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Crítica | Sob Pressão – 1X01: Piloto

A retratação da doente saúde pública brasileira.

por Arthur Barbosa
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Bem-vindos ao Plano Piloto, coluna dedicada a abordar exclusivamente os pilotos de séries de TV.

Número de temporadas: 05
Número de episódios: 59
Período de exibição: 25 de julho de 2017 até 07 de julho de 2022
Há continuação ou reboot?: A série é baseada em um filme homônimo lançado em 2016. Após o sucesso, a série ganhou dois episódios especiais sobre a pandemia de COVID-19, em uma intertemporada intitulada Sob Pressão – Plantão Covid, exibida em 2020. Apesar do cancelamento, os criadores pretendem lançar um filme para o encerramento definitivo do seriado.

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“(…) Óh, Deus! Dai-me força e coragem

Juro que não é miragem

O que existe em mim

A cada dia que passa
A tristeza me abraça

E está chegando o meu fim (…)” – Mestre Monarca.

Apelidada carinhosamente aqui, no Brasil, de “Grey’s Anatomy Tupiniquim”, a série Sob Pressão – original Globoplay – é um sucesso desde a sua estreia em 2017, ao mostrar a realidade triste da caótica saúde pública nacional. Antes do seu lançamento, a história – baseada em um livro homônimo do médico Márcio Maranhão, chamado Sob Pressão: A Rotina de Guerra de um Médico Brasileiro (2014) – foi exibida como um filme com o mesmo nome, lançado em 2016, mas, logo em seguida, transformada em um seriado na programação da TV Aberta da Rede Globo. Acredito que a imensa repercussão seja em virtude de os brasileiros serem aficionados por séries médicas, como as já conhecidas: House, ER – Plantão Médico, New Amsterdam: Toda Vida Importa, Transplant: Uma Nova Vida, The Night Shift: Plantão Noturno, Chicago Med, Private Practice, The Resident, The Good Doctor: O Bom Doutor e, claro, a longeva e já citada Grey’s Anatomy. No entanto, nada melhor do que termos a nossa própria série hospitalar mostrando as nossas próprias mazelas e dificuldades, não é mesmo?! Dessa forma, a premissa de Sob Pressão é bem simples: traçar um retrato extremamente chocante e fiel a realidade enfrentada nos hospitais públicos brasileiros, com ênfase na região periférica da cidade do Rio de Janeiro (RJ), onde as cenas foram rodadas. Esse panorama é determinado desde a precária – e proposital – ambientação até a fotografia, destacando a falta de equipamentos hospitalares e a angústia para salvar vidas humanas, com 50 pacientes espalhados pelos corredores em cima das macas do hospital necessitando de atendimento somente neste primeiro episódio, de acordo com o diretor do hospital, o médico Dr. Samuel Oliveira Filho (Stepan Nercessian).

Quem conduz a história é o Dr. Evandro Moreira (Júlio Andrade), um médico apaixonado pela profissão, mas esconde de si próprio o vício em remédios, afinal de contas, além da pressão diária, um fator emocional forte abalou as suas estruturas sentimentais mais profundas logo na series premiere – impactando, inclusive, nós, telespectadores! No caso, ele perdeu a sua esposa Madalena (Natália Lage) na mesa de cirurgia em um contexto da precariedade do atendimento público, fazendo o possível e, até mesmo, o impossível para que isso não se repetisse novamente na sua presença, com a famosa frase: “Ninguém morre no meu plantão!”. E o impossível é no sentido mais pleno da palavra, sem exageros, pois durante o piloto são muitos os momentos em que os médicos tentam lidar da melhor forma possível com as adversidades, como a falta de luz e utensílios médicos para uma cirurgia. Ao lado dele, temos a atriz Marjorie Estiano, que incorpora a doce médica Dra. Carolina, formando, assim, uma dupla quase perfeita no desejo inquietante em salvar vidas, apesar das ideologias e decisões discrepantes entre os dois protagonistas. 

A realidade é pontuada exatamente como deveria ser: nua, crua e um tanto cruel, principalmente com os pacientes e com a falta de manutenção e de valorização do Sistema Único de Saúde (SUS). Nenhum profissional de saúde – com destaque para os médicos – é colocado como perfeito, e isso é notório principalmente nas escolhas durante os plantões, as quais podem ser questionáveis. Uma delas parte do médico Evandro, que, para drenar uma cirurgia em uma paciente, usa um pedaço da mangueira que estava sendo usada para lavar as escadas da unidade hospitalar. E vocês, caros(as) leitores(ras), devem estar se perguntando se isso não foi um excesso da liberdade criativa por parte dos roteiristas, não é mesmo?! A resposta é não, uma vez que o médico especialista em cirurgia torácica Márcio Maranhão teve que realizar o mesmo procedimento, conforme ele relata no livro-base, ou seja, mais real do que essa representatividade Sob Pressão, impossível. Outra abordagem interessante retratada no episódio foi o embate entre a Fé e a Ciência, em que Evandro se mostra cético em relação ao contexto da espiritualidade, ao passo que Carolina se mostra adepta ao panorama em acreditar em algo além do poder do homem. Nesse sentido, é louvável vermos que estamos diante de um trabalho corajoso e inquietante o suficiente para retratar temas certamente polêmicos, como o citado, os quais estão latentes na sociedade brasileira.

