai a um senso metalinguístico da produção, e representa os EUA em uma situação menos ofensiva militarmente, criando o humor a partir de sensíveis fragilidades dos personagens.
A trama da 2ª Temporada admite um corte de custos da Space Force, segmento das forças armadas, após os problemas da viagem à Lua com os chineses. As consequências são levadas em conta, em que o julgamento de Naird se alinha entre o drama e a comédia pelos bastidores do protagonista com seus subordinados satisfeitos em trabalhar com o chefe, focando radicalmente nas tramas que sobraram. A adição foi JayR Tinaco como Xyler. Com isso, a metalinguagem se faz pela necessidade da série encurtar roteiros e tempo de trabalho com os atores pelo menor custo em relação ao primeiro ano, assim como a ficcional Space Force da série também corta gastos. Até mesmo Jimmy O. Yang, que interpreta o cientista Chan, assume o cargo editor de roteiros e roteirista do episódio diplomático com a China, um dos indicativos da temporada que reverte a narrativa mais grandiloquente de um setor do governo americano, fazendo os EUA pós-Trump necessitando conversar com o país socialista.
A partir daqui há alguns spoilers
Essa fragilização americana retira a comédia mais escrachada da série, porque também não tem antítese com o realismo estético de antes, no qual Ken Kwapis evita essa moda Netflix para atrair espectadores mais distraídos. Logo, os personagens ficam menos irreais e a fantasia otimista típica de Greg Daniels se torna emocionante. O namoro de Chan e Ali (Tawny Newsome) não vai ao extremo da galhofa na indecisão de Ali querer estar com Chan, até porque Ken Kwapis tem experiência com comédias românticas.
Ao mesmo tempo, essa trama é bastante relevante para que os personagens se fixem na Space Force, quando toda a 2ª Temporada indica uma narrativa de falha, como se Space Force recomeçasse para mostrar a falha sequencial nos “episódios episódicos”, como Naird precisa esperar 4 meses para ser humilhado enquanto é reconhecido como bom chefe e pai. O drama paterno que Steve Carell tem aprendido a fazer no cinema, volta aqui sem um drama realista demais que havia no começo da série, e é dividido com Adrian Mallory. Os personagens se conectam de maneira natural, como Erin (Diana Silvers) se tornar estagiária de Space Force já fosse parte da série, ou Tony (Ben Schwartz) fumar um baseado com Brad (Don Lake) não criasse nenhuma estranheza com os conflitos que os personagens tinham por discordâncias geracionais.
É verdade que a perda da narrativa sequencial atrapalhe espectadores acostumados ou fãs da 1ª Temporada, mas o reset que Greg Daniels formulou não é apenas assertivo em enxugar a produção com sucesso, mas principalmente quebrar a expectativa pelo o desenvolvimento fantasioso otimista mais sutil em meio às junções dos episódios com menos conexões. A iminência da destituição da Space Force parece seguir a expectativa de Greg Daniels, de que a série possa acabar em sua 2ª Temporada, e isso não impede que a trilha sonora monotemática seja usada para a saída de um cálculo renal em Naird. Estranhamento e, positivamente, torcer por Naird, mesmo quando ele não parece ter chance de ficar no cargo, é o único caminho. Só não é mais estranho os russos, de certa forma, salvarem a Space Force, quando ironicamente o plano teatral de Naird de fragilização é apoteótico para a conquista e a tragédia no final do sétimo episódio.
Se o gancho do primeiro ano era forte demais, ou até sem sentido para o desenvolvimento de Naird ter a consciência da não-violência na Lua, contra os chineses, o gancho dessa temporada é ainda mais simbólico do reset que verdadeiramente ela é. Quando Kokomo, música dos Beach Boys, voltou a fama com Steve Carell dançando para se desestressar e tomar uma decisão de lançar um satélite no piloto de Space Force, melhor ainda são os seus subordinados cantarem tal música olhando para cima, prestes a cair um meteoro. Diante desse final bem aberto, se pergunta: que otimismo é esse, Greg Daniels? É assim que ele alcança o humor supremo com tão pouco e de maneira tão significativa, depois de começar a série com os personagens brincando com corrida de cadeira. Esse é o grande ponto reverso em desenvolvimento, que só cantando poderia ser demonstrado.
Space Force – 2ª Temporada (EUA – 18 de maio de 2022)
Criação: Greg Daniels, Steve Carell
Direção: Ken Kwapis
Roteiro: Steve Carell, Lauren Houseman, Brent Forrester, Kim Tran, Jimmy O. Yang, Norm Hiscock, Mamoudou N’Diaye
Elenco: Steve Carell, John Malkovich, Ben Schwartz, Diana Silvers, Jimmy O. Yang, Tawny Newsome, Noah Emmerich, Alex Sparrow, Don Lake, Lisa Kudrow, Jane Lynch, Chris Gethard, Diedrich Bader, Patrick Warburton, Larry Joe Campbell, Aparna Nancherla, Tim Meadows, JayR Tinaco, Jon Lovitz, Tim Chiou, Richard Ouyang, Terry Crews, Jessica Hayles, Patton Oswalt
Duração: 218 min. (7 episódios no total)