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Crítica | Soul Kitchen

por Luiz Santiago
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Soul Kitchen (2009), de Fatih Akin, cineasta turco-germano, satiriza a vida em Hamburgo no final dos anos 2000, especialmente a vida dos muitos imigrantes da região, algo que podemos estender para a Europa inteira e ainda lembrar que a imigração é motivo de preocupação de vários governos no Velho Continente.

O longa conta a história de Zinos Kazantsakis, um jovem grego dono do restaurante que dá título ao filme e que tem a Caixa de Pandora de sua vida aberta: a namorada está prestes a viajar para Xangai, a Receita Federal passa a extorquir-lhe dinheiro e um antigo companheiro de escola interessado no Soul Kitchen faz de tudo para comprar o estabelecimento, mas diante da recusa de Zinos, começa a fazer falsas denúncias para as autoridades fecharem o espaço. Além disso, Zinos sofre com uma hérnia em estado avançado e tem que lidar com o irmão em liberdade condicional.

Fatih Akin acerta na direção e no tom dessa sua primeira comédia. Os atores são visivelmente livres para improvisações e composição solta das personagens, mas no tocante à emoção e psicologia, fixam um limite admirável, sem mudanças exorbitantes de emoção. O mais interessante é que cada um dos que estão em cena integram a sua presença à comicidade da outra, de modo que uma longa sequência como a da festa da sobremesa afrodisíaca, por exemplo, além de ser muito engraçada, possui uma interação cênica formidável e em matéria de cinema, tem um sabor especialmente autoral, já que nada se repete e a dinâmica composição dos quadros dá uma enorme fluidez ao que o espectador vê. O filme é um constante trânsito de coisas e pessoas, uma transposição do cotidiano movimentado para a grande tela.

A periferia de Hamburgo retratada no filme parece uma ilha perdida no tempo e ainda carrega um ranço dos “anos frios” de RDA x RFA – vide a sequência do leilão, quando Sócrates xinga o comprador do restaurante de “porco capitalista” como se fosse a maior agressão verbal do mundo. Apesar de ser uma comédia, a película não esconde o desespero, a importância dada ao dinheiro no mundo contemporâneo e a fragilidade das relações humanas.

A apática classe baixa que frequenta o Soul Kitchen é tão ironizada quanto a classe alta que quer destruí-lo, especialmente quando vemos a oposição entre a família rica de Nadine e a pobreza de Zinos. A juventude que desfila na tela é vista como “perdida no espaço”, não possui um plano de vida, não se sobressai, vive e age anonimamente, sem aspirações e destaque. Um profundo senso de alienação ronda a geração captada por Fatih Akin.

A fotografia de Rainer Klausmann opta pelo realismo da composição e tem ares de digital – Akin trabalha, inclusive, com outros formatos de vídeo. O destaque vai para a iluminação das internas noturnas, tanto no Soul Kitchen quanto nos outros bares que são visitados pelos protagonistas. Os ângulos que captam as cenas também chamam a atenção. O filme parece ser visto de longe por uma terceira pessoa que se põe sempre a um plano geral ou médio de distância e tem um peculiar olhar para o que se passa.

Já musicalmente falando, o longa é quase uma elevação espiritual, uma passarela de tendências e versões musicais. Seu uso visita diversos patamares de significados: acentua a dramaticidade ou comicidade das sequências, cria a tensão ou distensão psicológica, dá um caráter simbólico às cenas (volto ao exemplo da festa com a sobremesa afrodisíaca e destaco o momento em que os irmãos se abraçam e dançam juntos), aumenta ou diminui o ritmo interno-narrativo da montagem. Embora haja poucas sequências silenciosas, a enorme quantidade de sons não oprime o ouvido do espectador porque a música é usada sempre com um sentido de composição da imagem ou da sequência, não está lá apenas para preencher o espaço deixado pelo roteiro.

Ao fim da trama, as dificuldades financeiras e os tropeços de relacionamentos entre imigrantes e autoridades ou entre os próprios personagens resolvem-se temporariamente. O filme termina sem alusões morais e traz a esperança em seu bojo: se a vontade de viver e enfrentar as dificuldades for maior que os contras para que o desejo se realize, a via crucis pode terminar ou fazer uma breve parada na mesa de um restaurante, com um jantar para dois e música sugestiva. Com essa trilha arrebatadora, ótimas atuações, roteiro inteiramente cômico mas impiedoso, iluminação simples, arte que preza pelo mínimo necessário, montagem criativa e bem cronometrada e uma direção pontual que amarra muito bem todas as pontas deixadas pela equipe, essa primeira comédia de Fatih Akin tem um sabor exótico de sátira social com o grotesco quase gratuito da vida. O resultado é um filme que encanta os ouvidos, os olhos, e dá cólicas, de tanto de rir.

Soul Kitchen (Alemanha, 2009)
Direção: Fatih Akin
Roteiro: Adam Bousdoukos, Fatih Akin
Elenco: Adam Bousdoukos, Birol Ünel, Catrin Striebeck, Cem Akin, Dorka Gryllys, Jan Fedder, Lukas Gregorowicz, Moritz Bleibtreu, Peter Lohmeyer, Pheline Roggan, Wotan Wilke Möhring
Duração: 100 min.

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