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Crítica | Sorria (2022)

Um eficiente terror sobre os estigmas da saúde mental.

por Felipe Oliveira
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Talvez a primeira coisa que venha em mente ao se deparar com as peças de divulgação de Sorria é o pretensioso Verdade ou Desafio (2018), graças a expressão de um sorriso medonho que cria uma breve lembrança de algo semelhante visto entre as duas produções. Aliás, Smile, o longa-metragem de estreia de Parker Finn carrega uma sensação de familiaridade de maneira fácil, afinal, em termos de história, não há algum ineditismo que possa ser pontuado, contudo, é a grande habilidade de Finn em contar essa história que faz seu debute na direção ser uma das melhores surpresas deste ano.

Expandindo seu curta lançado em 2020, Laura Hasn’t Slept, Finn nos apresenta Rose (Sosie Bacon), psiquiatra de uma unidade de emergência que após presenciar um episódio traumático passa a ser atormentada por um sorriso bizarro e assustador. Essa base simples, em que uma maldição é despertada, seguindo a protagonista até que o ciclo seja quebrado é uma receita frequentemente passada, mas aqui recebe um tratamento inteligente de como usar os elementos e entregar um resultado satisfatório, ainda que familiar. A falta de originalidade termina se tornando um atributo positivo para Smile, justamente por compor de uma trivialidade assertiva que dificilmente tem favorecido o subgênero do terror psicológico, e podemos estar diante de um filme parecido com o potencial de O Chamado (2002) — além da estrutura que também remete a Corrente do Mal (2014) e Premonição 5, não de ser um clássico, e sim pela eficiente execução de Finn em contar uma história recorrente de forma original.

Percebamos como desde os primeiros segundos um dos recursos pontuais para narrativa é utilizado a fim de dar um efeito dramático a uma cena que é evidente: o movimento da câmera. Foi uma maneira certeira de introduzir a um flashback traumático de Rose, para em seguida, acompanharmos como é sua rotina na unidade psiquiatra: ela é uma workaholic que se recusa a deixar de cumprir plantões, provavelmente como fuga ou estratégia de camuflar o trauma de infância. Acompanhando essa apresentação, temos a composição sonora genial de Cristobal Tapia de Veer sempre servindo um equilíbrio a como o suspense óbvio é manipulado, seja no abrir de uma porta ou o tocar de um telefone, a intenção inicial do filme é que não percamos a atenção à movimentação ansiosa da protagonista, e como seu estado entra em colapso, se coloca como o momento chave da direção de Finn numa abertura primordial que alterna entre enquadramento fechados da cinematografia de Charlie Sarroff e planos que lembram a icônica cena de Marion caindo no banheiro em Psicose (1960).

É curioso como Finn utiliza de maneira sagaz o teor de trivialidade da trama, porém, sabe recorrer muito bem aos clássicos como inspiração, a fim de dar outra conotação às cenas. Um exemplo, é como a estrutura de The Ring é percebida durante o segundo ato do filme, dando a impressão de sabermos o que irá acontecer, mas a essa altura, a obviedade pouco importa uma vez que o foco narrativo foi transmitir para a audiência a ansiedade que acompanha Rose, e como sua percepção é abalada após o evento traumático na clínica. Pelo mesmo motivo, é como Finn consegue garantir bons sustos com jumpscares, porque sua execução não estava preocupada em preencher o longa com sustos fáceis e sim de tornar essa história familiar interessante e fazer ressoar a discussão temática. Isso também explica como o sorriso amedrontante que vende o filme não faz parte de um recurso para assustar, e sim, como forma de ironizar as linhas sobre saúde mental que o roteiro discute.

A ideia de enquadramentos inclinados, a câmera virando de cabeça para baixo em rodovias ou em cenas com prédios servem para reforçar o estado emocional hesitante da protagonista, que agora tenta falar o que a atormenta sem ser tratada como louca.  Para quem conhece bem a fórmula, haverá um que dará ouvidos e participará do desfecho que quebra o ciclo, porém, mais uma vez, Finn tinha outras cartas na manga enquanto transitava pelo terreno óbvio da premissa. Assim, nessa concepção de que Rose finalmente começa a perceber as pistas, o roteiro já fazia um retrato sobre os estigmas da saúde mental, seja nos comentários ácidos de Holly (Gillian Zinser) sobre a profissão da irmã ou na caótica cena de aniversário, exemplificando como Rose tem sido vista, ilustram o foco do diretor em expandir seu escopo além de sustos previsíveis.

Nesse jogo genuinamente intenso, é preciso reconhecer como Finn soube como fazer o telespectador seguir a perspectiva de Rose e se vê preso num mistério sufocante que transita entre sanidade e insanidade sem se cansar. E a edição de Elliot Greenberg é um recurso que movimenta muito bem as expectativas ao fazer cortes bruscos durante jumpscares, fazendo uma justaposição de planos e trabalho de som, que, apesar das doses repetidas, é um exercício que sempre acerta graças a como Finn constrói uma atmosfera imersiva a composição sobrenatural das cenas. 

A forma como Sorria se encerra, brinda o uso proposital de Finn de contar uma história familiar, e de tornar a sua execução o diferencial a ser cumprido. Ao usar um espectro sorridente, é como o roteiro manifesta a disposição e pressão social do indivíduo se mostrar constantemente bem, enquanto o estigma em como tratar e discutir a saúde mental cresce — num momento expositivo, a ideia do isolamento é cogitada como alternativa para não lidar e nem mesmo externalizar os traumas. Para uma estreia extremamente assustadora e positiva, Finn se mostra um diretor que tem licença para comandar um terror criativo que passa pelo body horror — o que envolve mais elementos de O Chamado — sabe utilizar o humor, e consegue dar sustos espontâneos. Ou seja, há todos elementos de um longa genérico e popular de horror, mas tão cuidadosamente bem executados que fazem sorrir por isso.

Sorria (Smile – EUA, 2022)
Direção: Parker Finn
Roteiro: Parker Finn
Elenco: Sosie Bacon, Kyle Gallner, Jessie T. Usher, Caitlin Stasey, Kal Penn, Judy Reyes, Gillian Zinser, Robin Weigert, Kevin Peppy, Dora Kiss
Duração: 115 min.

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