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Crítica | Sobreviventes do Pampa

"Imagem do final de tarde".

por Frederico Franco
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Imagem do final de tarde“, diz um dos entrevistados do filme sobre aquilo que define a pampa: é poder olhar para o horizonte e ter a visão que a paisagem é infinita como se as linhas verdes que cortam o azul do céu não tivessem fim. Sobreviventes do pampa, no entanto, prefere deixar de explorar tais imagens – por mais que às vezes o faça – para focar nos depoimentos específicos daqueles que, ou vivem em função do campo, ou cujas vidas foram impactadas pela vida no pampa. O diretor Rogério Rodrigues ainda insere na narrativa suas próprias vivências e relações com a vida longe da cidade. Ele nunca ter vivido em pampas, mas cujas origens remetem à cidade campeira de Alegrete, no interior do estado do Rio Grande do Sul. A jornada pelas terras gaúchas é, também, uma espécie de deslocamento do imaginário de diretor que retorna a suas origens para, sobretudo, descobrir a multiplicidade da pampa.

O modo como Rogério coloca os limites entre sua própria viagem e a história da pampa e de seus viventes é, no mínimo, pouco inventiva e esteticamente brega. Para demarcar sua visão subjetiva do assunto, o diretor, entre os depoimentos, aposta no congelamento do frame e, posteriormente, retirando sua cor, deixando-o em preto e branco. Após tal experimento estético, surge a voz do narrador, trazendo informações repetidas ou tentativas falhas de criar sua própria narrativa dentro da história da pampa. Esse recurso é utilizado durante todo o filme, o que acaba atravancando a continuidade de Sobreviventes do Pampa. Ainda em outra tentativa de se inserir dentro da história que tenta contar, vemos Rogério Rodrigues sempre dividindo o quadro, a imagem, com os entrevistados – como modo de dizer que o filme também trata de si mesmo. Mas não é exatamente assim: Rogério, por mais que tenha passado familiar na pampa, sua vida nada tem a ver com o território no campo. Por mais que ele se enxergue como parte dessa narrativa, os verdadeiros moradores do pampa acabam por dividir um espaço – imagético e social – que é deles pela totalidade. Ainda, o diretor insere alguns trechos de imagens nas quais aparece caminhando pelo cenário enquanto sua própria voz ecoa na sala de cinema. Novamente, tenta colocar sua própria pessoa como ponto central de uma história que não precisa de sua intrusão. 

Ao subir no palco do 51º Festival de Cinema de Gramado, a equipe responsável pelo filme se apresentou com um forte discurso político sobre a preservação do pampa e por seus direitos de terras. A ideia que se criou em meu imaginário era de ver um filme com um aspecto político forte, permeando toda a obra de Rogério Rodrigues. Entretanto, o que se encontra em Sobreviventes do Pampa, são muito mais relatos pessoais apontando as mazelas e os pontos positivos da vida afastada da cidade. A parte política fica reservada para o final do filme, mas não é desenvolvida ao ponto de se tornar uma temática central do documentário. A única relação mais potente entre a vida na pampa e esfera política se dá a partir de imagens de enormes máquinas de lavoura invadindo a paisagem natural do Rio Grande do Sul. Os aparatos, gigantescos, são uma clara oposição ao cuidado manual do ser humano com terra, estabelecendo uma troca baseada na delicadeza e na suavidade do toque humano. Ser humano versus máquina. Natureza versus construção. Aqui, se solidifica uma dinâmica de poder, no qual as maquinarias surgem para explorar a terra e seus frutos a bel prazer, passando literalmente por cima daquele que se coloca em sua frente. O verde, as árvores, o pampa, são interpelados pelas enormes construções de ferro que levam tudo adiante.

Um dos grandes acertos de Rogério Rodrigues é o de apostar em um grande e diverso número de pessoas que pertencem ao pampa gaúcho. O discurso central do filme é, justamente, sobre como essa região acolhe enormes e variados tipos de pessoas. A própria história do pampa é marcada pela mescla de diferentes origens: desde o homem branco até as comunidades indígenas. E a seleção dos entrevistados dá conta disso. Somos apresentados a típicos gaúchos de lenço e bombacha, líderes indígenas, produtores rurais e até mesmo a uma travesti. Todos eles, sem nenhuma exceção, possuem uma íntima relação com a terra de onde vieram ou que ainda vivem. O pampa é realmente heterogêneo, não se limitando apenas à imagem do peão gaúcho a cavalo. Todos que ali vivem ajudam a, cada vez mais, construir uma nova imagem dessa região do Rio Grande do Sul.

Existe um trecho de Sobreviventes do Pampa, já em sua segunda metade, que se distancia dos discursos historiográficos da região e até mesmo das inserções erráticas do diretor. Nele, as entrevistas tomam um rumo técnico a respeito dos plantios, colheitas e seus resultados para o pampa gaúcho. Tamanho tecnicismo, no entanto, distancia o espectador que não possui os devidos conhecimentos do assunto. Em meu caso, um completo ignorante na temática, tais entrevistas não foram capazes de engajar meu olhar; nessa seção do filme, em muitos momentos percebi minha mente fugir para outros lugares. Além de não contribuir com o filme, as imagens também não trouxeram grandes novidades capazes de suprir a ausência de fio narrativo. Junto disso à breguice do frame congelado seguido pelo p&b, o filme de Rogério Rodrigues se torna extremamente enfadonho.

São poucos os momentos que encantam esteticamente: algum ou outro insight criativo da fotografia nos presenteiam com belas imagens do pampa. O problema é que sempre paira o medo da direção dar um jeito de, novamente, aparecer no filme e, também, congelar o plano. Falando sobre rigor formal, o filme não empolga. Para piorar, a direção peca (e muito) em tentar se fazer presente demais – seja física ou metaforicamente.

Sobreviventes do Pampa – Brasil, 2023
Direção: Rogério Rodrigues
Roteiro: Rogério Rodrigues
Duração: 78 min.

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