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Crítica | Sociedade dos Poetas Mortos

Quebrando os moldes.

por Ritter Fan
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Em seu terceiro filme 100% hollywoodiano, Peter Weir filma roteiro que Tom Schulman escreveu com base em suas experiências próprias com um inesquecível professor que teve em sua juventude e que acaba sendo, se olharmos para a filmografia do cineasta australiano, a versão positiva e intimista do tema que ele sempre abordou, ou seja, a “invasão” externa em um ambiente ancestral que muda completamente o status quo. O invasor, aqui, é o jovem professor de literatura inglesa John Keating (Robin Williams), que começa a lecionar no rígido, conservador e tradicionalista internato episcopal só para homens Welton Academy (nome fictício que, porém, representa muitas escolas semelhantes mundo afora), em Vermont, logo encantando sua primeira turma com sua maneira pouco ortodoxa de ensinar a pensar.

Ao mesmo tempo em que Sociedade dos Poetas Mortos é um longa com uma edificante mensagem sobre a importância de se ter pensamento crítico, de quebrar os grilhões preestabelecidos pela sociedade e sobre a própria profissão de professor, que jamais deve ser alguém que só repete dogmas e que cegamente segue mandamentos superiores da direção da escola, ele também é um filme sobre amadurecimento – o coming of age – que foca em um pequeno grupo de alunos, especialmente no estudante do terceiro ano Todd Anderson (Ethan Hawke) que passa a dividir quarto com Neil Perry (Robert Sean Leonard), um dos melhores alunos dali. Isso fica evidente já nos primeiros dias de aula com Keating, em que o professor não só manda arrancar o prefácio de um livro de poemas que reduz a apreciação da arte à aritmética da estética, como começa a lecionar pelos corredores e jardins da escola, sempre desafiando os alunos a enxergarem o amplo mundo em que estão inseridos e a extrair dos poemas não lições estritamente quantificáveis, mas verdadeiros ensinamentos para a vida.

Robin Williams, que já tinha uma carreira sólida, mas ainda não estelar – e que, curiosamente estrelara, três anos antes, no longa Seize the Day, que é a tradução para o inglês de Carpe Diem, frase latina que significa “aproveite o dia” que é a primeira lição de Keating a seus alunos -, é, inegavelmente, o coração e a alma do longa. Seu personagem não só representa o melhor do ser humano e, por isso mesmo, é visto como um pária por seus pares, como Williams parece encapsular à perfeição as exigências de seu papel, quase como a materialização física dos conceitos abstratos que Keating representa, fazendo com que cada segundo em que ele está em tela seja tão hipnotizante, tão valioso, que é inevitável sentir uma pontinha de vazio quando Weir direciona a câmera para o drama dos jovens deslumbrados pelos caminhos que o professor abre para eles.

Não que o jovem elenco que encarna o grupo de alunos enlevado pelos ensinamentos de Keating não estejam bem em seus papeis, pois certamente estão. Apenas quero salientar – talvez um tanto quanto superlativamente, mas faz parte – o quanto Williams, aqui, transmite uma mistura cativante de inocência, altivez, paixão, empatia, humor, respeito, inteligência e conhecimento que ele parece absorver todo e qualquer fiapo de atenção quando está em cena. Chega a ser um “personagem impossível”, daqueles unidimensionais, mas que ansiamos tanto para que ele existe, que isso não importa. E Weir sabe disso muito claramente, ao deixar Williams fazer o que faz de melhor, o que o leva, ainda nesse momento cedo de sua carreira, a extrair do ator uma de suas melhores e mais marcantes atuações, uma que, diria, jamais o deixou.

Hawke, para todos os efeitos vivendo o protagonista, encanta pela naturalidade como navega pelas intempéries, sejam suas próprias dúvidas do que quer ser, seja o claro desconforto que sente com a rigidez da escola, seja a admiração profunda que tem por seus colegas, que logo se tornam amigos, e, claro, por seu professor. Leonard e seu Neil, líder do grupo e fundador da chamada Sociedade dos Poetas Mortos, um clube secreto de leitura e reflexão do qual Keating fizera parte anos antes, é o brilhante jovem esmagado pelas expectativas que seu pai dominador tem dele, com Kurtwood Smith conseguindo construir um personagem odioso (mais um, pois, dois anos antes, ele vivera o vilanesco Clarence Boddiker, em RoboCop – O Policial do Futuro) com relativamente pouco tempo de tela.

No entanto, é na construção do personagem de Robert Sean Leonard que repousa meu talvez único – mas não pequeno – problema com o longa. Quando ele nos é apresentado, vemos imediatamente um líder nato, alguém seguro de si , admirado por todos aqueles próximos a ele e alguém que tem absoluta certeza de quem é e do que quer ser. A entrada de Keating em sua vida quebra esse equilíbrio e ele começa a perceber que talvez ele não queira de sua vida aquilo que seu pai quer de sua vida e um conflito interior começa a turbilhonar em sua mente. A questão é que, mesmo considerando o que seu irredutível pai faz com ele, levando-o ao momento climático da obra, tenho para mim que Weir pulou etapas, acelerou demais o roteiro de Schulman e não deixou o jovem ator efetivamente desenvolver Neil e nos convencer de sua evolução e de sua escolha ao final. A queima lenta era essencial aqui e Weir, mesmo não exatamente correndo com a história, não parece ter dedicado tempo suficiente para que fôssemos convencidos de que alguém como Neil ver-se-ia tão rapidamente sem nenhuma outra saída que não a que decidiu encarar.

Mesmo assim, as lições de Sociedade dos Poetas Mortos são inestimáveis e o filme, como um todo, apesar do que acontece, é um olhar positivo da vida, da influência de agentes de mudança na vida de cada um de nós, de pessoas que enxergam bem além do cantinho confortável e limitado em que foram criadas. Keating é tudo o que qualquer um gostaria de ser e seus alunos somos nós, deslumbrados quando descobrimos – se tivermos a sorte de descobrir e mais ainda de poder escolher, claro – que nosso caminho não está predeterminado, mas sim aberto para que nós aproveitemos o máximo possível da vida que nós queremos ter. Carpe diem, com certeza!

Sociedade dos Poetas Mortos (EUA – 1989)
Direção: Peter Weir
Roteiro: Tom Schulman
Elenco: Robin Williams, Robert Sean Leonard, Ethan Hawke, Josh Charles, Gale Hansen, Dylan Kussman, Allelon Ruggiero, James Waterston, Norman Lloyd, Kurtwood Smith, Alexandra Powers, Melora Walters, Welker White, Leon Pownall, George Martin, Carla Belver, Jane Moore, Kevin Cooney, Colin Irving, Matt Carey
Duração: 128 min.

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