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Crítica | South Park: Entrando no Panderverso

Kathleen Kennedy e as mulheres racialmente diversas de South Park!

por Ritter Fan
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Trey Parker e Matt Stone têm mostrado há décadas que, quando se trata de satirizar o cotidiano corrente, South Park não tem paralelo. Sim, a série oscila como toda série longeva oscila, mas a criação da dupla é incrivelmente consistente na forma como aborda assuntos correntes, por vezes tão correntes que eles aconteceram poucas semanas antes de o episódio ou especial ir ao ar. Entrando no Panderverso é mais um dos especiais exclusivos do Paramount+, o quinto, como parte de um milionário – quase bilionário – pacote que renovou a série para mais diversas temporadas, até 2027 e o que a dupla consegue fazer aqui eleva a obra não só ao patamar de melhor especial até aqui, como, também, muito provavelmente, um dos melhores filmes/episódios da franquia de todos os tempos.

É até difícil falar de tudo que o roteiro de Parker consegue condensar em parcos 40 e poucos minutos, mas, em linhas gerais, tudo começa com Eric Cartman sonhando (ou melhor, tendo um pesadelo) que ele e seus amigos foram alterados para mulheres racialmente diversas, com ele mesmo sendo uma afrodescendente. Esse é o fantástico estopim para o especial falar da inclusividade que parte da população defende com unhas e dentes e outra parte ataca também com unhas e dentes, em meio a sátiras sobre o uso do multiverso como preguiçosa muleta narrativa de obras audiovisuais, a inteligência artificial substituindo a criatividade que ganha reflexo no recorte da crescente dependência das pessoas por outros para lidar com os problemas mais mundanos do cotidiano, como é consertar a porta de um forno que Randy Marsh ensina a seus filhos que, para fazer, isso, eles têm que ligar para um faz-tudo. Ah, como poderia esquecer, como uma evolução dessa dependência, o episódio ainda consegue inverter a lógica entre ricos e pobres e ainda cutucar os Elon Musks da vida.

Como eu disse, é um episódio de uma riqueza e dinâmica incríveis que causa tantas risadas por minuto que fica até difícil assistir sem pausar para parar de rir antes de continuar. Afinal, a grande marca de South Park é e sempre foi lidar, criticar e satirizar ambos os lados de uma discussão. Ao colocar logo Cartman como alguém que não aceita a diversidade racial, Trey Parker alfineta simultaneamente as empresas que fazem disso uma bandeira unicamente para ganhar dinheiro e não realmente com o objetivo de promover a inclusividade e também aqueles que insistentemente reclamam de cada exemplo de inclusividade, esbravejando aos quatro ventos que é um absurdo que se coloque mulheres, negros, gays, nativos, asiáticos ou, em linhas gerais, qualquer pessoa que não seja homem branco heterossexual naquilo que consomem como parte de uma estratégia maquiavélica de subversão do mundo róseo em que eles vivem.

Para fazer isso de maneira eficiente, Parker usa exatamente a mesma estratégia de Martin Scorsese quando escolhe falar da Disney/Marvel como exemplo do paupérrimo estado atual da indústria cinematográfica, discurso que muitos insistem em interpretar restritivamente, como se o octogenário diretor estivesse falando do conglomerado do Mickey. Com isso, o roteiro faz de Cartman o porta-voz anti-Disney e sua alegada estratégia de inclusividade, destacando Kathleen Kennedy (coitada!), não ironicamente com voz de Kimberly Brooks, uma atriz afrodescendente, como a culpada por tudo de ruim no mundo do entretenimento. Fazendo um aparte, eu só fico imaginando os advogados da Viacom/Paramount se descabelando toda vez que se deparam com roteiros assim que focam enormemente em celebridades e executivos com um viés muito claramente negativo…

Seja como for, quase tudo funciona maravilhosamente bem no episódio, com as “novas versões” de Stan Marsh, Kyle Broflovski, Eric Cartman e Kenny McCormick, com vozes, respectivamente, de Mo Ashley, Bibi Mama, Janeshia Adams-Ginyard e Diana Lauren Jones em trabalhos primorosos que mantêm as características originais dos personagens, mas sem perder suas identidades próprias, sendo, obviamente, os grandes destaques, seguidas das duas versões de Kennedy e, claro, o desesperado Bob Iger de Adrien Beard. Do lado de Randy, que passa boa parte do episódio tentando achar alguém para consertar a porta de seu forno e acaba sendo essencial para resolver o problema do multiverso em uma daquelas confluências narrativas tão bizarras que são sensacionais, a discussão sobre preguiça, dependência de outros e da internet para fazer tarefas banais é um complemento que até pode parecer estranho, mas que se encaixa muito bem no enlouquecido contexto geral.

A única razão para eu dizer “quase tudo funciona” no episódio é que eu não sei posso realmente afirmar que as críticas à inteligência artificial foram tão bem estruturadas quanto todas as demais. Elas me pareceram, ao contrário, rasas e quase que jogadas de qualquer jeito em um contexto maior que não necessariamente precisa da I.A. como parte integral para funcionar. Talvez tenha sido um elemento inserido posteriormente no roteiro ou talvez simplesmente a linha narrativa tenha se perdido com a inserção de tantas outras mais completamente interligadas, mas eu achei que foi um aspecto que ficou solto na complexa malha criada por Parker. Não que isso retire o absoluto prazer que é assistir Entrando no Panderverso, mas é algo que me incomodou.

Depois da decepcionante segunda parte de Guerras do Streaming, os especiais de South Park retornam com força total com Entrando no Panderverso. Quando o episódio acabou, quase senti esgotamento mental dado o dilúvio de acertadas críticas e sátiras sobre os mais diversos assuntos que, magicamente, conseguem convergir quase que completamente para uma história una, apesar de maravilhosamente tresloucada. Não sei quanto a vocês, mas não só gostaria de ver “as mulheres racialmente diversas” de South Park retornando, como, talvez, a franquia possa dedicar um episódio mais fortemente à inteligência artificial para compensar a abordagem deslocada aqui.

P.s.: A expressão “panderverso” tem relação com o verbo “to pander” em inglês que significa “agradar”, mas carregando uma conotação negativa, como “fazer qualquer coisa para agradar todo mundo”, o que é exatamente o que Cartman acusa a Disney, representada por Kathleen Kennedy, de fazer e, com isso, “estragar” tudo o que foi estabelecido antes naquela típica choradeira de gente insegura.

South Park: Entrando no Panderverso (South Park: Joining the Panderverse – EUA, 27 de outubro de 2023)
Direção: Trey Parker
Roteiro: Trey Parker
Elenco: Trey Parker, Matt Stone, April Stewart, Mona Marshall, Adrien Beard, Kimberly Brooks, Janeshia Adams-Ginyard, Mo Ashley, Alice Ghostlie, Diana Lauren Jones, Montana Jacobowitz, Luis Perez, Adrien Beard
Duração: 48 min.

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