Desde sua estreia em 1991, Sonic the Hedgehog estabeleceu-se como um ícone não apenas da SEGA, mas de toda a cultura pop. Com seu visual carismático, velocidade estonteante e personalidade destemida, o ouriço não apenas conquistou corações, mas também definiu uma era para os jogos de vídeo. O legado e o impacto cultural do ouriço azul vão muito além dos consoles, pois permeiam diversas esferas, incluindo a inovação nos jogos, as interações sociais e as expressões artísticas. Saudosas tardes de sábado e domingo, após todas as obrigações estudantis e domiciliares exigidas pelos pais, para logo depois, se entregar aos divertidos espaços atravessados pelos personagens nas desafiadoras fases dos jogos que, em sua dimensão 2D mais simplória que os jogos contemporâneos, nos encantavam e serviam de acompanhamentos ainda muito delineados na memória coletiva de muitas pessoas que, tal como eu, tinham nessas interações, momentos de diletantismo para uma época onde os desafios reais da vida adulta ainda não tinham se desenhado. O terceiro filme, novamente dirigido por Jeff Fowler, chega para resgate de boas lembranças dos nostálgicos, mas não fica só nisso.
Como mencionado anteriormente, nas críticas de Sonic e Sonic 2, o ouriço surgiu num momento em que a indústria dos jogos enfrentava a hegemonia da Nintendo. A SEGA precisava de um mascote que pudesse rivalizar com Mario. Assim, Sonic foi uma resposta perfeita. Seu design, criado por Naoto Ohshima, apresentava uma atitude rebelde e uma estética que ressonava com a juventude da época. O primeiro jogo não só teve um sucesso comercial estrondoso, mas também introduziu uma nova maneira de se jogar: a velocidade. Ao invés de um jogo focado em plataformas lentas e metódicas, Sonic trouxe uma experiência dinâmica que exigia reflexos rápidos e coordenação. Essa inovação estabeleceu um novo padrão para jogos de plataforma. Além da jogabilidade, Sonic influenciou a música dos jogos. A trilha sonora do jogo original, composta por Masato Nakamura, ficou famosa por sua melodia cativante e energia vibrante. A música se tornou um componente fundamental da identidade do jogo, solidificando a conexão entre Sonic e a cultura musical dos videogames, onde a trilha sonora continuou a evoluir, incorporando diferentes estilos e técnicas que refletiam as tendências da época. É um dos pontos altos, inclusive, do filme.
Além disso, Sonic tornou-se um emblema de resistência e adaptação, representando a luta de pequenas empresas de jogos para se destacarem em um mercado dominado por gigantes. As comunidades de fãs em plataformas como Reddit e Twitter cultivaram uma cultura rica em arte, memes e discussões sobre o personagem, refletindo a importância do ouriço azul na formação de uma identidade coletiva. A fervorosa base de fãs e a constante produção de conteúdo gerado pelos usuários demonstram que o ouriço não é apenas um personagem, mas um fenômeno cultural que continua a inspirar e inovar. E tem mais: Sonic também refletiu e desafiou noções sociais desde sua criação. O personagem e sua narrativa frequentemente incorporam temas de amizade, lealdade e coragem frente à adversidade. Essa representação atraiu jogadores de diversas idades, promovendo um senso de camaradagem entre a comunidade. A inclusão de personagens como Tails e Knuckles adicionou diversidade ao universo de Sonic, permitindo uma maior identificação e conexão entre jogadores. E, apesar de ter demorado de chegar ao cinema no formato que funcionasse com eficiência, o universo em questão se tornou um fenômeno.
Dessa vez, com o ouriço já estabelecido, juntamente com sua equipe que traz Tails e Knuckles, a aventura se desdobra diante de uma ação estabelecida logo nos primeiros minutos do filme. Sonic é chamado para colaborar numa missão grandiosa de militares da G.U.N, chefiados pela diretora Rockwell (Krysten Ritter): deter Shadow, um ouriço preto que não é bem um antagonista, mas alguém dominado pela raiva e frustração, despertado de um sono longo, agora interessado em destruir a tudo e a todos. Entre os Estados Unidos, Inglaterra e Japão, as cenas frenéticas desse terceiro filme nos mostram lições pedagógicas por detrás do texto dramático novamente assinado por Pat Casey, Josh Miller e John Whittington: a vulnerabilidade de quem opta pela vingança, a importância da família e do trabalho gerenciado em equipe e a autoavaliação de nossas ações como caminho para lidar com as escolhas que se colocam nos caminhos pavimentados em nossas jornadas cotidianas. Por detrás das numerosas passagens barulhentas de ação constante, há cuidadosas linhas de diálogos para educar as plateias e não deixar o filme se tornar apenas um amontoado de cenas com explosões e lutas.
