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Crítica | Smallville – 1X01: Piloto

por Davi Lima
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Bem-vindos ao Plano Piloto, coluna dedicada a abordar exclusivamente os pilotos de séries de TV.
Número de temporadas: 10 smallville
Número de episódios: 217
Período de exibição: 16 de outubro de 2001 – 13 de maio de 2011
Há reboot? Não.

Além de ser um dos super-heróis mais conhecidos, Superman ainda teve uma década de 90 consideravelmente prolífica em produções nas variadas mídias, seja na TV, nos quadrinhos ou nos desenhos animados. No final da mesma década, o canal The WB Television Network buscou construir um cenário televisivo focado em jovens, como as produções Charmed, Buffy e Dawson ‘s Creek. Dessa forma, quando os produtores e roteiristas Alfred Gough e Miles Millar (Homem-Aranha 2, Eu Sou Número Quatro, Into the Badlands) sugeriram uma série sobre o Superman com influências televisivas do público juvenil, especialmente de Dawson ‘s Creek, e o que se generalizou do conceito do heroísmo de Clark Kent após tanta profusão do alter ego do azulão “noventista”, gritam alto na concepção do que é a série Smallville. Esse grito, ao mesmo tempo que contribuiu para um desenvolvimento artístico único e marcante para o piloto em 2001, também criou uma indecisão entre a objetividade e a didática para se reinterpretar Clark Kent para um novo público após o 11 de setembro.

O cenário de lançamento do piloto apresentou uma ambiguidade efetiva para o sucesso do primeiro episódio. A chegada de Kal-El é tratada com um realismo de desastre na cidade de Smallville, no Kansas, com meteoros matando dramaticamente uma família, destruindo milharais e mudando a nomeação da cidade do milho. Enquanto isso possa soar realmente assustador após o acontecimento com as torres-gêmeas, a narrativa de Martha (Annette O’Toole) e Jonathan Kent (John Schneider) almejando ter um filho, e o encontro pacífico de uma criança em meio aos destroços, é “iconizada” por um movimento vertical da câmera auxiliado por uma grua, mostrando Jonathan Kent olhando para o céu cada vez mais distante do foco do público, criando um sentimento de grandiosidade e esperança do céu. Nisso se constrói a efetividade nos primeiros minutos, em que pelo contexto da época, aliado à qualidade da direção de David Nutter (ER, Band of Brothers, Gangues da Noite, Game of Thrones), que consegue relacionar o realismo com sci-fi sem perder o tom rural do Kansas, a introdução clássica do Superman é preservada em grandiosidade e representada em drasticidade simultaneamente. 

No entanto, mesmo que haja essa objetividade dramática, em que é possível ser captada fora do contexto americano do 11 de setembro, a sequência da história do piloto estranhamente parece subestimar seu público, enquanto sugere destinos juvenis (juvenil com conotação negativa) para seus personagens como legitimação da mitologia do Superman, como justificativa didática de aplicar na verossimilhança da vida na cidadezinha de Smallville. Cada passo da construção audiovisual narrativa da juventude de Clark, seja em casa ou na escola, parece fazer parte de um complexo de coincidências, rimas que se justificam, não se justapõem, formando uma trama previsível tanto em objetividade quanto em simbologia. Essa linguagem do piloto se torna feliz, em aparência, porque consegue introduzir de maneira bastante acessível qualquer espectador, especialmente os jovens e os conhecedores da mitologia do azulão, porém, perde-se a imersão criada nos primeiros minutos. 

Na compensação de entregar um piloto de quase uma hora de introdução, apenas nesse conceito, de forma bem executada, a objetividade rege as direções da história e a montagem das cenas, em que num comparativo com o piloto original, que não foi ao ar na TV, vários dramas explicativos são substituídos para manter a exposição a partir de algo subentendido. Embora isso seja natural de uma produção, em que há várias versões de roteiro até a definição do que se quer trazer para TV, se explicita, mesmo assim, a indecisão de como introduzir sendo objetivo e didático. Isso se expõe quando a previsibilidade não advém do que o público já sabe sobre o final do episódio, e sim sobre como todas as peças e símbolos vão criar o conflito do episódio. 

