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Crítica | Sob as Águas do Sena

Uma irregular, mas divertida narrativa de tubarões tocando o terror em Paris.

por Leonardo Campos
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Tal como os filmes de assassinos mascarados (slashers) e exorcismos, os tubarões ressurgem constantemente na indústria cinematográfica, ora com filmes interessantes, ora com produções bizarras e sem uma dose sequer de bom-senso. Ao passo que Sob as Águas do Sena avança, eu considero que fiquei em dúvida onde encaixar a narrativa nestas duas linhas tipológicas. Digamos que diante do que se produz por ai, o filme é executado com bons efeitos, elenco qualificado e história com arcos mais amarrados que os demais exemplares lançados anualmente nos cinemas. Há um ritmo interessante, muitos bons momentos, um desfecho que sai da caixa e entrega um diferencial ao público, mas ainda assim, durante o seu desenvolvimento, alguns clichês, aqueles necessários para manter o público massivo garantido, atrapalham o andamento de uma estrutura narrativa que poderia ter mais qualidade dramática.

Há eras, os tubarões têm sido retratados como seres sanguinários e implacáveis, prontos para atacar qualquer pessoa que esteja em suas imediações. É assim, ao menos, nesse Sob as Águas do Sena, dirigido por Xavier Gens e escrito pela dupla formada por Sebastien Auscher e Edouard Duprey, embasados pelos argumentos de Olivier Torres e Yaël Langmann. Juntos, esses profissionais entregam a clássica imagem reforçada ao longo das décadas por filmes de terror e relatos sensacionalistas que destacam a feroz natureza predatória desses animais marinhos. A reputação de Lilith, aqui, é a alcunha de “máquina de matar”. Em meio aos processos de liberdade criativa dos realizadores, o tubarão-fêmea consegue atravessar canais e chegar ao famoso Rio Sena, massa fluvial que corta diversas partes de um dos cartões-postais mais cobiçados do mundo inteiro: Paris, a cidade da luz, da moda e, nesse filme, dos tubarões.

Com a sua forma física elegante e aerodinâmica, os seus sentidos aguçados e a sua capacidade de sobreviver em praticamente todos os ambientes aquáticos, os tubarões despertam admiração e respeito entre biólogos marinhos e entusiastas da vida selvagem. É o caso da protagonista Sophia Assalas (Bérénice Bejo), uma mulher que investiga a vida marinha e já teve uma interação desastrosa com a criatura chamada de Lilith, responsável por ceifar a existência de vários membros de sua equipe em uma ação do passado. Ainda em luto, ela descobre a presença dessa fera marinha pelas imediações do Sena e precisa se unir aos descrentes, isto é, a polícia e os representantes políticos, para permitir que a criatura irracional não seja exterminada, mas devolvida ao seu local de origem: o extensivo oceano mais próximo.

Há, porém, no processo, outro problema. Não é só Lilith que se dispõe a devastar qualquer vida que se aproxime das águas do Sena. Num esquema da já mencionada liberdade criativa, afinal, a proposta é completamente ficcional, sem qualquer conexão com possibilidades reais na dinâmica da natureza, o tubarão em questão passa por um veloz e misterioso esquema de “partogênese”, isto é, um fenômeno extraordinário de reprodução assexuada, no qual um organismo é capaz de gerar descendentes sem a fertilização do gameta masculino por um gameta feminino. A partogênese, conhecida por desafiar conceitos tradicionais de reprodução e gerar questões intrigantes sobre a diversidade e evolução da vida no planeta para os biólogos, aqui, fazem o mesmo com os nossos limites da suspensão da descrença. É preciso entrar na ideia e se deixar levar pelo ritmo do filme, algo que não podemos reclamar. É divertido e não enrola.

Assim, com um cardume de outras feras marinhas se desenvolvendo com uma rapidez expressiva, Sophia e os demais personagens precisam batalhar para que as coisas voltem ao normal. Mas, como sabemos, há muitos obstáculos pelo caminho, alguns praticamente intransponíveis. Temos a prefeita, mais preocupada com o campeonato esportivo que promete gerar bilhões de receita para a cidade, figura ficcional que se vangloria com a presença do perigoso tubarão, alegando que é ótimo saber da existência da criatura, uma comprovação acerca das suas ações assertivas de despoluição das águas em questão. Há os cidadãos irresponsáveis, curiosos com seus smartphones para fazer a live ideal e garantir os likes na captação dos tubarões, assim como a polícia da região, inicialmente reticente, a considerar a protagonista como uma mulher louca e sem alguma noção.

Ao leitor, uma pergunta: essa estrutura dramática te faz lembrar qual clássico do cinema?

Depois de Tubarão, dirigido por Spielberg, uma onda de produções do tipo surgiram para pegar onda no sucesso deste clássico, conhecido por emular elementos de Moby Dick, de Herman Melville. Os tubarões têm ocupado um espaço muito peculiar no imaginário humano, sendo fonte tanto de “medo profundo” quanto de fascínio irresistível. É um esquema de dualidade intrínseca à percepção popular dos tubarões, oriundos de uma interseção complexa entre fatores biológicos, culturais e psicológicos. Águas Rasas, Do Fundo do Mar, Demônio dos Mares, Megatubarão, dentre outros, inclusive, esse Sob as Águas do Sena, são filmes que exploram a maneira como nós humanos, observamos esses magníficos predadores marinhos, criaturas que despertam tanto horror quanto admiração, tramas que capitalizam em torno da sua receita garantida de sucesso com as bilheterias, mas também delineiam análises sobre fenômenos sociais e individuais que contribuem para a sua representação simbólica.

Sob as Águas do Sena (Under Paris, França – 2024)
Direção: Xavier Gens
Roteiro: Sebastien Auscher, Edouard Duprey, Olivier Torres, Yaël Langmann
Elenco: Bérénice Bejo, Nagisa Morimoto, Anne Marivin, Léa Léviant, Nassim Lyes, Sandra Parfait, Aksel Ustun, Aurélia Petit
Duração: 104 min.

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