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Crítica | Sobre a imortalidade de Rui de Leão, de Machado de Assis

"Rui de Leão" e "O Imortal": a Ficção Científica de Machado de Assis.

por Luiz Santiago
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Consta de crônicas inéditas e secretas que, ali pelos anos de 1630, vivia no interior do Brasil, um fidalgo chamado Rui de Leão, varão de boas prendas, extremado na língua do país e aparentado com uma família tamoia, por ter casado com uma das suas mais belas filhas.

Quando eu vi esta coletânea da Plutão Livros, com o chamativo título Sobre a Imortalidade de Rui de Leão para dois contos assinados por Machado de Assis, confesso que fiquei bastante espantado. Nunca tinha ouvido falar nesses contos e não conhecia esse lado de ficção científica vindo de um dos gigantes da literatura brasileira, de modo que meu espanto se juntou à grande curiosidade para conhecer as duas histórias. Logo de início, a editora nos brindou com um excelente artigo do escritor paulista Roberto de Sousa Causo intitulado O Imortal e o Imortal: Machado de Assis e a Ficção Científica, onde o autor faz um elogiável panorama pela história desse gênero em nossas letras, dividindo a produção em “ondas” e apontando muitos autores ao lado de livros, datas e temáticas centrais de cada Era do gênero no Brasil.

Na coletânea, encontramos dois contos que se relacionam. O primeiro deles é Rui de Leão, originalmente publicado em 1872, no Jornal das Famílias (periódico onde Machado também publicara, por exemplo, os seus Contos Fluminenses). O segundo é O Imortal, originalmente publicado em 1882, na revista A Estação. Nessas duas narrativas, Machado de Assis nos conta a história de um homem branco que casa-se com uma indígena tamoia e que recebe de seu sogro o “segredo da imortalidade“, fornecido ao velho pela divindade Tupã. Mesmo tendo inicialmente resistido à declaração do pajé, Rui acabou se rendendo ao líquido do jarro, em um momento de grande fragilidade de sua saúde, terminando por constatar que o sogro falara a verdade: o líquido dava a imortalidade àquele que o bebia.

O autor faz uma apresentação bastante instigante dessa possibilidade de vida eterna, primeiramente forçando o leitor a se acostumar com a ideia, dando, em seguida, bastante atenção para dois principais sentimentos que tomam conta do protagonista quanto mais tempo ele vive: o tédio diante de tudo o que existe e a constante dor da perda de pessoas amadas. Rui de Leão prova a verdadeira maldição que é a imortalidade, uma condenação que o faz perder a perspectiva de tempo e até mesmo a de propósito para a vida, pois se não há data para morrer, qualquer tipo de ação, sonho ou conquista pode ser adiada indefinitivamente… e ainda haverá tempo para que a pessoa visite esse tarefa no futuro e a coloque em prática. Perde-se, portanto, a vontade de viver.

__ Meu pai nasceu em 1600….

__ Perdão, em 1800, naturalmente…

__ Não, senhor, replicou o Dr. Leão, de um modo grave e triste, foi em 1600.

O protagonista, no entanto, se mantém ativo. Sua personalidade é inquieta, sempre buscando aprender novas ciências, novas línguas, viver novos amores e estar trabalhando em algo. Isso fica ainda mais claro no segundo conto, O Imortal, que é narrado do ponto de vista de um filho de Rui, e onde Machado expande todo o pano de fundo histórico que marcou a vida desse imortal… até a sua morte. Ao final de Rui de Leão, descobrimos como esse “afortunado desafortunado” venceu a vida e encontrou, finalmente, o seu descanso. Na narrativa seguinte, escrita dez anos depois, estamos diante de buracos históricos preenchidos, detalhes muito importantes sobre a vida dele que são muito bem explicados e, melhor ainda, a adição de novos fatos, tanto antes quanto depois da primeira trama.

Embora veja as duas histórias como iguais em qualidade, o segundo conto consegue um resultado bem mais interessante em termos de construção e exploração de cenários, enquanto o primeiro, por ter como ponto de vista o próprio indivíduo imortal, está marcado por emoções, por reações apaixonadas, raivosas ou incompreensíveis daquele que viveu os eventos. Na medida em que se completam, essas aventuras também nos fazem pensar no próprio exercício de narrar uma história, cabendo a cada novo autor, a cada nova voz e a cada tempo a sua própria cota de provas, documentos, explicações e mesmo público para o qual se apresenta todos esses fatos.

Em um misto de fantasia e ficção científica cheio de elementos típicos da literatura brasileira do final do século XIX, Rui de Leão e O Imortal nos mostram mais uma vez a extensão da capacidade criativa de nosso grande autor. São contos pouco conhecidos, infelizmente, mas que se tornam boas surpresas (embora não sejam, em qualidade geral, nenhuma obra-prima) para o leitor que os encontrar. Ver a criação de um personagem  imortal, a história de suas andanças e as narrativas que, séculos depois, contaram sobre o que ele fez em vida já é uma premissa interessante, e se torna ainda mais quando assinado por um escritor do porte desse gigante que foi Machado de Assis.

Sobre a imortalidade de Rui de Leão (Brasil, 1872 e 1882)
Autor: Machado de Assis
Publicação original: Jornal das Famílias e A Estação
Publicação lida para esta crítica: Plutão Livros, 2018
125 páginas

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