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Crítica | “Solar Power” – Lorde

por Matheus Camargo
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“Now if you’re looking for a saviour, well, that’s not me

You need someone to take your pain for you?

Well, that’s not me”

Depois de dois álbuns que redefiniram o futuro do que ouviríamos na música pop, é certo dizer que Lorde tem em mãos o poder de ser o momento mesmo quando não está presente. Seu nome inspira uma geração de novos artistas e cada retorno para a indústria da música é um evento: os gritos de angústia adolescente acompanhados do batom preto se foram, a noite melodramática e intensa de festa passou, e “o que nós faremos quando estivermos sóbrios?” agora ecoa, crepitante e imparável em busca de resposta por quatro anos. Após assistirmos seu desaparecimento no sol, é com essa carga densa e opressiva de expectativa que Solar Power abre os próprios caminhos numa mudança completa. O que nós temos quando um dos maiores nomes da indústria simplesmente a rejeita, se distancia e se propõe a tomar riscos e criar o seu próprio universo, desta vez feito de luz, glória e vislumbres apocalípticos? Uma epopeia ilhada por distanciamento, não-conformismo e certos vacilos que só a tornam mais real. It’s a new state of mind, are you coming, my baby?

De maneira gloriosa, The Path abre os caminhos e estabelece o tom e o lugar do álbum, construindo sua melodia acompanhada dos vocais de Clairo e Phoebe Bridgers, duas integrantes desse universo que junto de Lorde, criam uma parte importante do sentimento místico que permeia as faixas por meio das harmonias que crescem na esperança de que o sol nos mostre o caminho. Liricamente, é o afastamento, a negação definitiva da imagem de salvadora: e cada verso exprime um mistério arrebatador que nos instiga a não apenas observar os céus se abrirem, mas fazer parte dessa história. A faixa-título, principal single do trabalho, transforma todo mistério em alegria, tomando para si a narrativa de sua vida, alternando entre o deboche e deleite num hino de verão perfeito que explode nos últimos segundos numa celebração da simplicidade da vida. E é nessa simplicidade que California desliza, mais sóbria, menos épica, reconta sua escalada súbita e inesperada até a fama e os fantasmas que a acompanharam. É um adeus simplista a imagem do amor superficial e imagético pelo mundo das celebridades. Numa produção minimalista, mas cheia de camadas, a artista parece entrar numa divagação retraída: “It’s just a dream / I wanna wake up, I wanna wake up”.

Mudando o foco, encontramos momentos que se distanciam da positividade extrema, dourada, e somos apresentados a vislumbres melancólicos ou apocalípticos. Em Stoned At The Nail Salon, a felicidade lida com a divergência, numa dissociação daquela realidade, seus pensamentos tomam conta e nos levam numa atmosfera de ópio, e tudo que existe são suas concepções em embate. Suas dúvidas e receios flutuam de forma tão palpável num folk prismático, acústico, calmo. Além de tudo, é principalmente uma realização, o provável ponto de partida da compreensão de que as coisas precisam mudar: “But it’s time to cool it down / Whatever that means”. Após as dissociações, há o assentamento insurgente de Fallen Fruit. É uma mudança necessária, chamativa, que estabelece uma discussão sobre a atual crise climática, e, também, uma fuga. É o cântico de uma revolução que chama a atenção para a nossa relação com o mundo em que vivemos – ou o que sobrou dele. Urgente e transformadora, sua quebra de expectativa é potente, numa ponte etérea que resulta num final explosivo em sentimentos. As cinco primeiras faixas são de uma excelência provocativa, revelando facetas profundas e mutáveis, explorando diversos lugares dessa orla, e o que parece ser uma mudança de ares é só um raro despertar apocalíptico. 