Diante do exposto, podemos afirmar com tranquilidade que Sonic 3: O Filme, não é uma aventura que recai nas perigosas armadilhas da nostalgia. O mundo interno do personagem é devidamente explorado e entrega os elementos necessários para uma aventura grandiosa, com apelo ao público juvenil contemporâneo, a maioria a acessar o universo do ouriço por meio de animações, diferentemente da geração de quem vos escreve, os marmanjos como eu que, à beira dos 40 anos, rememoram as partidas frenéticas diante do Mega Drive e do Master System. Ao longo de seus 110 minutos de duração, longos para uma animação do tipo, mas não sentidos com pesar por aqui, o filme acerta ao evitar acumular referências e tecer uma série de piadas bobas para o riso fácil. Ao contrário, diferentemente de muitas produções da Marvel, por exemplo, o jogo de citações na produção em questão está corretamente associado aos movimentos dos personagens, numa proposta que utiliza a metalinguagem de maneira favorável, sem cair nos excessos de um texto vazio, preenchido por colagem de referências.
O cineasta Jeff Fowler potencializa a adrenalina em sua terceira inserção na franquia, dinamizando ainda mais o que é apresentado. Captando as nuances do roteiro, dessa vez, os realizadores se mantiveram mais focados na Equipe Sonic, deixando os humanos ainda delineados, mas em segundo plano, com exceção de Robotinik. Novamente interpretado pelo histriônico Jim Carrey, o ator ideal para o personagem, o antagonista ganha uma versão dupla em cena e traduz para a linguagem cinematográfica, o tom escalafobético de sua presença nos games. Algumas piadas, inclusive, perigosamente estabelecidas numa era de tanta sensibilidade dos receptores, criam momentos de constrangimento para os adultos que, tal como eu, podem se perguntar: “será que vai rolar polêmica?”. Espinhos enfiados no bumbum alheio, etc. Até então, não li nada sobre o assunto nas redes sociais, nem em outras plataformas. E que se mantenha assim, afinal, militância vazia tem enchido cada vez mais a paciência de todos. As tais manifestações que surfam em ondas sérias para debater assuntos sem pertinência e “esterilizar” narrativas tem lotado as redes de discussões que não vão a lugar algum.
Em linhas gerais, caro leitor, Sonic 3: O Filme é uma produção que funciona muito bem dentro de sua proposta narrativa e demonstra que, na atualidade, a tradução dos games para o cinema pode ser uma alternativa de entretenimento que dê certo. Com os avanços na seara tecnológica, com os efeitos visuais da gigantesca equipe do filme nos apresentam uma dimensão estética que cumpre o seu devido papel de traduzir o discurso narrativo de uma linguagem para outra. Ademais, mantendo em sua equipe os mesmos nomes das inserções anteriores, Fowler consegue ótimas interações entre o elenco de humanos e as figuras ficcionais digitais com a assertiva direção de fotografia de Brandon Trost e o eficiente design de produção de Luke Freeborn. Na trilha sonora, Tom Holkengorg também consegue manter o nível da textura percussiva de antes, com menções saudosas ao universo das aventuras do ouriço nos jogos, aquecendo os corações dos nostálgicos e mantendo a trilha como associada do desenvolvimento da ação. E assim, melhor que os antecessores, nós já podemos aguardar um quarto filme.
P.s.: Para os que anseiam por cenas pós-créditos, Sonic 3: O Filme oferece material. Basta ficar até o fim, combinado?
Sonic 3: O Filme (Sonic the Hedgehog 3) — Estados Unidos, 2024
Direção: Jeff Fowler
Roteiro: Patrick Casey, Josh Miller, John Witthington, Naoto Ohshima, Hirokazu Yasuhara, Yuji Naka
Elenco: Adam Pally, Bailey Skodje, Idris Elba, Keanu Reeves, Ben Schwartz, Krysten Ritter, Breanna Watkins, Dean Petriw, Debs Howard, Elfina Luk, Frank C. Turner, James Marsden, Jeanie Cloutier, Jeff Sanca, Jim Carrey, Leanne Lapp, Lee Majdoub, Melody Nosipho Niemann, Natasha Rothwell, Neal McDonough, Nicholas Dohy, Shannon Chan-Kent, Tika Sumpter
Duração: 110 min.