Há tempos não tínhamos na história da teledramaturgia nacional um conteúdo verossímil que surpreendesse o público a cada nova história exibida. Tivemos um material robusto. Vejam: a grávida atropelada que precisou de uma cirurgia de emergência com o mencionado dreno improvisado de mangueira para drenar o tórax dela; posteriormente, no final, houve o nascimento do bebê; o garotinho que chegou engasgado sem respiração sendo salvo pela médica Carolina após ele ingerir droga, a qual foi fornecida pelo do irresponsável irmão; o senhor acamado debaixo da escada com câncer, sem família, sem um lar; a necessidade de doadores de sangue; e a participação especial do cantor e compositor sambista Monarco, na pele do idoso senhor Antenor do Cavaco, paciente com câncer de laringe em estado terminal. Percebe-se, então, a pluralidade de casos e de tramas abordadas em um único episódio, e, em meio a tantos afazeres e preocupações, os médicos e equipe, como o Dr. Rafael Albertini (Tatsu Carvalho), o Dr. Charles Garcia (Pablo Sanábio), o Dr. Amir Salgado (Orã Figueiredo), o Dr. Décio Guedes (Bruno Garcia) e a enfermeira Jaqueline Vaz (Heloísa Jorge), ainda têm tempo para conversarem e tentarem acalmar e acalentar os corações angustiados dos pacientes, mesmo não tendo tempo para almoçar, tampouco para comer um simples sanduíche de atum, fornecido pela carinhosa Dona Noêmia (Ângela Leal). 

Ademais, assim como nas séries médicas mencionadas no início desta minha Crítica para a Coluna Plano Piloto, Sob Pressão exibiu diversas cirurgias com a equipe médica repleta de sangue, de bisturis, de afastadores e de todos os equipamentos – mesmo que escassos – de um Centro Cirúrgico. Sabemos que o sangue, os panos e os utensílios são falsos, entretanto não deixam de impactar quem está assistindo, porque de fato parecem reais. Em uma das entrevistas para a divulgação da “Grey’s Anatomy Tupiniquim”, o ator Júlio Andrade disse que morre de medo do universo hospitalar e, em virtude disso, não consegue ver sangue na frente dele, sendo, desse modo, uma grande ironia da vida. Quem diria que o nosso McDreamy brasileiro – ao contrário do Derek Shepherd (Patrick Dempsey) de Grey’s Anatomy – teria medo de usar um bisturi para a realização de um corte anatômico? Pelo menos, no fim do episódio, o casal decidiu que o neném teria o mesmo nome que o médico, sendo uma maneira para homenageá-lo por ter salvo a vida da mamãe e do bebê: uma linda e honrosa homenagem!

Contudo, apesar da celebração da vida, também tivemos nos minutos derradeiros o velório do senhor Antenor, que foi acompanhado pelo grupo de samba em uma cantoria em honra ao que ele representou até o seu último suspiro. Em meio a isso, foi mostrado que Evandro ainda nutre um amor arrebatador pela sua falecida esposa Madalena, em que ele não consegue aceitar o fato da não mais existência dela em nosso plano, infelizmente. Já Carolina, além de descobrir que ele é viúvo, nos revela que esconde um segredo: a automutilação por meio das marcações na região da sua barriga. Essas duas retratações mostram que os médicos, da mesma forma que qualquer outro paciente, também são seres humanos de carne e osso, isto é, possuem desejos, angústias e sentimentos profundos e, justamente por isso, o título de super-heróis é uma falácia que a sociedade os intitulou ao longo dos anos.

Portanto, em um excelente piloto – exibido em 2017 – Sob Pressão representa a realidade da saúde pública nacional, merecendo todo o sucesso e todos os elogios para com o seriado. Entre diversas histórias, há algo que permanece na essência do seriado: a humanidade e o respeito para com os pacientes por mais que sejam apenas participações especiais, juntamente ao fato de ser uma espécie de serviço de utilidade pública de conscientização da população, porque, no final, foi exibido um letreiro alertando sobre a importância da doação de sangue para salvar vidas, temática abordada ao longo do piloto. Essa última característica perdurou ao longo de todos os outros 58 episódios exibidos nas cinco temporadas, e se você quiser dar uma chance ao seriado, tenha a certeza de que o arrependimento não fará parte dos seus sentimentos após maratonar essa grande produção brasileira.

Sob Pressão 1×01: Piloto (Brasil, 25 de julho de 2017)
Criação: Jorge Furtado, Lucas Paraizo
Direção: Andrucha Waddington, Mini Kert, Rebeca Diniz
Roteiro: Lucas Paraizo, Jorge Furtado, Antônio Prata, Mini Kert, André Sirangelo, Márcio Alemão, Flávio Araújo
Elenco: Júlio Andrade, Marjorie Estiano, Stepan Nercessian, Tatsu Carvalho, Orã Figueiredo, Pablo Sanábio, Heloísa Jorge, Ângela Leal, Emiliano Queiroz, Talita Castro, Natália Lage, Bruno Garcia, Josie Antello, Júlia Shimura, Alexandre David
Duração: 51 minutos

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