Desde do prelúdio da calvície de Lex Luthor (Michael Rosenbaum) até o vilão da semana, junto com a referência a Friedrich Nietzsche de Lana Lang (Kristin Kreuk) sobre Clark ser homem ou super-homem, e seu colar esverdeado de kryptonita, que faz Clark ficar bobo diante dela por mais um motivo além da paixonite; tudo isso é levado como introdução e foco narrativo da história. Lendo assim soa a base perfeita para um efeito harmonia pura para proveito do espectador, porém, tratar com o audiovisual, até mesmo na TV, quando alguns aspectos são simplificados na gravação, esse didatismo prejudica o efeito de progressão do episódio, como se houvesse uma redundância de introdução a cada cena.

Diante disso, parece que Tom Welling, o ator que interpreta Clark Kent, em toda essa trama de jovens, consegue entregar inicialmente uma jovialidade nua do vislumbre de Superman, como se sua atuação irregular servisse para um personagem cheio de segredos, como ele diz para Lana. Entretanto, a compensação e o complexo de coincidências começam a destinar o personagem a ser o Superman, em que toda a clara evidência de que tudo mudou em Smallville com ele precisasse urgentemente remeter a todas as conexões que a sua amiga jornalista Chloe (Allison Mack) coloca numa parede. Ou seja, o efeito precisa ser justificado, tudo precisa ser administrado dentro de um limite de introdução, como sugestões neutras para um público novo, mas significantes para o fã do Superman. Nisso se consta a indecisão de apresentação, como um reflexo temeroso da cobrança da produção midiática dos anos 90, seja das séries juvenis (não como conotação negativa) ou da mitologia do Superman. 

Logo, Clark precisa se tornar o herói do episódio com um vilão da semana investigado na última hora pelas milhares de conexões possíveis a um milharal. Além disso, o episódio precisa ter o espírito escolar da cidadezinha do Kansas, em um milhão de alternativas de tornar esse espaço importante. Um exemplo disso é a bonita cena em que, de maneira bem ensaiada, Tom Welling se coloca na frente de uma estátua no cemitério de Smallville para parecer que ele tem asas. Outro exemplo, dentro dessa mesma linha, é a simbologia cristã imbricada no Superman ser transformada numa tradição do colegial de Smallville, em que o calouro é colocado pendurado numa cruz, sem blusa, pintado com um S no peito, como um espantalho na plantação. E mesmo que isso seja uma adaptação minimamente criativa para mistificar realisticamente o Superman em Clark Kent jovenzinho, estilo Dawson’s Creek, acaba também por expor as fragilidades do piloto de Smallville em conseguir simbolizar, objetivar e didatizar sem perder o efeito de quebrar a primeira barreira da introdução.

Apesar da conhecida função do piloto de uma série ser introduzir, ele também tem a função de imergir o espectador. O desafio de iniciar uma produção televisiva prolongada sem dúvida precisa de aspectos didáticos de construção de personagens e objetividade para tratar com os conflitos em um curto espaço de tempo. Mas isso não dá a chave de usar coincidências como linguagem de maneira exacerbada, como justificativa legitimadora de uma cidade pequena ou de ajustar mais facilmente símbolos e conceitos de uma mitologia para se tornar mais realista. Não necessariamente o piloto tenha ficado datado. Apesar do efeito de sua época possa soar mais aliviante e esperançoso após o 11 de setembro, nem mesmo questões qualitativas dizem sobre sua primeira temporada, quiçá a série toda, em vista que o efeito intrigante do piloto quanto ao trio Lex, Clark e Lana é alcançado com louvor. Mas com certeza esse primeiro episódio de Smallville mostra como trabalhar com símbolos conhecidos pode criar um vácuo de indecisão entre o subentendido e o explicado como mote de uma previsibilidade narrativa difícil de assistir com gosto.   

Smallville: As Aventuras do Superboy (Smallville) – 1X01: Piloto – EUA, 16 de outubro de 2001
Criação: Alfred Gough, Miles Millar
Direção: David Nutter
Roteiro: Alfred Gough, Miles Millar
Elenco: Tom Welling, Kristin Kreuk, Michael Rosenbaum, Allison Mack, Annette O’Toole, John Schneider, John Glover
Duração: 50 min.

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