A partir deste ponto, o álbum perde a sua força, começando por Secrets from a Girl (Who’s Seen it All). Conceitualmente, temos uma das canções mais interessantes de sua carreira. Durante os anos, sua imagem foi construída fortemente em cima do sentimento universal de ter “medo de envelhecer”, com os versos de Ribs retumbando geração após a outra. Com maestria, manda uma mensagem de luz para seu antigo “eu”. Entretanto, é musicalmente insuficiente, levada pela composição e, quando tem a oportunidade de crescer, desmancha na outro falada (e desnecessária) de Robyn. Em contraponto, o sol não se mantém no céu o tempo todo e, quando se põe, encontramos outro tipo de brilho fugaz: o retorno dos devaneios. The Man With The Axe é genuína e vulnerável, suas múltiplas vozes se reunem com a produção detalhada. Ella deixa que as palavras a devorem e reflete na sua relação com o mundo da música, o amor, a perda e suas infinidades. Dominoes inverte o jogo num outro ponto fraco, soando esquecível em seus dois minutos de crítica a alguém que segue forçadamente a trend de bem estar inspirada num exagero sobrenatural onde a “luz e amor” cura tudo (curioso, não?).

Apesar de coerentes, existe um engasgo temático, uma quebra constante nessa segunda parte que impede que o álbum flua naturalmente. Saímos da ironia e encontramos no seguinte instante Big Star, uma canção dolorosa, precisa e verdadeira sobre Pearl, seu falecido animal de estimação. Se comparando com a luz que o mesmo trazia a sua vida, seus atritos com Liability são cruéis: “But every perfect summer’s gotta say goodnight”. Num álbum sobre a preciosidade da vida, encontrar uma música sobre luto é certamente destrutivo, o que reflete em sua voz, que canta com tamanha delicadeza, se infiltrando nas brechas em angústia, sua tristeza toma espaço. Em outro esparso acordar de catástrofe, Leader Of a New Regime serve como uma interlude, mas não é bem sucedida em entregar elementos sonoros que passem a sensação de estarmos frente ao fim – seja da esperança, da vida, do planeta. 

Mood Ring funciona como forma de enfrentamento: Lorde se rende e recorre aos estereótipos satíricos da busca pelo espiritual e as centenas de ferramentas que o capitalismo oferece – mood rings, cristais, saudações ao sol. É divertida, deliciosamente pop, e apesar da crítica a essa cultura, se coloca num local empático em relação às buscas que fazemos na intenção de preencher um tipo de vazio no mundo atual. Em seus sete minutos de duração, Oceanic Feeling fecha o álbum com uma enxurrada de pensamentos e confissões num instrumental progressivo, mas que pouco varia, mesmo com os muitos sentimentos expressados: da rejeição ao passado até a gratidão pelo futuro, imagina os seus multiversos e abraça cada um deles. Quando está próxima de acabar, mostra que a sua busca é interminável e admite: “Oh, was enlightenment found? / No, but I’m tryin’, takin’ it one year at a time”. Este é apenas o começo da sua heroica marcha.

Solar Power é uma jornada complexa e corajosa de uma artista que vê luz, vida e paixão em se reinventar. Essa caminhada é afetada por alguns tropeços, como a crítica excessiva que não é tão bem polida. Em alguns momentos, Lorde se aproxima de ser o alvo do próprio criticismo, propositalmente ou não, a obsessão por sentir o peso da fama de maneira diferente é cansativa de acompanhar, e no meio do trabalho, seu impacto começa a se esvair. Porém, quando tem seus momentos de brilho, os raios solares invadem toda fresta com o fervor azul-amarelo festejante: mas não é apenas sobre o sol. É, também, sobre o mormaço. Sobre o entardecer onde a euforia da manhã continua viva, mas amena, perdida de uma boa maneira nas emoções catárticas que acompanham o significado de mudar

Aumenta!: The Path
Diminui!: Dominoes
Minha canção favorita do álbum: Fallen Fruit

Solar Power
Artista: Lorde
País: Nova Zelândia
Lançamento: 20 de agosto de 2021
Gravadora: Universal Music
Estilo: Folk, Pop

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